• Nenhum resultado encontrado

Causas suspensivas: regime legal ou obrigatório? 133

CAPÍTULO 4 – ASPECTOS POLÊMICOS SOBRE O REGIME LEGAL 133

1.   Causas suspensivas: regime legal ou obrigatório? 133

As causas suspensivas, antes compreendidas como impedimentos impedientes, suspensivos ou proibitivos267, não inquinam o casamento. O artigo 1523, do Código Civil, dispõe “não devem casar”, ou seja, coloca ao arbítrio dos nubentes a união pelo casamento. Ressalva, contudo, que insistindo na união uma sanção de natureza civil será imposta, qual seja, o regime da separação obrigatória de bens.

Ensina PONTES DE MIRANDA que “no caso de silêncio, a lei determina o regime de bens entre cônjuges. Se uma das pessoas ou ambas estão sujeitas a regime legal obrigatório, não cabe levar-se em conta o querer dela ou delas,                                                                                                                

266

Clóvis Beviláqua. Clássicos da literatura jurídica. Direito de família, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 176.

267

porque é a lei mesma que se desinteressa de qualquer expressão de vontade”.268 O regime da separação obrigatória visa coibir o mal que a causa suspensiva tentar evitar. Dessa forma, nos cabe análisar cada uma delas.

“Artigo 1523, I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros”.

Este inciso pretende evitar confusão patrimonial. Aquele que tiver filhos do cônjuge falecido necessitará dar partilha a esses bens antes que constitua nova união para que os novos aquestos não se misturem a herança.

Portanto, caso o viúvo ou a viúva convole novas núpcias estará impedida a comunicação de patrimônios por meio da separação obrigatória, além da hipoteca legal de seus imóveis em favor dos filhos.269

“II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal”.

Este inciso pretende evitar a confusão de sangue ou turbatio sanguinis. Dessa forma, a muher que findar um casamento, deve aguardar, por orientação desse inciso, dez meses para ingresso no próximo matrimônio. O prazo refere-se ao tempo máximo de uma gestação. Caso a mulher esteja grávida terá tempo suficiente para dar a luz à criança sem confusões de paternidade.

                                                                                                                268

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., t. 8, p. 234. 269

Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigo 1.489 – “A lei confere hipoteca: II - aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior.”

“III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal”.

O presente inciso retoma a discussão iniciada no inciso I desse mesmo artigo. A diferença está que naquele a primeira união se finda com a morte e a partilha se dá por inventário, enquanto nesse a união termina por divórcio e a partilha ocorre por homologação da decisão do casal.

Da mesma maneira, enquanto não for homologada a partilha dos bens, não será permitido novo casamento por regime que não seja o da separação obrigatória de bens.

“IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas”.

Este inciso busca evitar que o tutelado ou curatelado se sinta obrigado no casamento com pessoa que detém poder sobre ele. Por outro lado, também visa impedir que o tutor ou curador se exima da prestação de contas afeta a tutela e curatela sob o pretexto do casamento.

As causas suspensivas, conforme já dito, não obstam o casamento, mas sim a livre escolha do regime de bens. Será perfeitamente contornável a sanção do regime obrigatório quando restar provada a inexistência de prejuízo, respectivamente, ao herdeiro, ao ex-cônjuge e à pessoa tutelada ou curatelada. No caso do inciso II, cairá a obrigatoriedade após prova do nascimento de filho ou inexistência de gravidez.270

                                                                                                                270

Ressalve-se que as causas suspensivas poderão ser arguidas apenas pelos parentes em linha reta de algum dos nubentes, sejam estes consanguíneos ou afins, bem como pelos colaterais em segundo grau271, pois a proximidade dessas pessoas faz com que elas detenham conhecimento sobre a vida íntima dos nubentes e assim possam esclarecer o juízo sobre a infringência de alguma causa suspensiva.

No direito português, a ocorrência de impedimentos obsta o próprio casamento. Não há, naquele país, divisão entre causas suspensivas e impedimentos ao matrimônio. Assim, ou o casamento é permitido na amplitude de sua forma, ou ele é proibido.

Reza o artigo 1600, do Código Civil português “têm capacidade para contrair casamento todos aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na lei”.

Mais adiante, o artigo 1609, do mesmo diploma legal, enumera alguns dos impedimentos passíveis de dispensa. Assim, “1. São susceptíveis de dispensa os impedimentos seguintes: a) O parentesco no terceiro grau da linha colateral; b) O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens, se as respectivas contas estiverem já aprovadas; c) O vínculo de adopção restrita”.

Por fim, o artigo 1611, 3, do Código Civil luso explica que “3. Feita a declaração, o casamento só será celebrado se o impedimento cessar, for dispensado nos termos do artigo 1609º ou for julgado improcedente por decisão judicial com trânsito em julgado”.

Da mesma forma o direito italiano também ou permite o casamento na                                                                                                                

271

integralidade de sua forma, com livre escolha do regime de bens, ou o impede por absoluto. O artigo 104, 1a. parte, assim prescreve “L'opposizione fatta da chi ne ha facoltà, per causa ammessa dalla legge, sospende la celebrazione del matrimonio sino a che con sentenza passata in giudicato sia rimossa l'opposizione”.272

No mesmo sentido o artigo 156 do Código Civil mexicano “Son impedimentos para celebrar el contrato de matrimonio: I. La falta de edad requerida por la ley, cuando no haya sido dispensada; II. La falta de consentimiento del que, o los que ejerzan la patria potestad, del tutor o del juez, en sus respectivos casos; III. El parentesco de consanguinidad legítima o natural, sin limitación de grado en la línea recta, ascendente o descendente. En la línea colateral igual, el impedimento se extiende a los hermanos y medios hermanos. En la colateral desigual, el impedimento se extiende solamente a los tíos y sobrinos, siempre que estén en el tercer grado y no hayan obtenido dispensa; IV. El parentesco de afinidad en línea recta, sin limitación alguna; V. El adulterio habido entre las personas que pretendan contraer matrimonio, cuando ese adulterio haya sido judicialmente comprobado; VI. El atentado contra la vida de alguno de los casados para contraer matrimonio con el que quede libre; VII. La fuerza o miedo grave. En caso de rapto, subsiste el impedimento entre el raptor y la raptada, mientras ésta no sea restituida a lugar seguro, donde libremente pueda manifestar su voluntad; VIII. La impotencia incurable para la cópula; y las enfermedades crónicas e incurables, que sean, además, contagiosas o hereditarias. IX. Padecer alguno de los estados de incapacidad a que se refiere la fracción II del artículo 450. X. El matrimonio subsistente con persona distinta a aquella con quien se pretenda contraer. De

                                                                                                                272

Código Civil italiano, artigo 104, 1a. parte – “A oposição feita por aqueles que podem, das razões permitidas por lei, suspende a celebração do casamento até a sentença final se a oposição for removida.” (tradução livre)

estos impedimentos sólo son dispensables la falta de edad y el parentesco de consanguinidad en línea colateral desigual”.

Pelo exposto, as causas suspensivas são hipóteses previstas pelo legislador para evitar a confusão patrimonial ou sanguínea. Portanto, pelo menos no que toca aos bens, cria-se uma ressalva à liberdade de escolha do regime de bens pelos cônjuges.

Não se trata, como visto, de impedimento absoluto limitador do casamento, mas zêlo preventivo a prejudicialidade de menores, incapazes ou mesmo de nubentes que inebriados pela situação do novo casamento podem ser compelidos a fazer uma escolha errada quanto a seu patrimônio.

A separação obrigatória de bens é um regime legal, pois está expresso na lei a sua aplicação e ao mesmo tempo é um regime obrigatório, porque quando há subsunção do fato concreto à hipótese prevista na lei não se poderá fugir a limitação imposta.

Não confundamos o regime legal dispositivo aplicado no silêncio das partes (comunhão parcial) com o regime legal cogente (separação obrigatória) resultado da incidência de alguma das causas suspensivas.

Dessa maneira explica PONTES DE MIRANDA, “assim, a questão do caráter do regime legal não posta para as duas espécies: regime legal dispositivo, isto é, estabelecido por lei para o caso de completa ou insuficiente expressão da vontade das partes, de modo que o modêlo da lei significa convenção tácita; regime legal obrigatório, ou melhor, cogente, em que a lei impõe as normas sôbre os bens, ainda que os nubentes tenham querido, no pacto antenupcial,

outra coisa”.273 As causas suspensivas ao casamento, são assim motivadoras da aplicação do regime legal obrigatório de bens.