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Atualmente, a vila de Matarandiba localiza-se em terras pertencentes à uma empresa mineradora multinacional. Os limites das terras de propriedade da empresa a torna “protegida”, de um lado, pelo mar e, do outro, por uma cer- ca que se abre em um portão com uma pequena guarita, sob vigilância da indústria das 6h às 18h. Alguém que passe pela estrada estadual que corta a Ilha de Itaparica longitudinalmente não imagina que atrás do portão existe uma pequena vila pesqueira. Homônima à ilha onde está localizada, a vila ocupa uma pequena faixa costeira do território, sendo rodeada por mangue- zais e formando um pequeno embaiamento que tem nos outros limites as localidades circunvizinhas de Cações, Mutá e Pirajuía.

Matarandiba apresenta condições de vida precárias com relação aos indi- cadores de educação,7 saúde e, principalmente, habitação. O déficit habitacio- nal tem resultado no avanço de construções sobre áreas de proteção ambien- tal, a exemplo dos manguezais, rios e fontes. A vila apresenta deficiências ambientais e econômicas e, em consequência, elevados índices de pobreza. (FRANÇA FILHO; RIGO; LEAL, 2011) O mapeamento da produção e consumo local realizado em 20088 identifica a presença de 134 famílias e 479 pessoas. A renda per capita mensal é de R$ 167,75, e a renda familiar é de R$ 590,48.

Um lugar desenvolvido? Aqui não é desenvolvido. Para ser desenvolvido tem que ter uma fábrica seja de que for, pra dar emprego aos pessoal daqui. Todo mundo traba- lhou um pouco na firma [empresa mineradora] e depois foi colocado pra fora e não teve mais oportunidade de trabalhar, se tivesse uma fábrica dava emprego a todo mundo. Até eu mesmo ia trabalhar, se minha idade permitisse. (Morador local, ho- mem, 57 anos)

7 No que se refere à educação, a comunidade conta apenas com duas escolas voltadas para o ensino fundamental. A vila apresenta baixo índice de analfabetismo, 14% dos moradores têm o segundo grau completo e 0,9% tem curso superior completo, mas apresenta uma média de poucos anos de estudo. (ECOSMAR, 2008)

8 O Mapeamento foi realizado em 2008 pelo Projeto de Economia Sustentável e Solidária de Matarandiba (ECOSMAR), através da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Desenvolvimento Territorial (ITES) da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Do ponto de vista econômico, a mariscagem e a pesca configuram as principais atividades produtivas, embora sejam exercidas por uma pequena parcela da população. A pesca em Matarandiba é artesanal e ocorre, na maio- ria dos casos, através da utilização das redes de espera colocadas em volta dos pesqueiros localizados nas coroas bem próximas à costa.

As técnicas artesanais utilizadas na pesca apresentam percalços natu- rais, gerando, assim, limitações econômicas para o pescador, o que incide diretamente nas dificuldades de manutenção dos equipamentos utilizados, como as redes e panos usados da vela. A falta de políticas públicas para as comunidades pesqueiras, além da inexistência de uma colônia de pesca ou associação de pescadores e marisqueiras na própria localidade, dificulta o desenvolvimento dessa atividade econômica.9

O transporte do pescado é feito de maneira precária, não sendo armaze- nado e condicionado de maneira correta. Como ressalta uma moradora de 72 anos, “Hoje em dia aqui não tem mais esses negócio de gelar o peixe, o pes- soal vende aqui mesmo, e muitos que pegam e às vezes levam pra Salvador vão aqui no ônibus, pegam o ferry-boat e vão vender em Salvador”. Alguns pescadores costumam sair de madrugada para vender o peixe e o marisco na Feira de São Joaquim em Salvador.

Além dos problemas mencionados, há também a questão da falta de em- barcações, redes, dentre outros aparatos técnicos. Nem todos os pescadores dispõem de barcos ou canoas; muitos dependem de alguém que empreste e geralmente esse empréstimo lhe custa o “quião” 10 para o dono da canoa: des- ta forma, o que sobra ao pescador não é suficiente para venda. Em algumas localidades, essas dificuldades têm levado o pescador a recorrer à pesca com bomba como forma de sobrevivência.

Apesar do crescimento populacional dos últimos anos, o ir e vir nas ruas de Matarandiba ainda guarda o sabor dos tempos antigos, fortemente marca- do pela dinâmica da pesca e da mariscagem. A movimentação das mercearias

9 Os pescadores e marisqueiras da vila estão associados à Colônia de Pesca da localidade de Baiacu. Vale ressaltar que o peixe e o marisco não são o principal ingrediente da dieta dos moradores o que dificulta sua venda. Geralmente, os pescadores vendem e compram produ- tos mais baratos e de valor nutricional mais baixo, a exemplo dos “embutidos”.

10 O “quião” é parte do pescado oferecido ao do dono da embarcação, essa quantidade sofre variações a depender da quantidade que se pesca.

e vendas, o carro do pão, crianças que vendem quitutes no final da tarde ou que brincam no parque no horário alternativo da escola, as rodas de conver- sa na praça, os idosos sentados na porta, os homens que bebem no fim da tarde. É frequente a movimentação no porto durante o dia, onde alguns ido- sos costumam sentar no banco próximo ao cais, juntamente com os pescado- res. À noite existe uma movimentação maior de jovens e crianças no porto, onde também se encontra uma pequena praça com bancos e brinquedos. Além desse espaço que é bem característico dos pescadores já aposentados, há também o bar de Elenor, popularmente conhecido como “sindicato” (ge- ralmente apresenta grande movimentação durante o dia, mas é no final da tarde que os homens costumam frequentar). Alguns jogam partidas intermi- náveis de dominó e consomem bebidas destiladas; os mais jovens ficam ao redor também fazendo uso de bebidas alcoólicas.

As práticas religiosas exercem grande influência na rotina da vila, parti- cularmente no período da noite, quando estas constituem uma das princi- pais atividades das pessoas. Seja na Igreja Católica, nos dias de oração, terço dos homens ou missa, ou nas Igrejas Evangélicas, onde são realizadas os cultos, estas são visivelmente parte das atividades noturnas.

A concorrência religiosa é muito presente na comunidade. Apesar do pe- queno número de habitantes, em Matarandiba encontram-se seis templos religiosos (um católico, quatro evangélicos neopentecostais e um pequeno terreiro de umbanda).11 A presença de várias Igrejas Pentecostais torna possí- vel a existência de comunidades bem restritas, com poucos fiéis. O único ter- reiro de umbanda foi fundado há mais de 40 anos por Mãe Célia, que sempre enfatiza nas suas conversas que, apesar de não ter nascido em Matarandiba, foi adotada pelas pessoas da vila. Sua permanência na localidade se deu em razão de ter “recebido o marujo” na Festa de São Gonçalo, sendo o início de sua trajetória religiosa. Atualmente, no terreiro, são realizadas poucas atividades, por conta da idade avançada da sacerdotisa e, principalmente,

11 É importante ressaltar que algumas igrejas têm um número bem reduzido de fiéis. O maior templo religioso da vila é evangélico, concentrando o maior número de fiéis. O templo foi fundado pelo pastor Ermoginho, na década de 1990, em um terreno doado pela empresa mineradora.

por não haver uma linha sucessória.12 Nesse contexto, a principal atividade ainda em andamento é o presente para Iemanjá feito pelos pescadores e que ocorre em janeiro.

A Capela de Matarandiba foi fundada, provavelmente, no final da década de 1910. No Livro de Batistério de Santo Amaro de Catu (hoje conhecida por Jiribatuba), a Casa de Oração de Matarandiba aparece pela primeira vez em 1918, originando a atual capela. Até os dias atuais, a Capela ainda está ligada à comunidade de Jiribatuba. Apesar de não haver um padre na localidade, a Capela consegue reunir um número significante de fiéis. É possível também afirmar que houve um aumento do público masculino com a fundação do terço dos homens há alguns anos.

economia solidária e tradição festiva na reinvenção