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1. A FIGURA DE DOM JOÃO VI COMO UM GRANDE GESTOR MUSICAL E AS

1.3. A CHEGADA DA MISSÃO ARTÍSTICA NO BRASIL

Muito se discute a respeito da origem e o desenvolvimento da chamada Missão Artística Francesa de 1816. Sabe-se que, com essa vinda, o Brasil presenciou grandes mudanças nas artes, principalmente as plásticas, baseando-se com os séculos anteriores.

Segundo Elaine Dias (2006), muitos estudiosos analisam essa tal missão com base nos decretos promulgados no Brasil no próprio período joanino, através dos relatos de viajantes e nos documentos que engendram a história da Academia Imperial de Belas Artes. Com relação a esses documentos, a autora descreve que:

Os escritos do pintor de história Jean-Baptiste Debret, presentes em sua obra Voyage pittoresque e thistorique au Brésil, publicada em três volumes em Paris entre 1834 e 1839, constitui uma das primeiras fontes que contribuíram para a abordagem da questão. Debret, membro do projeto de ensino criado pela Missão como pintor de história, fora o primeiro a tratar deste tema no terceiro volume de sua obra2. Ali, relata o contexto vivido pelos artistas franceses no Rio de Janeiro, descrevendo as questões burocráticas, os entraves políticos, assim como as querelas entre artistas franceses e portugueses para a fundação da Academia de Belas Artes, inaugurada em 1826, dez anos depois da concepção de seu projeto inicial como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (Dias 2006: 301).

Sob a liderança de Joaquim Lebreton (1760 - 1819), que ocupava o cargo de secretário do Institut de France8, chega ao Rio de Janeiro em 26 de março de 1816 um grupo de artistas

franceses. Existem duas possíveis versões sobre as origens da missão. A primeira versão dos estudos afirma que a Missão Artística foi contratada na França, trazida ao Brasil por uma forte influência do Conselho do Conde9 da Barca, António de Araújo Azevedo, antigo embaixador

de Portugal em Paris e Ministro do Reino naquela data. A outra versão relata que, por iniciativa própria, os integrantes da Missão ofereceram seus serviços à corte portuguesa. Segundo Schwarcz, devido aos artistas terem formação neoclássica e serem partidários de Napoleão Bonaparte, os mesmos se sentiriam prejudicados com a volta dos Bourbon ao poder; com isso, decidem vir para o Brasil com apoio de D. João VI, esperançosos de que possam ajudar nos processos de renovação do Rio de Janeiro e de afirmação da corte no país.

Atualmente acredita-se em um meio termo entre as duas versões. Assim, Elaine Dias (2006) acredita que havia alguns interesses para a implantação da Missão. O rei português se mostrava receptivo à criação da academia e, partindo dessa informação, Lebreton, que

8 O instituto tinha o objetivo de realizar o aprimoramento das artes e da ciência com base nos princípios da pluridisciplinaridade.

9Líder do chamado “partido francês” na corte portuguesa, isto é, partidário das ideias saídas da Revolução Francesa de 1789 e, portanto, de um alinhamento com a França e não com a Inglaterra.

também tinha o intuito de sair da França, provavelmente ofereceu seus serviços, juntamente com os demais artistas dispostos a se refugiar em outro país.

Dentre os componentes da missão artística estão o já referido chefe da Missão e pintor Joaquim Lebreton, o pintor Nicolas Antoine Taunay, o escultor Augusto Maria Taunay, o pintor Jean Batiste Debret, o arquiteto Augusto Montigny, o gravador Carlos Simão Pradier e o compositor, organista e mestre de capela Sigismund Newkomm. Para se ter uma ideia da importância desta missão, a escolha dos artistas teve a colaboração do grande filósofo e historiador Alexander Von Humboldt.

A vinda da Missão ofereceria grandes benefícios ao Brasil. Segundo Sodré, os artistas tinham como objetivo trazer

Atividades ligadas ao provimento de modelos europeus e ao recrutamento de discípulos, de que foram manifestação concreta a fundação de escolas de artes e de museus e a contratação de mestres estrangeiros. Esses dois aspectos, cuja benemerência não pode ser posta em dúvida, assinalam a transplantação que, conjugada a alienação, necessariamente, já no alvorecer do século XIX, persiste como decorrência das condições objetivas então reinantes (Sodré 1972: 34).

Segundo o historiador Bruno Kiefer (1977), os motivos que levaram muitos artistas de renome a abandonarem o solo francês, sobressai o da situação calamitosa do país após o desastre de Waterloo em 1815. Em relação ao compositor Sigismund Newkomm, o mesmo historiador cita que o móbil principal da sua vinda ao Brasil foi o seu persistente desejo de conhecer o mundo.

Ao citar Newkomm, João Freitas Branco afirma que o compositor veio ao Brasil com boas indicações e com o propósito de contribuir para a melhoria das atividades culturais sob sua responsabilidade, pois era o único músico; segundo o autor, “Não fazia parte dela músico algum, o que, mais ainda do que uma carta de recomendação do príncipe de Talleyrand, deve ter sido favorável a Sigismund Newkomm quando se fixou no Brasil” (Branco 2005: 216). Nas palavras de Araújo de Azevedo, citado por Branco, pode-se observar o que ele próprio relata: “Temos a esperança de fundar um novo império no Novo Mundo e tereis todo o interesse em testemunhar o desenvolvimento deste pais” (Azevedo, apud Branco 2005: 216).

Sobre a viagem, André Albuquerque (2013) relata que em 22 de janeiro de 1816 o navio de três velas americanas chamado Calpe partiu rumo ao Rio de Janeiro, juntamente com os artistas e muitas outras pessoas. Após 63 dias de viagem, chegou ao Rio de Janeiro em 26 de março do mesmo ano.

O Calpe não pôde entrar na sede do império pela Baía de Guanabara, que estava fechada para o tráfico marinho durante a noite, tendo então que lançar âncora e esperar o amanhecer. Albuquerque (2013) descreve também, que esse episódio, “que mais tarde seria apreendido pela lembrança que esses artistas escreviam em seus diários, não permitiu que todos a bordo ouvissem os diversos tiros de canhão que faziam as saudações fúnebres para a rainha, dona Maria I, que acabava de falecer” (Albuquerque 2013: 56).

No primeiro dia em terras brasileiras, os artistas faziam muitos planos e projetos. Pode- se observar o ânimo por parte de Debret, através de suas próprias palavras citadas por Albuquerque: “Será fácil acreditar que foi o sonho universal a embelezar o sono de cada um dos artistas, na sua última noite de viagem” (Albuquerque 2013: 56).

Após passarem-se os dias, os artistas encontram muito trabalho; pode-se dizer que um dos motivos seja devido ao momento de transição política, com a morte da rainha e a posse definitiva de Dom João VI. Esse momento foi importante para os artistas colocarem em prática seus conhecimentos académicos. Segundo Naves, esse primeiro momento foi realmente desafiador; o mesmo autor descreve: “Mais do que um espaço anedótico e perversamente pitoresco, a afeição rudimentar do Rio de Janeiro inviabilizava na prática uma atuação normal de Debret e seus companheiros” (Naves 1996: 67).

Albuquerque (2013) descreve que Jean Debret e outros pintores foram hospedados em uma moradia que, um tempo depois, foi residência fixa de Debret. Os artistas também tinham direito a duas refeições por dia, que lhes eram levadas por meio dos escravos, sob ordem do Conde da Barca.

Outro fator que dava garantia aos artistas era o pagamento do seu trabalho; mesmo que a Escola Real, principalmente em relação às artes, tenha sido colocada em segundo plano, a política joanina assegurava por decreto os referidos pagamentos:

Por efeito de minha real munificência e paternalzêlo pelo bem público deste Reino, lhes faço mercê para a sua subsistência, pagas pelo Erário Público, cumprindo desde logo cada um dos ditos pensionários com as obrigações, encargos e estipulações que devem fazer parte a base do contrato, que, ao menos pelo prazo de seis anos, hão de assinar, obrigando- se a cumprir quanto fôr tendente ao fim da proposta instrução nacional das belas artes e ofícios mecânicos (Taunay apud Schlichta 2006: 54 e 55).

No dia 12 de agosto de 1816, foi fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, cuja proposta era suprir as carências da população do reino. A Escola Real não formava apenas artistas, sua inserção ocorria em diferentes áreas. Os ministros da corte acreditavam

que realmente faltavam profissionais especializados, mas aproveitando os especialistas vindos à Missão, poderia se difundir conhecimentos diversos por meio da mesma instituição.

Em uma citação de Schlichta (2006), pode-se observar, nas palavras de Taunay, esse propósito da Real Escola:

Atendendo ao bem comum que provém aos meus fiéis vassalos de se estabelecer no Brasil uma Real Escola de Ciências, Artes e Ofícios, em que se promova e difunda a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos da administração do estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio, de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos, maiormente neste continente (Schlichta 2006: 54).

Devido às disputas políticas ocorridas no período da invasão de Portugal por parte dos franceses, os ministros da corte ficaram divididos entre os interesses franceses e ingleses. Isso trouxe reflexo mesmo anos depois, chegando até o Brasil.

Albuquerque menciona que o plano de formação de uma Academia de Belas Artes nos moldes franceses ainda estava distante da concretização; além do mais, a falta de instrução europeia por parte da corte, juntamente com a apatia do governo português, atrapalhara a efetivação da escola. Segundo o autor, diante desses problemas os “artistas tentavam realizar seus trabalhos, e cada um buscava, a seu modo, a forma de colocar em prática seu ofício sem estar preso a essa teia de intrigas e disputas políticas” (Albuquerque 2013: 63).

Para Elaine Dias (2006), enquanto Le Breton desenvolvia o plano de ensino da Escola de Artes e Ofícios, antes mesmo de sua fundação, os artistas da Missão trabalhavam nas decorações festivas para as grandes solenidades públicas, como foi o caso do casamento da arquiduquesa Leopoldina de Áustria com Dom Pedro, em 1817, e em 1818, a aclamação de Dom João VI ao reinado.

Por outro lado, Albuquerque (2013) relata que devido ao projeto de Joaquim Lebreton ser adiado enúmeras vezes, o mesmo decidiu a se dedicar à literatura em uma fazenda próxima ao Rio de Janeiro. Afonso Taunay também se cansou dos problemas funcionais do Estado e, provavelmente devido à sua idade, se afastou do grupo, passando a morar em uma propriedade na floresta da Tijuca10.

Enquanto isso, Elaine Dias (2006) descreve que Debret e o arquiteto Grandjean de Montigny, como já estavam acostumados com as festas de consagração política ocorridas anteriormente em Paris com a direção dos arquitetos Percier e Fontaine, incrementavam as

10 Atualmente conhecido como Parque Nacional daTijuca,é uma Unidade de Conservação Federal que fica no Rio de Janeiro e recebe cerca de 2 milhões de visitantes ao ano.

festividades luso-brasileiras com suas experiências francesas. A autora ainda permeia que Debret e Montigny, “ao lado de artistas e engenheiros militares portugueses, contribuíram para o engrandecimento político da corte perante seus súditos, com a construção de arcos de triunfo efêmeros, pinturas e suntuosas iluminações espalhadas pela capital carioca do novo Reino” (Dias 2006: 245). Além do mais, os artistas contribuíram fortemente para os registros históricos e culturais do período, principalmente se tratando dos pintores, que puderam retratar com detalhes esses aspectos em suas obras.

1.4. RETRATO HISTÓRICO E CULTURAL ATRAVÉS DAS OBRAS DOS