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CAPÍTULO 1 – DO CASAMENTO 14

4.   Interesse do Estado 32

Variadas são as vertentes para a compreensão do inegável interesse do Estado na constituição regular da família por meio do casamento. Outrora já se asseverou que “a finalidade da legislação estatal, em material de direito de família, como a finalidade de legislações confessionais sôbre família, é regular e proteger a vida do par andrógino, assegurar a procriação dentro da legalidade, fixar o que é parentesco “jurídico”, necessariamente menor que o parentesco “biológico”, mas, em alguns pontos, excedente (afinidade, adoção), e proteger os menores e os incapazes”.41

Num prisma inicial, o interesse do Estado pelo instituto do casamento pode ser interpretado como a necessidade de “regulamentação social do instituto de reprodução”.42 Mas o casamento, todavia, não é a única forma de união. Relações sexuais eventuais podem vir a constituir a família que, no sentido lato, significa grupo de parentes entre os quais exista relações consanguíneas, de afinidade e de direito. A união do casamento é a que se encontra tutelada em suas circunstâncias e efeitos pelo Estado, conforme certas normas e formalidades estabelecidas pelo ordenamento jurídico pátrio.

A copula carnalis tem mais repercussão nos dias atuais em relação ao início e o fim do casamento, à nulidade por impotência, à afinidade e aos                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

§ 2o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.

§ 3o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil”40

41

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., t. 7, p. 194. 42

direitos e deveres dos cônjuges. O sacramento do instituto do casamento aproximou o caráter natural em detrimento do sentido técnico, dado pelas leis.

Em verdade, o Estado reforça o instituto do casamento pois tem interesse na formação e mantença da família. Vê-se que “CÍCERO apelidou-a de seminarium reipublicae. Efetivamente, onde e quando a família se mostrou forte, aí floresceu o Estado; onde e quando se revelou frágil, aí começou a decadência geral”.43

No mesmo sentido, “a encíclica casti connubii, ao afirmar que a salvação do Estado e a prosperidade da vida temporal dos cidadãos não podem permanecer em segurança onde quer que vacile a base sobre a qual se apóiam e de onde procede a sociedade, isto é, a família. A referida encíclica , expedida por Pio XI a 30 de dezembro de 1930, teve em mira os erros e atentados contra o casamento, visando por isso reintegrá-lo no plano divino”.44

A proteção à família é necessidade da própria mantença do Estado e no direito pátrio hodierno encontra no artigo 226 da Constituição disciplina específica. Assim, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.45 Nos parágrafos 7o e 8o46, referido artigo estabelece formas

                                                                                                                43

Pietro Cogliolo. Scritti varii di diritto privato. Torino: Union Tipográfico-Editrice Torinese, 1917, vol. 2, p.71.

44 Enciclopédia cattolica, voc. Casti connubii, apud, Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p.2.

45

C.F. 1988, art. 226, caput. 46

“C.F. 1988, art. 226 – (...)

§7o. - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

garantidoras à estrutura familiar de forma a procurar impedir qualquer ato contrário a ela.

A Constituição de 88, bem como a novel legislação civil, demonstrou tamabém preocupação com a união estável, eregida ao patamar da família e portanto merecedora de especial proteção estatal, conforme se extrai da redação do § 3º, que estabelece: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.47

O Código Civil tem previsto no artigo 1513 a impossibilidade de qualquer interferência externa na comunhão da família. De acordo com o artigo em análise “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.48 Tais preceitos, de caráter essencialmente protetivos, denotam o interesse em proteger as relações.

A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, regulou o §7° do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 tratando sobre o planejamento familiar. Explica a referida lei que “o planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde”.49

Cabe ao Estado a obrigação de dar condições aos cidadãos de promoverem seu planejamento familiar. Assim, “é dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos                                                                                                                

47

C.F. 1988, art 226, §3o. 48

Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1513. 49

informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do poder familiar”.50

Dessa maneira, a família, seja no conceito clássico de homem, mulher e filhos, seja monoparental, qualquer dos pais e seus descendentes, ou na união estável, todas as formas gozam de especial proteção do Estado.

Conforme observa BARROS MONTEIRO, “na evolução do direito de família verifica-se que, além de ser havida como célula básica da sociedade, presentes os interesses do Estado, a família passou a ser tratada como centro de preservação do ser humano, com a devida tutela à dignidade nas relações familiares”.51

O Estado, contudo, embora tenha muito interesse em regular e manter a família, só intervém em seu núcleo quando obrigado. Via de regra espera ser chamado para se manifestar e ainda assim dá oportunidade aos litigantes de se conciliarem de forma bastante ampla e livre.

A necessidade de regulamentação, apesar disso, é premente. Dessa forma, há vários institutos de proteção à família em nosso ordenamento. O Código Civil brasileiro dedicou um livro inteiro às relações dos direitos da família, além de várias leis esparsas sobre o assunto.

Citemos também a título exemplificativo a Previdência Social descrita no artigo 201, V, da Carta Magna; a impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 5°, XXVI, da Constituição Federal; a própria lei do bem de família n. 8.009 de 29 de março de 1990; a lei de locação n. 8.245 de 18 de outubro de                                                                                                                

50

Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, artigo 5°. 51

1991, que permite a continuidade no bem quando utilizado para fins residenciais.

A família é considerada a base da sociedade porque é para ela que se pensa o direito. Além da sua descrição jurídica no direito de família, todos os demais ramos do direito civil perderiam função se não fosse a pessoa, inserida em algum núcleo familiar ou social.

Pensemos o direito das sucessões, a parte geral, o direito das obrigações, o direito de empresa e o direito das coisas, bem como os demais ramos do direito penal, processual, fiscal, eleitoral, entre outros. Todos perderiam completamente o seu objeto secundário, não fosse pela existência de seu objeto primeiro: a pessoa humana.

O interesse do Estado no casamento é evidenciado de forma sistematizada. Atente-se para o fato de que o reconhecimento da existência da união estável como circunstância que necessita de proteção e regulamentação estatal tem, como um de seus alicerces, a possibilidade de facilitação da conversão de tais uniões em casamento, constituindo-se como um de seus precípuos objetivos.

Em âmbito sucessório, o legislador civil claramente privilegiou aqueles que resolveram realizar suas uniões mediante instituto próprio escolhido pelo Estado. Dessa forma, observa-se que o companheiro não figura na ordem da vocação hereditária descrita no artigo 1829 do código civil. Apenas o casado concorrerá com descendentes, ascendentes ou herdará sozinho o monte deixado pelo morto em caso de inexistência dos primeiros. Enquanto isso, o companheiro figurará como mero sucessor regular, participando da sucessão apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável

e eventualmente concorrendo na forma do artigo 1790 e respectivos incisos do código civil.

Atente-se, ainda, para o fato de que somente o cônjuge é considerado herdeiro necessário sendo a ele garantida a legítima e não podendo ser totalmente excluído da herança por meio de testamento. Tais medidas não apenas denotam a clara preferência dada ao casamento, como também constituem verdadeiro incentivo estatal à realização de uniões regularmente constituídas.