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Comunhão universal de bens 52

CAPÍTULO 2 – REGIMES DE BENS: NOÇÕES GERAIS 38

1.   Regimes existentes no sistema pátrio 38

1.3   Comunhão universal de bens 52

De acordo com a semântica do instituto, todos os bens que os cônjuges possuírem, antes ou durante o casamento, ressalvadas as especificidades legais, pertencerão a ambos, bem como os passivos a ele inerentes.

Nas lições de PONTES DE MIRANDA estão insertos três princípios fundamentais desse regime: “I – tudo que há e que entra para o acervo dos bens do casal fica indistintamente, como se fôra possuído ou adquirido, ao meio, por cada um; II – tudo que cada cônjuge adquire se torna comum no mesmo momento em que se operou a aquisição; III – os cônjuges são meeiros em todos os bens do casal, ainda que um dêles nada trouxesse, ou nada adquirisse na constância da sociedade conjugal”.91

Conforme CLÓVIS BEVILÁQUA, “a comunhão de bens unifica os patrimônios dos cônjuges, ou totalmente, formando com eles um acervo, sob a propriedade e posses indivisas de ambos, quando é universal, ou limitadamente, abrangendo somente certa classe de bens, quando é parcial”.92

Até o advento da Lei no. 6.515/77, esse era o regime legal. O antigo artigo 262, do Código Civil de 1916, substituído pelo artigo 1667, do Código Civil de 2002, que manteve a mesma redação, pregava que “o regime da

                                                                                                                90

Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p. 188. 91

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., p. 288-289. 92

comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com exceções do artigo seguinte”.

Realmente, o regime da comunhão universal é o mais amplo e o que mais se coaduna com o desejo de união motivador do casamento. Ocorre que com o passar dos anos, nem sempre os casais permaneciam com esse mesmo desejo. Assim, muitas vezes algum dos cônjuges se via prejudicado na maneira de dividir o patrimônio, fosse porque a outra parte em nada contribuiu durante a união, fosse porque nada trouxe para ela.

Para VENOSA, “o sistema da comunhão universal como regime legal pode oferecer percalços e suspresas, podendo prejudicar um dos cônjuges, geralmente a mulher, no passado. Tendo o marido, naquela época, a regência da sociedade conjugal, poderia facilmente impor sua vontade, para dissipar os bens comuns e em especial os trazidos pela mulher”.93

Em bom momento veio a alteração legislativa impondo a comunhão parcial como regime legal. Na França, a comunhão universal só é permitida após pacto antenupcial94, idêntico ao sistema brasileiro e ao sistema alemão que também só reconhece a comunhão universal mediante contrato.95

                                                                                                                93

Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, cit., p. 355.

94 Código civil francês, artigo 1526 – “Les époux peuvent établir par leur contrat de mariage une communauté universelle de leurs biens tant meubles qu'immeubles, présents et à venir. Toutefois, sauf stipulation contraire, les biens que l'article 1404 déclare propres par leur nature ne tombent point dans cette communauté. La communauté universelle supporte définitivement toutes les dettes des époux, présentes et futures.” Os cônjuges podem estabelecer por contrato de casamento uma comunhão universal de bens móveis e imóveis, presentes e futuros. No entanto, salvo estipulação em contrário, os bens que o artigo 1404 declara aptos pela sua natureza, não se enquadram nesta comunhão. A comunhão universal definitivamente suporta todas as dívidas dos cônjuges, presentes e futuras. (tradução livre). 95

Excluem-se do regime da comunhão universal “os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum, as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade; os bens referidos nos incisos V a VII do artigo 1659”.96

A referida incomunicabilidade não se estenderá aos frutos que forem percebidos ou vencidos durante o casamento. Conforme analisa CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, “sendo regra, no regime da comunhão universal a comunicação dos haveres, havidos ou adquiridos, a incomunicabilidade restringe-se aos bens doados ou deixados, e não se estende aos respectivos frutos e rendimentos”.97

Leciona BEVILÁQUA que “no direito alemão, os bens subtraídos à comunhão são em número mais limitado. Os feudos, os fideicomissos familiares, as roupas de uso, os bens reservados a cada cônjuge são os objetos incomunicáveis (Código civil alemão 1439 – 1440)”.98

Nessa senda, “tais exceções, que constituem os chamados bens incomunicáveis, são ditados pela caráter personalíssimodos efeitos em questão, ou representam natural decorrência de sua própria índole”.99

Recai na mesma incomunicabilidade os bens doados com cláusula de reversão, pois morto o donatário, o bem não comunica ao esposo do de cujus,                                                                                                                

96

Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigo 1668, I a V. 97

Caio Mario da Silva Pereira. Instituições de direito civil, cit., p. 227. 98

Clóvis Beviláqua. Clássicos da literatura jurídica, cit., p. 201. 99

mas sim, volta ao patrimônio do doador.100 E ainda, os bens doados, legados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade. O casamento é forma de aquisição patrimonial. Permitir a comunicação de bens gravados de incomunicabilidade é ferir o gravame.

A administração dos bens do casal se fará igualmente por qualquer dos cônjuges101 em obediência ao artigo 226, §5, da Constituição Federal de 1988. Porém, nem sempre foi assim. De acordo com o Código Civil de 1916, “na constância da sociedade conjugal, a propriedade e posse dos bens era comum (Código Civil de 1916, artigo 266), mas cabia ao marido, como chefe da sociedade conjugal, a respectiva administração (Código Civil de 1916, artigo 233, II). A mulher só os administrava por autorização do marido, ou nos casos previstos no Código Civil de 1916: artigos 248, V e 251 (artigo 266, parágrafo único). Fora desses casos a administração sempre competia ao marido”.102

Haverá extinção do regime da comunhão universal por ocasião da morte de um dos cônjuges, de sentença de nulidade ou anulação do casamento, de separação ou do divórcio. Essa compreensão persiste desde o artigo 267, do Código Civil de 1916.

O cônjuge supérstite, em caso de morte, terá direito a meação. O monte mor será partido ao meio e cinquenta por cento caberá aos demais herdeiros. Apesar de aparentar ser bastante amplo, esse regime, juntamente com o da separação obrigatória de bens, são os únicos que não permitem a participação do cônjuge sobrevivo como herdeiro quando houver concorrência com descendentes do de cujus. Assim, nessa situação particular, o regime que deveria                                                                                                                

100

Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigo 547 e Lei no 3.071, de 1o. de janeiro de 1916, artigo 1174.

101

Conforme Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigos 1663, 1665, 1666 e 1670. 102

ser o mais abrangente tornou-se restritivo.103 O mesmo não ocorrerá, contudo, quando o cônjuge sobrevivo concorrer com os ascendentes ou caso seja ele o primeiro a ser chamado para herdar, na forma dos incisos II e III do artigo 1829 do Código Civil. No caso de nulidade ou anulação do casamento, cada cônjuge voltará a ter o que levou para o regime, não ganhando nem perdendo nada.

Por fim, a separação e o divórcio fazem com que os bens sejam divididos igualmente ao meio, não participando da meação, obviamente, os bens incomunicáveis.

A extinção do regime acaba com o estado de indivisão dos bens. Dessa maneira, “extinta a comunhão e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro por dívidas que este houver contraído (artigo1671, Código Civil de 2002)”.104

Marcar o exato fim da comunhão é de extrema importância, “isto em razão da ausência da affectio maritalis na separação de fato do casal e do enriquecimento ilícito que pode provocar continuidade da comunhão nesse caso”.105

Quando ocorre falecimento, marca-se o fim do regime pela data do óbito. Nos casos de nulidade ou anulação do casamento, haverá sentença publicada com o dia exato do fim da união. A separação e o divórcio podem ocorrer judicialmente e assim possuir uma sentença para datar o fim o casamento, ou ainda, quando consensual, ser realizada por meio de escritura pública, que terá o condão de finalizar o regime de bens.

                                                                                                                103

Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigo 1829. 104

Maria Helena Diniz. Curso de direito civil, cit., p. 178. 105

Importante atentar que a separação de fato106 permite a convivência em união estável sob o regime da comunhão parcial, o que ocorre antes mesmo de oficialmente dissolvido anterior casamento. Nesse sentido, tramita o projeto de lei no. 6.960/2002 lançado para alterar o artigo 1723, §1o, do Código Civil de 2002, fazendo com que a separação de fato também seja um dos motivos ensejadores da dissolução do regime de bens.