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Na estrofe XV A Esfinge vai proferir os quatro versos que vão servir de epígrafe ao The

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA SÃO PAULO 2008 (páginas 129-133)

Verso 99 And under pain, pleasure, E sob a dor, prazer

2.7 Na estrofe XV A Esfinge vai proferir os quatro versos que vão servir de epígrafe ao The

Essential Peirce – Volume 2 – e que perfazem, portanto, a terceira mais importante frase do texto -: “Tu és a pergunta sem resposta” (verso 113) / “Pudesses ver teu próprio olho”, (verso 114) / “Ele não pára de perguntar, perguntar”; (verso 115) / “E cada resposta é uma mentira” (verso 116).

Ao som do “The Unanswered Question” do compositor Charles Ives (1874-1954), concedamos, com Emerson, que “[N]enhum poder do gênio jamais teve o menor sucesso em explicar a existência. O perfeito enigma permanece” (SWRWE, Plato, 492; nossos grifos). Peirce assinará embaixo, sem nostalgia (schellinguiana ou romântica)?

Por que “cada resposta é uma mentira”? Por dois motivos: (1º) porque quando “levamos a pergunta à natureza”, (verso 117), quem na leva é ignorante; e, (2º) nunca temos acesso – imediato – à Natureza! (Ele é sempre mediado por signos).

Por isso, pouco importa “Que mil perguntas à natureza se faça” (verso 118; nosso grifo); ou que “Pergunt[emos] sem cessar” - nós, “eternidade vestida” (verso 119; nosso grifo) – que verso extraordinário; onde haverá “repertório” para decifrá-lo? – sabemos que, no fundo, “O tempo é a resposta falsa” (verso 120; nosso grifo). Se não há “conceito” sem “tempo” – e este é “falso,” que tipo de “conhecimento” seria verdadeiro? Estaria no “olhar diagramático” (peirceano) de herança (esquemática) kantiana? Veremos...

O problema principal, para Emerson, não está tanto na Realidade (lá fora!) quanto nas “lentes” que usamos para “olhar o mundo lá fora”. Cavell lembra-nos que “A leitura é do que quer que esteja ante você”271 – e, a respeito da “aceitação de Thoreau (1817-62) como filósofo” – que vale também para Emerson (1803-82) – “depende de se você aceita sua invenção de um discurso” (Ibid, ibidem) (...) e, afinal, “o que importa filosoficamente é se o que é dito é verdade” (Ibid, 56) embora Emerson nos lembre, em Circles (1841; “Círculos”) que “[A]s palavras mais simples, - nós não sabemos o que elas significam exceto quando amamos e aspiramos” (Ibid, ibidem; nossos grifos).272 Cavell dedica-lhe todo um capítulo nessa obra: Finding as Founding: Taking Steps in Emerson’s ‘Experience’ (“Encontrar como Fundar: Caminhando na ‘Experiência’ de Emerson’”, pp. 110-140) e todo um ensaio de

271 Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 3. O Filósofo na Vida Norte-Americana, p. 50. 272 Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 4. Emerson, Coleridge, Kant, p. 10.

Julie Ellison. Tears for Emerson: Essays, Second Series (“Lágrimas para Emerson: Segunda

Série de Ensaios”) em The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson (pp. 140-161). Estas lágrimas que a professora da Universidade de Michigan empresta a Emerson deve-se ao fato de que ele – como veremos – não conseguiu chorar pela morte do filho, Waldo (Ibid, 157).

Volvamos à “lentes” com as quais “lemos” o mundo. Estas estão “tingidas” de “estados de espírito” (“moods”). Por isso Stanley Cavell fala da “Epistemologia de Estados de Espírito”273 em Emerson. Cavell segue dizendo:

“A idéia é, vagamente, que estados de espírito (“moods”) devem ser tidas pelo menos como tendo um papel tão fundamental em aconselhar-nos sobre a realidade quando a experiência sensorial tem”. [E] “[O] único filósofo que conheci que tinha feito um esforço para formular um tipo de epistemologia de estados de espírito, para encontrar suas revelações do que chamamos de ‘o mundo’ tanto quanto as revelações do que chamamos ‘compreensão’, foi o Heidegger de o Ser e o Tempo” (...) “Agora vejo que eu talvez devesse ter percebido que Emerson estava na minha frente, uma vez que, por exemplo, seu ensaio ‘Experiência’ é sobre a epistemologia, ou digamos, a lógica, dos estados de espírito”.

Recorramos ao ensaio mais importante de Emerson: Experience (1844; “Experiência”),274 que é uma segunda resposta – a primeira é o poema Threnody (“Canto Fúnebre”)275 - à morte de seu filho, Waldo, aos 5 anos, de febre escarlatina [1842; ano de nascimento do pragmatista clássico, William James (f. 1910), e de quem foi padrinho a pedido de seu pai, Henry James, Sr. (1811-82)].

Neste ensaio, RWE introduz várias concepções novas e radicais, a primeira das quais é a apresentação – logo no início, em um poema, a título de epígrafe – “The Lords of Life” (“Os Senhores da Vida”; SWRWE, Experience, 342). O poema todo merece ser traduzido, até porque RWE, como legítimo representante do Romantismo (de Jena), especialmente Friedrich Schlegel (17721829), o que mostrou como “o fragmento (finito artístico ou genial)

273 Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 1. Pensando em Emerson, p. 10 e Capítulo 2. Um Estado de Espirito Emersoniano, p. 26.

274 “Uma obra que bons leitores de Emerson geralmente concordam representa um ‘breakthrough’ em seu

empreendimento”. Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Finding as Founding: Taking Steps in

Emerson’s “Experience”, p. 110.

275 Neste poema lúgubre, RWE diz: “Eu lamento o querido que não retornará // a criança maravilhosa // o garoto

gracioso que adornava o mundo em que nasceu // e que desapareceu do olho do Dia” (SWRWE, Threnody, 775) // “a Natureza, que perdeu, não pode refazê-lo (Ibid, 776) // “o pequeno capitão inocente levou o olho consigo quando foi (Ibid, 777) /// “Mas o menino de olhos profundos se foi” (Ibid, 778). Entretanto, “Não meu - Eu jamais te chamei de meu, [lembra a fala de Chuang Tsu, o mestre taoísta, quando o discípulo, espantado, por não vê-lo chorar a morte do filho, ele respondeu: “Nunca achei que fosse meu!”] // Mas o herdeiro da Natureza” (Ibid, 778), porque “Perdido em Deus, na Deidade encontrado” (Ibid, 783).

já contém o todo (infinito, que é o Absoluto, artista criador do universo ‘vivo’)” e propôs “talvez” e “aproximadamente” como conceitos na famosa ‘tábua de categorias do entendimento’.276

Reza ele:

“The lords of life, the lords of life – I saw them pass,

In their own guise, Like and unlike, Portley and grim, Use and Surprise,

Surface and Dream, Sucession swift, and spectral Wrong, Temperament without tongue,

And the inventor of the game, Omnipresent without name;277

Some to see, some to be guesses, They marched from eat to west: Little man, least of all,

Among the legs of his guardian tall, Walked about with puzzled look: Him by the hand dear Nature took; Dearest Nature, strong and kind, Whispered, ‘Darling, never mind! To-morrow they will wear another face, The founder thou! These are thy race!’”278

Mas não só. O ensaio começa com uma pergunta radical: Where do we find

ourselves? (“Onde nos encontramos?” (SWRWE, Experience, 342; nosso grifo); o problema é

que o pretérito deste verbo em inglês é “found”, que significa tanto, “nos encontramos” e “nos fundamos”, i.e., encontramos um “fundamento”).279

276 Ver Márcio Suzuki. O Gênio Romântico – Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel, SP:

Iluminuras, p.144.

277 Qual poderia ser o nome d’“O inventor do jogo / Onipresent sem nome”? Cavell sugere que seja o filho

morto. É que em inglês, quando você está em luto profundo, desinteressado de tudo, e alguém lhe pergunta qualquer coisa banal – e tudo é banal ante a morte! -, por exemplo, “Quer uma xícaras de chá?”, normalmente se responde, “That will do!” (Isso serve). E, o som “will do” é muito semelhante a “Waldo”, o nome do filho que lhe foi arrancado... (Cavell, p. 119).

278 “Os senhores da vida, os senhores da vida - / Vi-os passar, / Em sua própria vestimenta, / Iguais e desiguais, /

Com porte e carrancudos, / Uso e Surpresa, / Superfície e Sonho, Sucessão veloz, e Mentira espectral, / Temperamento sem língua, / E o inventor do jogo, / Onipresente sem nome; / Alguns a ver, alguns a serem adivinhados, / Eles marcharam do oriente para o ocidente: / Homenzinho, o menor de todos, / Entre as pernas de seu guardião alto, / Caminhou por aí com olhar perplexo: / Ele pela mão querida Natureza levou; / A mais querida Natureza, forte e gentil, / Sussurrou, ‘Querido, tudo bem! / Amanhã eles usarão outro rosto, / Ó órfão! Estes são tua raça!’”

279 Cavell gosta especialmente deste ensaio emersoniano. Diz ele: “E então pegue a pergunta de Emerson sobre

Logo a seguir RWE apresenta o lema exposto em Circles (“1841; “Círculos”): o da “série infinita” – estamos na esfera do “Sublime” (kantiano) -: “[E]ncontramo-nos em uma série da qual nós não conhecemos os extremos, e acreditamos que não possui nenhum. Acordamos e encontramo-nos em uma escadaria”; - é difícil não ver que RWE dialoga com o texto da “Escada de Jacó” (Gênesis, 28:11-19) – “há degraus acima de nós, muitos, que sobem e para fora de nosso alcance da visão” (Ibid, ibidem; nosso grifo). No ensaio tardio, Fate (“Fado”), Emerson irá dizer que “[M]uito detestáveis são as lições do Fado” porém -, e é aqui que entra o sábio – “uma pessoa deve agradecer seus defeitos e temer os seis talentos” porque “um defeito pode lhe render tributos” (nossos grifos).

Por quê? Porque

“Ver como o fado resvala em líberdade e liberdade em fado, observar quão longe as raízes de cada criatura correm, ou descobrir, se você puder, um ponto onde não há mais nenhum fio de conexão. Nossa vida é consentânea e ultra-relacionada. Este nó da natureza está tão bem amarrado que ninguém [exceto Peirce, é claro!] alguma vez foi suficientemente esperto para descobrir as pontas. A Natureza é intricada, sobreposta, entretecida e infinita.280

Para RWE, não enxergamos porque “somos tomados pelo sono” (Ibid, ibidem; nosso grifo) -, há um (retorno) ao início do poema281 -; estamos como que tomados pelo “ópio”

(Ibid, 243; nosso grifo). Pior, nesse estado, “tudo o que vemos são superfícies” (Ibid, 344; nosso grifo)282 – eis um dos “Senhores da Vida” – talvez porque, como defende Ernest

Becker (“A Negação da Morte”), não queiramos encarar uma “realidade que não nos driblará, a morte” (Ibid, ibidem).

Afinal, quem são estes senhores da vida? (1) Uso; (2) Surpresa; (3) Superfície; (4) Sonho; (5) Sucessão (veloz); (6) Mentira (espectral); (7) Temperamento (sem língua); e, (8) o Inventor do Jogo, que é Onipresente e Sem Nome. Para usar as categorias peirceanas, diríamos que três dos ‘senhores da vida,’ (2) a Surpresa, (4) o Sonho e (7) o Temperamento (sem língua) pertencem à “Primeiridade”, por seu caráter de novidade, liberdade, atemporalidade e espontaneidade. É o ‘tiquismo’ a se intrometer no continuum espaço- temporal (i.e., no sinequismo). Já a categoria de “Segundidade” (peirceana) é caracterizada

Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 4. Emerson, Coleridge, Kant, p. 60. Estaríamos nós habitando, pergunta-se Cavell, não em um mundo duplo, mas “triplo”? (Ibid, 65).

280 Emerson. Fate (“Fado”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), em RWE. org.

281 É sabido que quando alguém se perde numa “floresta escura” – aquela que Dante (1265-1321) se encontrava

no início da sua “Divina Comédia” (1308-21)? – começa a andar em círculos.

pelos seguintes três ‘senhores da vida’: (1) o “Uso” – que é a “ação” e o “hábito” –, (3) a “Superfície” – há algo de mais superficial do que aquilo que aparece? – e, (5) a “Sucessão” – a impermanência ou fluxo de todas as coisas. O que sobra como “Terceiridade”? (6) A “Mentira” (espectral) – pois “tudo é feito de acabar-se,” como diria Fernando Pessoa, ou o “Falibilismo” peirceano, pois só podemos conhecer os fenômenos (a “phanera”) e, portanto, “todo o conhecimento (científico) é, assim, aproximativo” (nossos grifos). E, metafisicamente, (8) o Inventor do Jogo, onipresente e Sem Nome, que “é o que é”. No início do ensaio em si, RWE pergunta: “Where do we find ourselves?” (“Onde nos encontramos (fundamos)?”). Ora, a resposta é clara: o “homenzinho” é um “órfão” da “Natureza” e refém destes “senhores da vida”. “Mas há o intelecto”, diz Emerson (que não é do homem, mas da Deidade), então há esperança...

“Nossas relações uns com os outros são oblíquas e superficiais. Um sonho leva- nos a outro e não há fim à ilusão” (Ibid, 345; nosso grifo). No extraordinário ensaio tardio,

Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A Propósito”), que faz

parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “Nosso hábito de pensamento, - pegue as pessoas assim que acordam, - não é satisfatório; na experiência comum, temo, é pobre e esquálida. O sucesso que os deixará contentes é uma barganha, um emprego lucratico, um legado e por aí afora. Com estes objetos, sua conversa lida com superfícies: política, comércio, defeitos pessoais, más notícias exageradas, e o tempo” (RWE.org; nossos grifos).

E, então, RWE descreve com mais minúcias os tais “estados de espírito”: “A vida é

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA SÃO PAULO 2008 (páginas 129-133)

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