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CHARLES SANDERS PEIRCE & SUA CONJECTURA AO ENIGMA “Erigir um edifício filosófico que sobreviverá às

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA SÃO PAULO 2008 (páginas 152-155)

vicissitudes do tempo, meu cuidado deve ser não tanto colocar cada tijolo com o mais precisamente possível quanto construir fundações fundas e sólidas”. Peirce. “Uma Conjectura ao Enigma” (1887-88) em EP 2, 246, § 2.1

Segundo Houser & Kloesel, em sua resposta ao enigma proposto por Emerson no poema The Sphynx (1841; 1867; “A Esfinge”), Peirce dá início à construção de sua admirável “arquitetônica”:2

‘Uma Conjetura ao Enigma’ talvez seja a maior e mais original contribuição à filosofia especulativa, e marca sua guinada deliberada para o pensamento arquitetônico. Suas três categorias, que ele estuda, são isomórficas com os três elementos que estão ativos no universo (acaso, lei, e aquisição de hábito), servem como estrutura para organizar os ramos da filosofia e da ciência, e fica claro que ele antecipa uma completa reorganização do conhecimento humano ao redor de sua tríade de concepções universais; pois, como ele mesmo escreveu, em uma página de abertura diferente, “este livro, se alguma vez escrito, como em breve será se eu puder fazê-lo, será um dos acontecimentos de nossa época.”

1 O restande do parágrafo reza: “Aristóteles construiu sobre alguns poucos conceitos deliberadamente

escolhidos – tais como matéria e forma, ato e potência – muito amplos e, em seu esboço, vagos e tacanhos, mas sólidos, inabaláveis, e não facilmente solapáveis; e daí o que aconteceu é que o aristotelismo é balbuciado em cada berçário a ponto do “English Common-Sense”, por exemplo, ser totalmente peripatético e, do mais comum dos homens viverem tão completamente dentro da casa do estagirita que o que quer que vejam pelas janelas parece-lhes incompreensível e metafísico. Há muito que está mais do que claro que, embora estejamos credulamente habituados a ele, a velha estrutura não servirá para as necessidades modernas; e analogamente, sob Descartes, Hobbes, Kant e outros, reparos, alterações, e demolições parciais vêm sendo realizadas nos /247/ últimos trezentos anos. Um sistema, também, está solidamente estabelecido; refiro-me à nova mansão de Schelling e Hegel, que recentemente caiu no gosto dos alemães, mas com tantos lapsos em sua construção que, embora novinha em folha, já está declarada inabitável. O empreendimento que este volume inaugura é o de criar uma filosofia como aquela de Aristóteles, quer seja, a de esboçar uma teoria tão compreensivelmente ampla que, durante muitos anos, todo o trabalho da razão humana, em cada escola e tipo de filosofia, em matemática, psicologia, nas ciências físicas, em história, na sociologia, e seja lá em que outro departamento possa haver, nada mais será que preencher seus detalhes. O primeiro passo rumo a isto é o de encontrar conceitos simples aplicáveis a cada assunto”.

2

Nathan Houser & Christian Kloesel, os editores do primeiro volume do The Essential Peirce, dizem o seguinte a respeito deste ensaio seminal de Peirce: MS 909. [Primeiro publicado nos CP 1.354 (o esboço inicial), 1.1-2 (os dois parágrafos seguintes), 1.355-68 (capítulo 1), 1.373 (capítulo 3), 1.374-75 e 379-83 (capítulo 4; em que está faltando a última frase do segundo parágrafo, o terceiro parágrafo, e a primeira metade do quarto parágrafo), e 1.385-416 (capítulos 5, 6 e 7). Um página inicial anterior trás como título “Notas para um Livro, a ser intitulado ‘Uma Conjetura ao Enigma,’ com uma Vinheta da Esfinge abaixo do Título”], embora os capítulos 2, 8 e 9 estejam faltando (e provavelmente jamais tenham sido escritos) e o capítulo 3 seja um mero esboço.

Embora, infelizmente, Peirce nunca tenha podido escrevê-lo, felizmente, muitas de suas maiores idéias na “Conjetura” iriam aparecer em breve nos ensaios escritos para a Série Metafísica na revista The Monist (nossos grifos).

O biógrafo peirceano, Joseph Brent, em sua obra, Charles Sanders Peirce: A Life [1993; “Charles Sanders Peirce: Uma Vida”, p. 339), confirma o fato ao afirmar:

“No entanto, Peirce foi um autêntico herói trágico, (…) Os antigos gregos tê-lo-iam, decerto, acusado de hubris por sua intenção de descobrir, revelar, e escapar com o segredo das coisas – “o enigma da Esfinge” especialmente por sua alegação prometéica de que ele realmente conseguira encontrar o segredo e estava a ponto de dá-lo à humanidade”.3

Outro biógrafo e scholar peirceano, Kenneth Laine Ketner, em sua obra, His Glassy Essence (1998; “Sua Essência Vítrea”, p. 345), diz:

“Peirce, segundo o espírito geral de Boole, mas não seu conteúdo, aplicou a topologia às nossas experiências sensoriais comuns – o phaneron, literalmente, ‘aquilo que aparece’ – para chegar às suas categorias. Estas categorias são a chave do pragmatismo e o restante de seu sistema. Elas são sua conjetura ao Enigma da Esfinge de Emerson”.

Por fim, Cornel West, em sua obra, American Evasion of Philosophy (“A Fuga Norte-Americana da Filosofia”), no seu primeiro capítulo, The Emersonian Prehistory of American Pragmatism (“A Pré-História Emersoniana do Pragmatismo Norte-Americano”), diz o seguinte em sua página 9:

“A longa sombra lançada por Ralph Waldo Emerson sobre o pragmatismo norte-americano tem sido frequentemente subestimada e raramente examinada. No entanto Emerson não apenas prefigura os temas dominantes do pragmatismo norte-americano [“poder, provocação, personalidade”, p. 40 & “motivos cruciais, como otimismo, moralismo e individualismo”,

ibidem], mas, mais importante, promulga um estilo intelectual de crítica cultural que permite e encoraja os pragmatistas norte-americanos a dar uma guinada para fora do curso principal da filosofia européia [daí a “fuga da filosofia moderna”, p. 41]”.

Entretanto, a maior evidência de que Emerson influenciou Peirce – aparte tudo o que ficou explícito na Parte I desta Dissertação de Mestrado – está exatamente no título (e conteúdo) do ensaio-resposta peirceano – A Guess at the Riddle (1887-88; “Uma Conjetura ao Enigma”) - e na análise estrutural que faremos

do mesmo e das suas principais idéias, sempre a partir do texto filosófico, como recomenda Martial Guéroult,4 “para se evitar o perigo do sobrevôo...”

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4 Para o Historiador da Filosofia do Collége de France, Martial Guéroult (1891-1976) “ler” “textos

filosoficamente constituídos” – sua “dianoimática” (“a filosofia das filosofias”, segundo ele) - é, ao mesmo tempo, reconstruir a “estrutura” (articulação interna) do texto (filosófico) e “fazer” filosofia. Será, portanto, a partir da abordagem de Guéroult – que interroga o texto filosófico em si mesmo (não só em sua integridade e integralidade, mas em sua irredutibilidade e indestrutibilidade) - que secionaremos o texto de Peirce – nas suas “articulações internas” -, no afã de buscar-lhe a arquitetura interna (onde reside sua verdade intrínseca ou o tema principal do texto, i.e., seu argumento lógico). Ver, Martial Guéroult.

“La Méthode en Histoire de la Philosophie” em Philosophiques, vol. 1, n. 1. São Paulo: Abril, 1974, p. 07-19.

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA SÃO PAULO 2008 (páginas 152-155)

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