PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP
YARA DIWONKO BRASIL CHAVES
REGIME LEGAL DE BENS:
ESTUDO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA
MESTRADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
YARA DIWONKO BRASIL CHAVES
REGIME LEGAL DE BENS:
ESTUDO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA
MESTRADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO
SÃO PAULO
YARA DIWONKO BRASIL CHAVES
REGIME LEGAL DE BENS:
ESTUDO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenç ão do título de MESTRE em direito na subárea do direito civil comparado, sob a orientação da Professora Doutora MARIA HELENA DINIZ.
PUC/SP
SÃO PAULO
Banca Examinadora
Dedico todo meu esforço ao merecimento do orgulho de meu marido Carlos Fernando e de meu filho Carlos Henrique, luz da minha vida.
Agradeço a oportunidade de ser aceita como discípula de tão grande mestre,
MARIA HELENA DINIZ,
Resumo
O regime patrimonial escolhido para vigorar entre os cônjuges implica inúmeras consequências na administração dos bens e nas relações familiares do casal. O presente estudo tem por finalidade precípua avaliar os elementos e conjecturas econômicas, jurídicas e sociais que levaram a legislação pátria a optar pelo regime da comunhão parcial de bens como regime legal ou supletivo, aplicado às situações em que os nubentes não realizam escritura de pacto antenupcial com regime diverso do estabelecido para vigorar no casamento.
A abordagem de direito comparado, nesse caminho estreito, aparece como ferramenta necessária para a compreensão da opção legislativa. Reflexões acerca da evolução histórica do instituto e dos intensos debates promovidos na doutrina e na jurisprudência após a edição da Lei 6515, de 26 de dezembro de 1977, também auxiliam na tarefa de tornar mais efetiva a análise pretendida.
O estudo do regime patrimonial é ferramenta para a resolução de questões cada vez mais intrincadas, suscitadas pela contínua evolução do mundo negocial e por uma sociedade cada vez mais múltipla de relacionamentos, objetivos e interesses.
Abstract
The property regime chosen to apply between spouses implies several consequences in the administration of property and family relations ships. This study is primarily designed to evaluate the elements and conjecture economic, legal and social legislation that led to the country to choose the regime of partial community property as statutory or supplementary, applied to situations where the spouses do not realize deed of prenuptial agreement with arrangements other than marriage set to take effect.
The agreament of comparative law, in this narrow way, appears as a necessary tool for understanding the legislative option. Reflections on the historical evolution of the institute and the intense debates taking place in the doctrine and case law after the enactment of Law 6515 of December 26, 1977, also assist in the task of making more effective the analysis desired.
The study of property regime is a tool to solve increasingly intricate issues, raised by the continuous evolution of the world and busnises a society increasingly multiple relationships, goals and interests.
Prefácio
De todos os ramos, o direito civil é o que mais se aproxima do ser humano individualmente. Todas as relações pessoais passam pelos liames da lei civil. Do nascimento às disposições post mortem, tudo encontra regulamentação.
Dentre esse arcabouço de regras, alguns institutos são mais dispositivos, permitindo que a pessoa tenha uma maior liberdade de escolha, e outros são mais cogentes, colocando requisitos a serem observados sob pena de nulidade ou anulação do ato.
O casamento figura nessa segunda ordem. Carecedor de inúmeros rituais, imprescinde que todos sejam cumpridos e nos prazos estabelecidos para conferir validade.
A alegria que o casamento traz a vida de uma pessoa torna esse tema de direito civil especial. E, justamente, por isso fomos levados a abordá-lo.
O instituto do casamento, todavia, é por demais amplo. Poderíamos tratar da pompa nupcial, dos efeitos pessoais, das repercussões a terceiros ou de qualquer outro ponto polêmico do assunto.
Nessas linhas sobre regimes patrimoniais, serão encontrados capítulos mais voltados ao regime legal. A opção legislativa foi o objeto de análise desse trabalho. A divisão interna vem apresentada de modo a elucidar conceitos gerais de casamento e regime de bens, para depois especular o tema propriamente dito.
Vários foram os pontos de dificuldade para sua elaboração, estando entre os principais a localização de autores, principalmente de literatura comparada, para traçar paralelos com o modelo de regime de bens desenvolvido no Brasil.
Independente do resultado prático em virtude deste estudo, postulamos aqui o enorme prazer em poder nos debruçar sobre esse tema e traçar algumas considerações.
Dividimos o mesmo sentimento de CUNHA GONÇALVES ao dizer que o desenvolvimento de um pensamento prima pela “satisfação da minha constante ânsia de saber e à defesa das minhas idéias pessoais. Escrever conscienciosamente sôbre qualquer assunto é um processo de melhor o aprender.”1
Imprescindível será a contribuição da comunidade jurídica. Dessa forma, “tem-se de apontar o que se diz e está errado; e chamar-se atenção para os que, com seu gênio, descobriram, ou, com o valor das suas convicções, sustentaram a verdade.”2
1 Luis da Cunha Gonçalves. Tratado de direito civil. São Paulo: Max Limonad, vol I, t. I, p. 13.
Assim, são as questões fundamentais do regime da comunhão parcial de bens, apresentado como regime legal, o elemento central desse estudo. Alguns dos entendimentos divergentes sobre esta temática encontram-se neste trabalho, juntamente com reflexões apoiadas em doutrinas clássicas e atuais, nacionais e estrangeiras, no sentido de buscar caminhos e soluções que melhor esclareçam a temática.
YARA DIWONKO BRASIL CHAVES
ÍNDICE
Resumo……….….……….I
Abstract………...VI
Prefácio………..VII
CAPÍTULO 1 – DO CASAMENTO... 14
1. Definições de casamento... 14
2. Teorias sobre o casamento ... 17
3. Casamento civil e religioso no Brasil ... 22
4. Interesse do Estado ... 32
CAPÍTULO 2 – REGIMES DE BENS: NOÇÕES GERAIS... 38
1. Regimes existentes no sistema pátrio ... 38
1.1 Pacto antenupcial... 43
1.2 Mutabilidade de regimes... 47
1.3 Comunhão universal de bens... 52
1.4 Comunhão parcial de bens... 57
1.5 Separação de bens... 62
1.6 Participação final nos aquestos... 66
2. Efeitos pessoais do casamento ... 71
2.1 Direitos e deveres de ambos os cônjuges... 71
2.2 Igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher... 77
2.3 Direitos e deveres dos pais para com os filhos... 79
3. Capacidade para casar e escolher o regime de bens ... 82
4. Atuação do oficial de registro civil das pessoas naturais... 86
CAPÍTULO 3 – REGIME LEGAL: estudo sobre a opção legislativa... 90
1. Regime legal de bens no direito brasileiro... 93
2. Regime legal para o Código Civil de 1916... 94
3. Lei do divórcio n. 6.515/77 – artigo 50 ... 100
5. Necessidade de escritura pública... 105
6. Bens excluídos da comunhão, reservados, particulares ou incomunicáveis... 109
7. Bens comunicáveis ou aquestos... 118
8. Administração dos bens e dívidas... 121
9. Término do regime ... 125
CAPÍTULO 4 – ASPECTOS POLÊMICOS SOBRE O REGIME LEGAL... 133
1. Causas suspensivas: regime legal ou obrigatório?... 133
2. Regime legal na união estável... 139
3. Compra e venda: necessidade de vênia conjugal... 142
4. Repercussão do regime legal matrimonial de bens no direito de empresa... 145
5. Separação obrigatória para maiores de setenta anos ... 148
CAPÍTULO 5 – SUGESTÕES DE LEGE FERENDA... 153
1. Término da sociedade conjugal por união estável... 153
2. O casamento de septuagenário e a separação obrigatória de bens... 155
3. O salário como um bem comunicável... 157
4. Acessões: bens comuns ou reservados ... 158
5. Rito para união estável entre pessoas do mesmo sexo... 159
6. Repercussão da Súmula 377 do STF no Código Civil de 2002 ... 161
7. Separação absoluta: discussão do artigo 1647, do Código Civil... 162
CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS... 164
APÊNDICE... 167
1. Pacto antenupcial – comunhão universal de bens. ... 167
2. Pacto antenupcial – separação absoluta de bens. ... 169
3. Pacto antenupcial – comunhão parcial de bens. ... 171
4. Pacto antenupcial – participação final nos aquestos. ... 173
5. Requerimento para registro de pacto antenupcial... 175
6. Escritura pública de declaração de união estável. ... 177
7. Escritura pública de dissolução de união estável... 179
9. Escritura pública de inventário – casamento... 187
10. Escritura pública de declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo. 193 11. Escritura pública de reconhecimento de união estável de pessoa maior de 70 anos. 195 12. Escritura pública de venda e compra: necessidade de vênia conjugal. ... 197
13. Escritura pública de venda e compra: separação absoluta de bens... 201
14. Escritura pública de restabelecimento de sociedade conjugal... 205
CAPÍTULO 1 – DO CASAMENTO
1. Definições de casamento
“As definições de casamento têm, como se vê,
a natureza incerta e temporária de tôdas as
coisas sociais. O seu fim deve ser o de
caracterizar o seu tempo, e nada mais. Tempo
e lugar. Não há conceito a priore de
casamento, que valha para todos os tempos e
para todos os povos. Tão-pouco, em direito
comparado, os elementos comuns podem ir
além de simples alusão à instituição”.1
(PONTES DE MIRANDA)
Dentre as mais antigas definições de casamento figura a de
MODESTINO: “matrimônio é a união do homem e da mulher, implicando
igualdade de vida e comunhão de direitos divinos e humanos”.2
Igualmente famosa, a definição de ULPIANO pode ser encontrada nas
Institutas de Justiniano “nuptiae autem sine matrimonium est viri et mulieris
coniunctio individuam vitae consuetudinem continens”.3
1
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1974, t. 7, p. 209.
2
“nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio”. Digesto, Livro 23, Tít. II, fr. I, apud, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., t. 7, p. 202.
3
No direito canônico, a definição que ganhou maior destaque foi a
conferida pelo Concílio de Trento, pela qual o casamento é a “união conjugal do
homem e da mulher, que se contrata entre pessoas capazes segundo as leis, e que
se obriga a viver inseparavelmente, isto é, em perfeita união com a outra”.4
Essa definição mostra um caráter contratual do casamento. Os canonistas
reconheciam três aspectos do matrimônio: o dever de natureza ou officium
naturae, cuja finalidade é a procriação; o elemento civil, conferidor de efeitos
exteriores na sociedade civil; e o elemento religioso, composto pelo sacramento.
O casamento, dessa maneira, pode ser analisado sob esses três enfoques:
fato natural, para a perpetuação da espécie (duo in carne una); fato religioso,
com peso social e composto por diversas solenidades; fato jurídico, de acordo
com as regras de direito, formando um contrato entre as partes.
Ocorre que esse contrato de direito canônico não se confunde com aqueles
regidos pelo direito das obrigações. O casamento é um contrato-sacramento,
pois representa a União de Cristo com a humanidade e, como é indissolúvel essa
União, há de ser indissolúvel a imagem dela.5
Assim, no período em que não era admitida a dissolução do casamento,
antes de 1977, a explicação dada era de que a lei, por influência da religião,
conservava o caráter de sacramento.
No direito brasileiro, LAFAYETTE definiu: “O casamento é um ato
4
“matrimonium est viri, mulierisque maritalis coniunctio inter legitimas personas individuam vitae consuetudinem retinens”. Abbé André. Droit canonique, II, 500, apud, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., t. 7, p. 203.
5
solene pelo qual duas pessoas de sexos diferentes se unem para sempre, sob
promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”.
Caracteriza-se aí a solenidade do ato e indissolubilidade do vínculo. No
mesmo sentido BEVILÁQUA, também traz a ideia de indissolubilidade do
vínculo, “O casamento é a regulamentação social do instinto de reprodução,
trabalhada de um modo lento, através de muitas e diversíssimas vicissitudes, até
à acentuação de sua forma vigente entre os povos ocultos”.6
Entre os defensores do casamento, temos LAURENT, para o qual o
instituto é verdadeiro fundamento da sociedade, base da moralidade pública e
privada. Em GOETHE temos o casamento como a base e o coroamento de toda
cultura.
Mas também existem aqueles que o adversam. Entre os depreciadores,
encontra-se a crítica de SCHOPENHAUER, para o qual casar é perder metade
de seus direitos e, ao mesmo tempo, duplicar seus deveres. E para ALDOUS
HUXLEY ele não passa de um pacto inoportuno e obsceno.
KANT assinala que o casamento traz no amor físico sua única finalidade,
sendo a união de duas pessoas de sexos diferentes para a posse mútua, durante
toda a vida, de suas faculdades sexuais.
O casamento é, provavelmente, o instituto mais discutido de todo direito
privado. Nasce do conceito de casamento a idéia de família, pois que são
assuntos intimamente ligados.
6
Família na visão de ENNECCERUS, KIPP E WOLFF é abordada como o
um conjunto de pessoas que se encontram ligadas pelo parentesco e pelo
casamento. Assim, o casamento é, portanto, instituto formador da família.
Nosso direito não atribui personalidade jurídica à família, mas ao
contrário do Código de Napoleão, deu especial atenção ao instituto
principalmente quando no artigo 226, parágrafos 3° a 8°, da Constituição
Federal tratou de “entidade familiar”, “planejamento familiar” e “assistência
direta à família”.
Nesse sentido, o projeto de lei 674, de 2007, que dispõe sobre o estatuto
das famílias prevê em seu artigo 20, a seguinte definição de casamento: “O
casamento é civil e produz efeitos a partir do momento em que homem e mulher
manifestam a vontade de estabelecer o vínculo conjugal e a autoridade os
declara casados.”
Como se vê, a absoluta maioria das definições existentes acerca do
casamento reconhece a inabalável importância do instituto na ciência jurídica,
além de algumas importantes características diferenciadoras de sua abrangência
e de seu conteúdo frente ao direito puramente obrigacional.
2. Teorias sobre o casamento
Bastante controverso é o tema que trata sobre a natureza jurídica do
casamento. À guisa de intróito, exsurgem, na maioria dos estudos, três teorias:
As primeiras observações que motivaram o nascedouro de tais teorias são
encontradas na linha de pensamento adotada pela Igreja. Nos ensinamentos de
PONTES DE MIRANDA, “a doutrina tradicional da Igreja Católica considerou
o casamento como contrato que se eleva à dignidade de sacramento; portanto, é
doutrina do contrato sacramento”.7
VENOSA também afirma que “para o Direito Canônico, o casamento é
um sacramento e também um contrato natural, decorrente da natureza humana.
Os direitos e deveres que dele derivam estão fixados na natureza e não podem
ser alterados nem pelas partes nem pela autoridade, sendo perpétuo e
indissolúvel”.8
A teoria contratualista foi adotada pelo “racionalismo jusnaturalista do
século XVIII. Penetrou no Código Francês em 1804, seduziu a Escola Exegética
do século XIX, e sobrevive na doutrina civilista do século XX”.9 Assim, o
Cânon 1.012 “Christus Dominus ad sacramenti dignitatem evexit ipsum
contractum matrimonialem inter baptizatos”10, denota a origem dessa
concepção.
Nessa senda, considerando o casamento “em termos confessionais, a
Igreja Católica define-o como sacramento instituído por Jesus Cristo, e nesta
dignidade o trata. Como tal, dotado de indissolubilidade, passou o matrimônio
por fases diversas na doutrina canônica, de que ressalta a regulamentação
provinda do Concílio de Trento (1563), adotada e seguida no Brasil em virtude e
por força das Constituições do Arcebispado da Bahia”.11
7
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., T. 7, p. 205. 8
Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil, cit., p. 28. 9
Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 40. 10
Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 40. 11
Jamais deve-se perder de vista a origem do matrimônio. Apesar do
casamento ganhar validade com a cerimônia civil e respectivo registro em
cartório, a cerimônia religiosa ainda atrai muitos adeptos e foi precursora do
instituto.
A impossibilidade de separação e divórcio até recente data advém desse
respeito católico à união feita perante Deus. O que Deus uniu o homem não
separa. Somente após anos de discussão, o legislador, por meio da Lei n.
6.515/77, conseguiu promover formas de dissolução da união conjugal.
Dado o fato da teoria contratualista estar tão arraigada na noção do
casamento, uma parte significativa da doutrina entende o casamento como um
contrato. São adeptos dessa teoria: Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva
Pereira, Degni, Espínola, Orlando Gomes, Venzi, Paulo Lins e Silva”.12
Esse contrato, todavia, é um contrato especial, pois apesar de precisar do
acordo de vontades das partes, não se permite dispor sobre qualquer coisa por
causa das relações específicas que são criadas a partir dele.
Fica no entremeio do direito público e do direito privado, uma vez que ao
mesmo tempo que se permite aderir ou não a esse contrato, não se permite
regular sobre questões pessoais, como por exemplo guarda de futura prole.
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA preleciona que “o que se deve
entender, ao assegurar a natureza do matrimônio, é que se trata de um contrato
especial, dotado de consequências peculiares, mais profundas e extensas do que
12
as convenções de efeitos puramente econômicos, ou contrato de Direito de
Família, em razão das relações específicas por ele criadas”.13
A princípio a teoria contratualista era mais enérgica e entendia o
casamento como um contrato civil. O desenvolvimento do instituto permitiu aos
adeptos um entendimento mais flexível, ou seja, a percepção de que se trata de
um contrato cuja natureza é especial.
DEGNI pondera que “em razão de seus efeitos peculiares e das relações
específicas que cria, não se lhe aplicam os dispositivos legais dos negócios de
direito patrimonial concernentes à capacidade dos contraentes, aos vícios de
consentimento e aos efeitos, embora as normas de interpretação dos contratos de
direito privado possam ser aplicadas à relação matrimonial”.14
A segunda teoria em análise é a institucionalista. Nesta, o casamento é
visto como uma instituição na qual os nubentes poderão escolher apenas se irão
aderir ou não. As normas do casamento são de ordem pública ou cogentes, não
admitindo alteração por parte dos ingressantes.
Conforme CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA estabelece, “o
casamento é uma instituição social, no sentido de que reflete uma situação
jurídica, cujas regras e quadros se acham preestabelecidas pelo legislador, com
vistas à organização social da união dos sexos”.15
13
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil, cit., p. 58. 14
Francesco Degni. Il diritto di famiglia nel nuovo códice civile italiano. Padova: Cedam, 1943, p. 14.
15
Temos que “a teoria da instituição teve desenvolvimento na França a
partir do início do século XX”.16 Dessa maneira, é muito mais recente que a
teoria contratualista, mas também cativou grande parte da doutrina civilista,
como “CICU, HAURIOU, BONNECASE, CARBONNIER, SALVA”.17
A teoria institucional também é conhecida por “supra-individualista, que
vislumbra no casamento um estado, o estado matrimonial, em que os nubentes
ingressam”.18
Assim, “o casamento constitui uma grande instituição social, a qual, de
fato, nasce da vontade dos contraentes, mas que, da imutável autoridade da lei
recebe sua forma, suas normas e seus efeitos”.19
A terceira teoria, como não poderia deixar de ser, é uma mistura das
primeiras duas. A chamada teoria eclética ou mista foi proposta por ROUAST
onde que entendia o matrimônio como ato complexo, sendo ao mesmo tempo
contrato e instituição. Na verdade, o casamento é mais do que um contrato, sem
deixar de ser contrato também.20
Na teoria eclética há verdadeira união entre a vontade das partes
(elemento volitivo) e as normas cogentes do casamento (elemento institucional).
Diferencia-se da teoria institucional na medida em que confere maior liberdade
aos nubentes, ao permitir, por exemplo, inserção de vontades sobre o modo de
administração de seu patrimônio.
16
Augusto César Belluscio. Manual de derecho de família. Buenos Aires: Depalma, vol. 2, 1987, p. 145.
17
Conforme classificação de Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 41. 18
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p. 23. 19
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p. 23. 20
O casamento é apreciado nessa medida de uma forma bipartida, pois visto
como casamento fonte quando é ato gerador de uma situação jurídica, devido a
sua inegável natureza contratual e entendido como casamento-estado quando
atua como complexo de normas que regulam os cônjuges no curso da união,
predominando o caráter institucional.21
3. Casamento civil e religioso no Brasil
O casamento sempre foi um instituto rodeado de simbolismos, sendo um
dos principais herdados do direito romano e do direito canônico. Contudo,
observa-se que a laicização do Estado trouxe para seu arcabouço de regulações
as diretrizes do casamento.
Dessa maneira, como bem esclarece MARIA HELENA DINIZ, “em 19
de julho de 1858, Diogo de Vasconcelos, Ministro da Justiça, apresentou um
projeto de lei, com o objetivo de estabelecer que os casamentos entre pessoas
não-católicas fossem realizados de conformidade com as prescrições de sua
respectiva religião. Esse projeto, em 1861, transformou-se na Lei n. 1.144,
regulamentada pelo Decreto de 17 de abril de 1863, dando um grande impulso à
instituição do casamento civil. Praticavam-se, então, três tipos de ato nupcial: o
católico, celebrado segundo as normas do Concílio de Trento, de 1563, e das
Constituições do Arcebispado baiano; o misto, entre católico e acatólico, sob a
égide do direito canônico; e o acatólico, que unia pessoas de seitas dissidentes,
de conformidade com os preceitos das respectivas crenças”.22
21
Mazeaud et Mazeaud. Leçons de droit civil. Paris: Montchrestien, 1980, vol. I, p. 711. 22
O Decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890, criou o casamento civil.23 A
ligação eclesiástica do Brasil, foi quase tão forte quanto àquela exercida por
nossos colonizadores. Após o advento da República, o casamento passou às
mãos do Estado. Antes do Decreto n. 181, os casamentos e respectivos registros
eram realizados apenas pela Igreja, mas em consonância com as ordens do
Império.
23
Decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890
“CAPITULO I - DAS FORMALIDADES PRELIMINARES DO CASAMENTO
Art. 1º As pessoas, que pretenderem casar-se, devem habilitar-se perante o official do registro civil, exhibindo os seguintes documentos em fórma, que lhes deem fé publica:
§ 1º A certidão da idade de cada um dos contrahentes, ou prova que a suppra.
§ 2º A declaração do estado e da residencia de cada um delles, assim como a do estado e residencia de seus paes, ou do logar em que morreram, si forem fallecidos, ou a declaração do motivo por que não são conhecidos os mesmos paes, ou o seu estado e residencia, ou o logar do seu fallecimento.
§ 3º A autorização das pessoas, de cujo consentimento dependerem os contrahentes para casar-se, si forem menores ou interdictos.
§ 4º A declaração de duas testemunhas, maiores, parentes ou estranhos, que attestem conhecer ambos os contrahentes, e que não são parentes em gráo prohibido nem teem outro impedimento, conhecido, que os inhiba de casar-se um com o outro.
§ 5º A certidão de obito do conjuge fallecido, ou da annullação do anterior casamento, si algum dos nubentes o houver contrahido.
Art. 2º A' vista dos documentos exigidos no artigo antecedente, exhibidos pelos contrahentes, ou por seus procuradores, ou representantes legaes, o official do registro redigirá um acto resumido em fórma de edital, que será por elle publicado duas vezes, com o intervallo de sete dias de uma á outra, e affixado em logar ostensivo no edificio da repartição do registro, desde a primeira publicação até ao quinto dia depois da segunda.
Art. 3º Si, decorrido este prazo, não tiver apparecido quem se opponha ao casamento dos contrahentes e não lhe constar algum dos impedimentos que elle pode declarar ex-officio, o official do registro certificará ás partes que estão habilitadas para casar-se dentro dos dous mezes seguintes áquelle prazo.
Art. 4º Si os contrahentes residirem em diversas circumscripções do registro civil, uma cópia do edital será remettida ao official do outro districto, que deverá publical-a e affixal-a na fórma do art. 2º, e, findo o prazo, certificar si foi ou não posto impedimento.
Art. 5º Si algum dos contrahentes houver residido a mór parte do ultimo anno em outro Estado, deverá provar que sahiu delle sem impedimento para casar-se ou, si tinha impedimento, que este já cessou.
O Decreto de 3 de novembro de 1827 descreve perfeitamente o sentido do
casamento como um sacramento dominado pela Igreja, de acordo com o
Concílio Tridentino e com o Arcebispado baiano.24
No Decreto de 1890, depreende-se pelo artigo 108 que não era mais
atribuído qualquer valor jurídico ao matrimônio religioso.25 Uma circular do
Ministério da Justiça, de 11 de junho de 1890, chegou até a determinar que
“nenhuma solenidade religiosa, ainda que sob a forma de sacramento do
matrimônio, celebrada nos Estados Unidos do Brasil, constituiria, perante a lei
civil, vínculo conjugal ou impedimento para livremente casarem com outra
pessoa os que houverem daquela data em diante recebido esse ou outro
sacramento, enquanto não fosse celebrado o casamento civil”.26
24
DECRETO – DE 3 DE NOVEMBRO DE 1827.
“Declara em effectiva observancia as disposições do Concílio Tridentino e da Constituição do Arcebispado da Bahia sobre matrimonio.
Havendo a Assembléia Geral Legislativa resolvido, artigo unico, que as disposições do Concilio Tridentino na sessão 24, capitulo 1o. de “Reformatione Matrimonii”, e da Constituição do Arcebispado da Bahia, no livro 1o. título 68 §291, ficam em effectiva observancia em todos os Bispados, e freguesias do Imperio, procedendo os Parochos respectivos a receber em face da Igreja os noivos, quando lh’o requererem, sendo do mesmo Bispado, e ao menos um delles seu parochiano, e não havendo entre elles impedimento depois de feitas as denunciações canônicas, sem para isso ser necessária licença dos Bispos, ou de seus delegados praticando o Parocho as diligencias precisas recommendadas no §269 e seguintes da mesma Constituição, o que fará gratuitamente: E tendo eu sanccionado esta resolução, Hei por bem ordenar que assim se cumpra. A Mesa da Consciencia e Ordens o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em 3 de Novembro de 1827, 6o. da Independencia e do Imperio.
Com a rubrica de Sua Magestade Imperial. Conde de Valença.”
25
Decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890, artigo 108 – “Esta lei começará a ter execução desde o dia 24 de maio de 1890, e desta data por deante só serão considerados válidos os casamentos celebrados no Brazil, si o forem de accordo com as suas disposições.
Paragrapho unico. Fica, em todo caso, salvo aos contrahentes observar, antes ou depois do casamento civil, as formalidades e ceremonias prescriptas para celebração do matrimonio pela religião delles.”
26
O Dec. n. 521, de 26-6-1890, ora revogado pelo Decreto n. 11, de
1º-1-1991 estatuiu a precedência do casamento civil, punindo com 6 meses de prisão
e multa correspondente à metade do tempo o ministro de qualquer religião que
celebrasse cerimônia religiosa antes do ato nupcial civil. 27
De outro lado, havia um ranço de obediência religiosa que ora ou outra se
manifestava nos textos legais. Os artigos 27 e 2828, do Decreto n. 181, são prova
de que o Estado conservou ao casamento um pouco de seu caráter sacramental.
O casamento civil, em certo momento da história, foi considerado como
ponto de oposição à Igreja. Evidentemente errado esse posicionamento. O
casamento civil não é anticristão, uma vez que o Estado tem o dever de zelar por
tudo que acontece dentro de suas fronteiras.
O Decreto de 1890, contudo, foi substituído pela Lei n. 3071, de 1º de
janeiro de 1916. As disposições permaneceram basicamente as mesmas, todavia,
as pequenas alterações realizadas acabaram por fazer falta. Dentre outras
mudanças, foi suprimida a formalidade recomendável da leitura dos
impedimentos. Tal alteração foi repetida no Código Civil atual. Dessa forma,
hoje há necessidade apenas da proclamação da fórmula contida no artigo 153529
após a aceitação dos nubentes.
27
Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 52. 28
Decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890. Art. 27. A formula é a seguinte para a mulher: «Eu F. recebo a vós F. por meu legitimo marido, enquanto vivermos.» E para o homem: «Eu F. recebo a vós F. por minha legitima mulher, enquanto vivermos.» Art. 28. Repetida a formula pelo segundo contrahente, o presidente dirá de pé: «E eu F., como juiz (tal ou tal), vos reconheço e declaro legitimamente casados, desde este momento.»
29
O ato do casamento é negócio jurídico formal e, sendo assim, todas as
solenidades que o compõem são parte da substância do ato - ad substantiam
actus.
Muitos afirmam que a finalidade primeira do casamento é a procriação.
Por vezes esta visão do instituto ligado fundamentalmente à reprodução da
espécie deve ceder espaço a interpretações analíticas, observando o casamento
como instituto jurídico de fim determinado e que deve pretender conjugar os
anseios humanos e sociais às descrições jurídicas.
Nessa seara se encaixa o casamento in extremis vitae momentis, traduzido
para o direito atual por meio do casamento em caso de moléstia grave30 e do
casamento nuncupativo31. Estas são, quase sempre, formas de casamento
humanístico e por isso o legislador dispensou algumas formalidades.
Havendo risco, o casamento legal, muito provavelmente, não encerrará a
vida em comum esperada, não atingindo os efeitos civis previstos para o
instituto.
Os requisitos para a constituição do casamento garantem o controle do
Estado sobre as uniões entre os particulares. Essa intervenção torna-se
necessária na medida em que impede, por exemplo, casamentos espúrios entre
parentes. Na verdade, as formalidades visam evitar o nascimento de
30
“Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever”.
31
descendentes com algum tipo de problema genético.
A preocupação de eugenia antes de ser pensada pelo Estado foi encargo
da Igreja, que entendia os casamentos entre parentes como imorais e contra as
leis de Deus.
A secularização do casamento foi estanque. A Constituição de 1891,
artigo 72, § 4º, estatuía: “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 4º - A República
só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.32
Não havia mais espaço para o casamento religioso, o Estado era laico e só
os casamentos civis possuíam validade. O Código Civil de 1916, seguindo a
orientação da Constituição de 1891, não fez qualquer referência ao casamento
religioso. Outrossim, a união ocorrida por meio exclusivamente religioso não
era legal e por isso configurava concubinato.
A mudança surgiu na Constituição de 1934 que passou a permitir o
casamento religioso com efeitos civis, desde que preenchidos certos requisitos
ditados pela lei. Resolvia o artigo 146: “ O casamento será civil e gratuita a sua
celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo
rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os
mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na
habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da
oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no
Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá
penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do
32
casamento”.
A Lei n. 379, de 16 de janeiro de 1937, foi criada pela mesma força
libertadora que impelia o casamento religioso para a proteção civil. Não
obstante o esclarecimento do artigo 146 supracitado, o legislador trouxe a lume
um apanhado de regras para validar o casamento religioso, sendo muitas sem
razão de existência.
É certo que no ínterim de 1934 (data da constituição) até 1937 (data da lei
ordinária), os casamentos celebrados por ministros religiosos em conformidade
com a Magna Carta foram considerados atos perfeitos e válidos.
O nascimento da referida lei apoiou-se em uma insegurança de atribuir
valor ao casamento realizado apenas pela forma religiosa, como um resquício de
consciência do período anterior de controle exclusivamente eclesiástico. Essa
situação perdurou até a Constituição de 1946.
Em 1937, a nova Lei Máxima delegou a regulamentação do casamento à
legislação ordinária, conforme se depreende do artigo 124: “A família,
constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.
Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus
encargos”.33
A Constituição de 1946 voltou a regular em seu bojo o casamento civil.
Promoveu também grande avanço ao permitir que o casamento religioso,
celebrado sem as formalidades da lei, adquirisse efeitos civis.
A redação do artigo 163, da Consituição Federal de 1946, estabelece “a
33
família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à
proteção especial do Estado. § 1º - O casamento será civil, e gratuita a sua
celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os
impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer
interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público. § 2º - O
casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos
civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público, mediante
prévia habilitação perante a autoridade competente”.34
A Lei n. 1.110, de 23 de maio de 1950, derrogou o Decreto-lei n. 3.200,
de 19 de abril de 1941 e ab-rogou a Lei n. 379, de 16 de janeiro de 1937. Ficou
por conta dessa legislação ordinária a regulamentação do casamento religioso
com efeitos civis proposto pela Constituição de 1946.
A evolução legislativa e a segurança adquirida pelo Estado com a
experiência da Lei n. 379 permitiu que a Lei n. 1.110 fosse mais consentânea
com os requisitos de exigência para validação do casamento religioso.
Ao largo de todas as modificações políticas que ocorriam, a Lei Maior de
1967 manteve o texto no tocante ao casamento, conforme segue: “Art. 167 - A
família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos. § 1º - O casamento é indissolúvel. § 2º - O casamento será civil e
gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se,
observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o
celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro
Público. § 3º - O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo
terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público
34
mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”.35
O período histórico permanecia crítico. As alterações de governo e as
restrições às liberdades dos cidadãos se faziam cada vez mais presentes. Nesse
contexto conturbado, a Constituição de 1969, em seu artigo 175, manteve os
preceitos relativos à criação da família.36
Por fim a atual Constituição, de 05 de outubro de 1988, trouxe conteúdo
muito mais abrangente. Reza em seus artigos não só a possibilidade de
casamento civil, como também manteve o casamento religioso com efeito civil,
conferiu proteção à união estável e à entidade familiar.37
A posição do Estado frente ao que prega a Constituição de 1988 é de uma
abertura sem precedentes. Nunca foram admitidas tantas formas de união legal
protegidas pelo Estado como nesse momento. Caiu por terra a finalidade de
procriação, havendo um manejo para as relações afetivas e econômicas.
A proteção civil ainda impede a eugenia e ressalva o patrimônio dos
nubentes. Porém, nada além da simples vontade de ficar ao lado de outra pessoa
35
C.F. 1967, art. 167, §§. 36
Constituição Federal de 1969 artigo 175 – “A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Podêres Públicos. § 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9. de 1977). § 2º O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e prescrições da lei, o ato fôr inscrito no registro público, a requerimento do celebrante ou de qualquer interessado. § 3º O casamento religioso celebrado sem as formalidades do parágrafo anterior terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, fôr inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”.
37
vem a justificar o casamento.
A legislação registrária, em falta de normatização específica do Código
Civil de 1916, restou a cargo da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que
disciplinou por meio dos artigos 71 a 75, o registro de casamento religioso com
efeitos civis.38
Hoje, todavia, o Código Civil de 2002 supriu essa omissão com os artigos
151539 e 151640 cuja redação está completamente alinhada à Lei Maior de 1988.
38
CAPÍTULO VII - Do Registro do Casamento Religioso para Efeitos Civis
Art. 71. Os nubentes habilitados para o casamento poderão pedir ao oficial que lhe forneça a respectiva certidão, para se casarem perante autoridade ou ministro religioso, nela mencionando o prazo legal de validade da habilitação.
Art. 72. O termo ou assento do casamento religioso, subscrito pela autoridade ou ministro que o celebrar, pelos nubentes e por duas testemunhas, conterá os requisitos do artigo 71, exceto o 5°.
Art. 73. No prazo de trinta dias a contar da realização, o celebrante ou qualquer interessado poderá, apresentando o assento ou termo do casamento religioso, requerer-lhe o registro ao oficial do cartório que expediu a certidão.
§ 1º O assento ou termo conterá a data da celebração, o lugar, o culto religioso, o nome do celebrante, sua qualidade, o cartório que expediu a habilitação, sua data, os nomes, profissões, residências, nacionalidades das testemunhas que o assinarem e os nomes dos contraentes.
§ 2º Anotada a entrada do requerimento o oficial fará o registro no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
§ 3º A autoridade ou ministro celebrante arquivará a certidão de habilitação que lhe foi apresentada, devendo, nela, anotar a data da celebração do casamento.
Art. 74. O casamento religioso, celebrado sem a prévia habilitação, perante o oficial de registro público, poderá ser registrado desde que apresentados pelos nubentes, com o requerimento de registro, a prova do ato religioso e os documentos exigidos pelo Código Civil, suprindo eles eventual falta de requisitos nos termos da celebração.
Parágrafo único. Processada a habilitação com a publicação dos editais e certificada a inexistência de impedimentos, o oficial fará o registro do casamento religioso, de acordo com a prova do ato e os dados constantes do processo, observado o disposto no artigo 70.
Art. 75. O registro produzirá efeitos jurídicos a contar da celebração do casamento. 39
“Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.”
40
“Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
4. Interesse do Estado
Variadas são as vertentes para a compreensão do inegável interesse do
Estado na constituição regular da família por meio do casamento. Outrora já se
asseverou que “a finalidade da legislação estatal, em material de direito de
família, como a finalidade de legislações confessionais sôbre família, é regular e
proteger a vida do par andrógino, assegurar a procriação dentro da legalidade,
fixar o que é parentesco “jurídico”, necessariamente menor que o parentesco
“biológico”, mas, em alguns pontos, excedente (afinidade, adoção), e proteger
os menores e os incapazes”.41
Num prisma inicial, o interesse do Estado pelo instituto do casamento
pode ser interpretado como a necessidade de “regulamentação social do instituto
de reprodução”.42 Mas o casamento, todavia, não é a única forma de união.
Relações sexuais eventuais podem vir a constituir a família que, no sentido lato,
significa grupo de parentes entre os quais exista relações consanguíneas, de
afinidade e de direito. A união do casamento é a que se encontra tutelada em
suas circunstâncias e efeitos pelo Estado, conforme certas normas e
formalidades estabelecidas pelo ordenamento jurídico pátrio.
A copula carnalis tem mais repercussão nos dias atuais em relação ao
início e o fim do casamento, à nulidade por impotência, à afinidade e aos
de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
§ 2o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.
§ 3o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil”40
41
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., t. 7, p. 194. 42
direitos e deveres dos cônjuges. O sacramento do instituto do casamento
aproximou o caráter natural em detrimento do sentido técnico, dado pelas leis.
Em verdade, o Estado reforça o instituto do casamento pois tem interesse
na formação e mantença da família. Vê-se que “CÍCERO apelidou-a de
seminarium reipublicae. Efetivamente, onde e quando a família se mostrou
forte, aí floresceu o Estado; onde e quando se revelou frágil, aí começou a
decadência geral”.43
No mesmo sentido, “a encíclica casti connubii, ao afirmar que a salvação
do Estado e a prosperidade da vida temporal dos cidadãos não podem
permanecer em segurança onde quer que vacile a base sobre a qual se apóiam e
de onde procede a sociedade, isto é, a família. A referida encíclica , expedida
por Pio XI a 30 de dezembro de 1930, teve em mira os erros e atentados contra o
casamento, visando por isso reintegrá-lo no plano divino”.44
A proteção à família é necessidade da própria mantença do Estado e no
direito pátrio hodierno encontra no artigo 226 da Constituição disciplina
específica. Assim, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado”.45 Nos parágrafos 7o e 8o46, referido artigo estabelece formas
43
Pietro Cogliolo. Scritti varii di diritto privato. Torino: Union Tipográfico-Editrice Torinese, 1917, vol. 2, p.71.
44 Enciclopédia cattolica, voc.
Casti connubii, apud, Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p.2.
45
C.F. 1988, art. 226, caput. 46
“C.F. 1988, art. 226 – (...)
§7o. - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
garantidoras à estrutura familiar de forma a procurar impedir qualquer ato
contrário a ela.
A Constituição de 88, bem como a novel legislação civil, demonstrou
tamabém preocupação com a união estável, eregida ao patamar da família e
portanto merecedora de especial proteção estatal, conforme se extrai da redação
do § 3º, que estabelece: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”.47
O Código Civil tem previsto no artigo 1513 a impossibilidade de qualquer
interferência externa na comunhão da família. De acordo com o artigo em
análise “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na
comunhão de vida instituída pela família”.48 Tais preceitos, de caráter
essencialmente protetivos, denotam o interesse em proteger as relações.
A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, regulou o §7° do artigo 226 da
Constituição Federal de 1988 tratando sobre o planejamento familiar. Explica a
referida lei que “o planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações
de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de
atendimento global e integral à saúde”.49
Cabe ao Estado a obrigação de dar condições aos cidadãos de
promoverem seu planejamento familiar. Assim, “é dever do Estado, através do
Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias
componentes do sistema educacional, promover condições e recursos
47
C.F. 1988, art 226, §3o. 48
Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1513. 49
informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre
exercício do poder familiar”.50
Dessa maneira, a família, seja no conceito clássico de homem, mulher e
filhos, seja monoparental, qualquer dos pais e seus descendentes, ou na união
estável, todas as formas gozam de especial proteção do Estado.
Conforme observa BARROS MONTEIRO, “na evolução do direito de
família verifica-se que, além de ser havida como célula básica da sociedade,
presentes os interesses do Estado, a família passou a ser tratada como centro de
preservação do ser humano, com a devida tutela à dignidade nas relações
familiares”.51
O Estado, contudo, embora tenha muito interesse em regular e manter a
família, só intervém em seu núcleo quando obrigado. Via de regra espera ser
chamado para se manifestar e ainda assim dá oportunidade aos litigantes de se
conciliarem de forma bastante ampla e livre.
A necessidade de regulamentação, apesar disso, é premente. Dessa forma,
há vários institutos de proteção à família em nosso ordenamento. O Código Civil
brasileiro dedicou um livro inteiro às relações dos direitos da família, além de
várias leis esparsas sobre o assunto.
Citemos também a título exemplificativo a Previdência Social descrita no
artigo 201, V, da Carta Magna; a impenhorabilidade do bem de família prevista
no artigo 5°, XXVI, da Constituição Federal; a própria lei do bem de família n.
8.009 de 29 de março de 1990; a lei de locação n. 8.245 de 18 de outubro de
50
Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, artigo 5°. 51
1991, que permite a continuidade no bem quando utilizado para fins
residenciais.
A família é considerada a base da sociedade porque é para ela que se
pensa o direito. Além da sua descrição jurídica no direito de família, todos os
demais ramos do direito civil perderiam função se não fosse a pessoa, inserida
em algum núcleo familiar ou social.
Pensemos o direito das sucessões, a parte geral, o direito das obrigações, o
direito de empresa e o direito das coisas, bem como os demais ramos do direito
penal, processual, fiscal, eleitoral, entre outros. Todos perderiam completamente
o seu objeto secundário, não fosse pela existência de seu objeto primeiro: a
pessoa humana.
O interesse do Estado no casamento é evidenciado de forma
sistematizada. Atente-se para o fato de que o reconhecimento da existência da
união estável como circunstância que necessita de proteção e regulamentação
estatal tem, como um de seus alicerces, a possibilidade de facilitação da
conversão de tais uniões em casamento, constituindo-se como um de seus
precípuos objetivos.
Em âmbito sucessório, o legislador civil claramente privilegiou aqueles
que resolveram realizar suas uniões mediante instituto próprio escolhido pelo
Estado. Dessa forma, observa-se que o companheiro não figura na ordem da
vocação hereditária descrita no artigo 1829 do código civil. Apenas o casado
concorrerá com descendentes, ascendentes ou herdará sozinho o monte deixado
pelo morto em caso de inexistência dos primeiros. Enquanto isso, o
companheiro figurará como mero sucessor regular, participando da sucessão
e eventualmente concorrendo na forma do artigo 1790 e respectivos incisos do
código civil.
Atente-se, ainda, para o fato de que somente o cônjuge é considerado
herdeiro necessário sendo a ele garantida a legítima e não podendo ser
totalmente excluído da herança por meio de testamento. Tais medidas não
apenas denotam a clara preferência dada ao casamento, como também
constituem verdadeiro incentivo estatal à realização de uniões regularmente
constituídas.
CAPÍTULO 2 – REGIMES DE BENS: NOÇÕES GERAIS
“Sin embargo, el legislador, no podía dejar a
los contratantes sin ninguna dirección; no
debía imponerles una improvisación que
correría el riesgo de ser peligrosa; le
correspondía facilitársela por la necessidad
misma de ahorrarles esa dificultad,
haciéndoles que se beneficiasen de la
experiencia acumulada por los siglos. Por eso
ha organizado “regímenes tipos” de los
cuales cada uno constituye en cierto modo um
contrato de matrimonio terminado, que los
esposos tienen la comodidad de apropiarse,
declarando que adoptan determinado
régimen, que se casan bajo determinado
regimen”.52
(LOUIS JOSSERAND)
1. Regimes existentes no sistema pátrio
A união promovida pelo casamento traz em sua face externa a
convivência entre o homem e a mulher no intuito de procriarem e terem uma
vida em comum (efeitos pessoais). Intrinsecamente, todavia, o labor habitual
promove a acumulação de riquezas. A promoção do auxílio material entre os
cônjuges também é uma forma de união, mais propriamente, na medida da
percepção de bens realizada por cada um, a família é mantida (efeitos
52
patrimoniais).
O reflexo patrimonial deve ser convencionado antes mesmo do
casamento. É certo que durante o casamento a família estará mais envolvida no
sustento e na guarda de cada um dos seus membros. Porém, existindo eventual
desgaste culminando na separação, divórcio ou em caso de morte de um dos
cônjuges, o regime de bens escolhido a princípio faz valer suas regras
determinando o destino dos bens móveis e imóveis.
Na terra das emoções, o regime de bens é a razão, convencionado pelas
partes ou imposto pela lei, que supre maiores raciocínios em momentos
delicados do desatino humano.
Doutrinariamente, regime de bens, nas lições de SILVIO DE SALVO
VENOSA53, “constitui a modalidade de sistema jurídico que rege as relações
patrimoniais derivadas do casamento”; para WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO54, “é o complexo de normas que disciplinam as relações
econômicas entre marido e mulher, durante o casamento”; MARIA HELENA
DINIZ55 conceitua como “conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses
econômicos resultantes do casamento”; PONTES DE MIRANDA56 escreve que
“regime de bens é o conjunto de regras, mais ou menos orgânico, que estabelece
para certos bens, ou para os bens subjetivamente caracterizados, sistema de
destinação e de efeitos”; CLÓVIS BEVILÁQUA57, “conjunto dos princípios
jurídicos, que regulam as relações econômicas dos cônjuges”; CARVALHO
53
Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, cit., p. 338. 54
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, cit., p. 183. 55
Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 152. 56
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., p. 207. 57