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2. COMPOSITORES DO PERÍODO JOANINO

2.4. MÚSICOS, CANTORES E OUTROS COMPOSITORES JOANINOS

Não se pode deixar de mencionar que, além dos compositores citados, muitos outros músicos de grande importância, tanto instrumentistas, como cantores, fizeram parte do período joanino. Como já mencionado, Vasco Mariz (2002) descreve, que a partir de 1809, Dom João ordenou a vinda dos primeiros músicos portugueses e italianos. Vieram ao Brasil então: Joaquim Manuel da Câmara, José Caprânica, António Pedro Gonçalves, Carlos Mazziotti, Fortunato Mazziotti, Giuseppe Mazziotti, Giovanni Mazziotti e Salvador Salvatori.

Outra grande figura que não se pode deixar de mencionar, e que muito contribuiu para a prática musical no período abordado, foi Joaquina Maria da Conceição da Lapa, também muito conhecida como Lapinha. A citada artista foi uma importante e célebre cantora fluminense que atuou no Brasil e também em Portugal. Diferente dos grandes génios musicais da época, não se sabe de nenhuma obra composta por Lapinha, mas sim de seu grande prestígio como intérprete de alta qualidade. Dentre os referidos músicos será destacada, neste trabalho, a presença de Lapinha no cenário joanino, pois até o presente momento, essa cantora é “a única de quem a história guardou o nome” (Andrade 1967: 164).

Lapinha nasceu no Rio de Janeiro, mas pouco se sabe sobre suas origens, de sua formação musical e dramática. Ficou popularmente conhecida como a mulata que tinha uma voz diferenciada e muito apreciada, pois sua classificação vocal era soprano coloratura. Segundo o autor Manuel de Brito, que descreve o relato do viajante Ruders21: “...Joaquina

Lapinha. É natural do Brasil e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante

escura. Este inconveniente porém remedeia-se com cosméticos. Fora disso tem uma figura imponente, boa voz e muito sentimento dramático” (Brito 1989: 182).

Segundo Pacheco, as notícias mais antigas que há a respeito da cantora, são de suas aventuras em Portugal, como se pode averiguar através de publicações da Gazeta de Lisboa. Em uma dessas publicações, percebe-se uma boa aceitação por parte da crítica e do público.

A 24 do mês passado houve no Teatro de S. Carlos desta cidade o maior concurso que alli se tem visto, para ouvir a célebre cantora Americana Joaquina Maria da Conceição

Lapinha, a qual na harmoniosa execução do seu canto excedeu a expectação de todos;

foram gerais e muito repetidos os aplausos que expressavam a admiração que causou a firmeza, e sonora flexibilidade da sua voz, reconhecida por uma das mais belas, e mais próprias para o Teatro. Por tais testemunhos de aprovação deseja ela por este meio mostrar ao Público o seu reconhecimento (Suplemento a Gazeta de Lisboa, 06 de fevereiro de 1795, citado por Pacheco 2007: 107).

Andrade cita relatos segundo os quais, em 1808, Lapinha retornou ao Brasil executando obras de José Maurício Nunes Garcia, como também obras de Marcos Portugal. Além do mais, a cantora atuou como atriz no Teatro Régio de Manuel Luis: “Seu grande sucesso era em Erícia ou A vestal, tragédia de Dubois Fontenelle, traduzida do francês pelo poeta português Manuel de Barbosa du Bocage, diziam que expressamente para ela em 1805” (Andrade 1967: 185).

Nesse período a cantora era muito requisitada nos espetáculos da corte e da burguesia do Brasil, assim como fora em Portugal. Lapinha também foi pioneira em realizar concertos públicos de música no solo brasileiro. Nas publicações da Gazeta do Rio de Janeiro, citada por Pacheco, há um exemplo de sua atividade musical:

Madama D´Aunay, cômica cantora novamente chegada de Londres, em cujos teatros, assim como nos de Paris sempre apresentou, informa respeitosamente aos cidadãos desta corte, que ela pretende [sic] dar um concerto de música vocal, e instrumental na casa N. 28 na Praia de D. Manoel, no dia 14do corrente. Nele cantarão ela, e a senhora Joaquina Lapinha a mais bem escolhida música dos melhores autores, e tocarão os senhores

Lansaldi, e Lami concertos de rebeca, e executar-se-ão em grande orquestra as melhores

overtures de Mozart. Vendem-se bilhetes em sua casa N. 8 rua de S. José a preço de $4000reis (Gazeta do Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1809, citado por Pacheco 2007: 109).

Segundo Pacheco, a condição de Lapinha ser mulata e de provavelmente sua origem ser humilde, pode justificar sua escolha pela carreira musical, pois se fosse de família com títulos, provavelmente não seria cantora:

Assim, pode não parecer tão surpreendente que uma mulher possuísse a formação musical da Lapinha, mas daí até ser uma cantora profissional havia uma grande distância. Mesmo

como ouvintes, somente na segunda metade do século XIX as mulheres começaram a freqüentar as platéias do teatro. Uma mulher com carreira artística não era vista com bons olhos e certamente teria uma reputação bastante baixa. Seria algo realmente impensável para as moças da “boa família” carioca (Pacheco 2009: 105)

Vasco Mariz relata que, nesse período, até os homens brasileiros que trabalhavam profissionalmente com a música eram de famílias de classe mais baixa, “o músico era nivelado socialmente aos criados ou empregados” (Mariz 2002: 10).

Por outro lado, analisando a trajetória profissional de Lapinha, os autores Hora e Leeuwen (2008), identificam importantes itens culturais ocorridos no período joanino no Brasil, como é o caso da participação de negros e mulatos no teatro e na música do período joanino, bem como a presença das mulheres, em oposição à pratica corrente em Portugal dos

castrati.

Os mesmos autores descrevem também que houve uma evolução da ópera no país através da música dramática presente nas representações teatrais, pois a relação do teatro com a música passou a evidenciar as influências praticadas em Portugal que, por sua vez, trazia uma forte influência italiana (Hora e Leeuwen 2008).

Lapinha obteve muitos benefícios com a corte portuguesa, pois naquele momento não existia ninguém à sua altura para lhe oferecer concorrência. Nas obras ainda existentes, com dedicatórias a ela, pode-se observar a sua esplêndida habilidade como cantora. Em outras obras também cantadas por Lapinha, como o Coro em 1808, o drama Ulissea, O triunfo da

América, além de outras dedicatórias compostas pelo Pe. José Maurício, até com graus

técnicos ainda mais elevados, mostram uma rica linha vocal com uso de melismas extensos, apojaturas, grupetos, notas estacadas e trilos, técnicas que exigem uma grande agilidade vocal.