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1. A FIGURA DE DOM JOÃO VI COMO UM GRANDE GESTOR MUSICAL E AS

1.4. RETRATO HISTÓRICO E CULTURAL ATRAVÉS DAS OBRAS DOS

Não se pode deixar de mencionar que cada um dos artistas que fizeram parte da Missão Artística francesa foi de grande importância para o desenvolvimento cultural do período joanino no Brasil. Apesar de não ser objeto de estudo no presente trabalho, Joaquim Lebreton tem uma colocação especial. O professor, administrador e legislador francês foi encarregado de comandar a missão artística após ser afastado de seus cargos que ocupava no contexto da Revolução Francesa. Lebreton não pôde ver seus projetos de implementação de um sistema de ensino artístico ser materializados por total, pois veio falecer poucos anos depois de sua chegada ao Brasil, em 1819.

Dentre os artistas que fizeram parte da Missão Francesa, colocam-se em estudo no presente capítulo os artistas plásticos Nicolas Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret, por retratarem minuciosamente através de suas artes o contexto histórico e cultural do período estudado.

O francês pintor, ilustrador e professor Nicolas Antoine Taunay nasceu em Paris em 1755. Iniciou seus estudos de pintura na mesma cidade em 1768 nos ateliês de François Bernard Lépicié, Nicolas Guy Brenet e Francisco Casanova, passando a se dedicar à pintura de paisagem aos 17 anos.

A partir de 1784, o artista iniciou sua participação em eventos oficiais, após ser nomeado como agregado na Academia Real de Pintura e Escultura da França. Com isso, foi indicado com pensão régia de três anos para a Academia do Palácio Mancini de Roma, onde passou a ter contato com Jacques-Louis David (1748-1825). Em sua volta a Paris, em 1787, passou a expor suas obras nos salões de parisienses.

Taunay manteve uma discreta posição política, mas esse período que favoreceu sua carreira sofreu um abalo devido ao fim do império napoleónico em 1814, e a volta da

monarquia dos Bourbons. Segundo Ivone Bertonha, “Tensões políticas e episódios inesperados próprios desse momento tendem a recair principalmente sobre artistas e intelectuais antes comprometidos com Napoleão, contribuindo para desestabilizar e consequentemente afastar Taunay da França” (Bertonha 2009: 3020)

Assim como já dito, após a queda de Napoleão Taunay veio ao Brasil juntamente com a Missão Artística, chegando então à cidade do Rio de Janeiro em 1816. A autora acima expõe mais detalhes:

Nessas condições, aceita o convite para integrar uma equipe heterogênea de artistas e artesãos atraída à América, vislumbrando oportunidades na corte europeia sediada no Brasil, que a partir de 1815 assumia a nova condição política, a de Reino Unido a Portugal e Algarves, com a sanção do Congresso de Viena (Bertonha 2009: 3020).

No mesmo ano, Taunay tornou-se pensionista de Dom João VI e membro da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios11, com a função de pintor de paisagem; nesse mesmo

período, elabora, sob pedido da rainha, retratos dos herdeiros do trono e paisagens do Rio de Janeiro. Tudo indica que as obras Largo da Carioca (Figura 1) e Morro de Santo Antônio (Figura 2), ambas de 1816, foram suas primeiras pinturas com tema brasileiro.

Figura 1 - Largo da Carioca no Rio de Janeiro (1816) – Óleo sobre tela.

Fonte: Enciclopédia Itaú cultural 200612.

Figura 2 – Morro de Santo Antônio (1816) – Óleo sobre tela.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural 2006.

Apesar de Afonso Taunay permanecer por pouco tempo no Brasil, sua produção com temas brasileiros é de extrema importância para a história da arte brasileira no século XIX, ainda mais se tratando da pintura de paisagem. Segundo Bruna Santiago, como pintor de paisagem no Brasil, o artista desenvolveu obras de maestria ímpar. A autora relata que suas obras trazem detalhes que demonstram “o estranhamento de um pintor formado na tradição francesa, que aportou em um ambiente luminoso e diverso de tudo o que estava habituado. O sol era demasiado forte e, as cores, diferentes” (Santiago 2013: 107). Segundo Schwarcz (2008), o artista se encantou com a novidade da paisagem carioca, contudo sua sólida formação não permite que abandone os cânones clássicos de representação, que incorporava a sensibilidade do iluminismo de Rousseau e de Diderot.

Uma característica marcante das obras de Taunay é a interpretação de fortes elementos derivados da cultura brasileira. A escravidão era algo difícil de retratar, como conclui Bruna Santiago:

Taunay sempre representava os escravos como uma mancha escura na tela. Isso se explica justamente pelo fato de ser algo novo para ele. Outro exemplo é com relação à paisagem 12 Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

tropical: em algumas obras, as casas cravadas na paisagem poderiam ser confundidas com as cidades italianas (Santiago 2013: 108).

Outro fator interessante da pintura do referido artista, é a sua intimidade com o ambiente em que viveu, como o atesta a presença de animais em várias de suas obras. Schwarcz considera que o pintor tinha suas “lentes culturais”; nas palavras da mesma autora, “Taunay mantém-se sempre como um observador longínquo, que se deixa contaminar pela paisagem local, mas a traduz em seus próprios termos. Estava no Brasil, mas permanecia de certo modo na Europa” (Schwarcz 2008: 273).

A respeito dessa característica, Bruna Santiago (2013) também expõe que, sem perder o caráter pictórico, Taunay se esforça para transparecer a realidade em suas paisagens. Com isso, surgem paisagens ordenadas, nas quais o artista se encontra em completa harmonia com a natureza. Em grande parte de suas obras, é constante a presença de bois, na qual ele evoca a paisagem pastoril e a visão idílica da natureza da Arcádia. Schwarcz ainda conclui que a vinda do artista e de outros à Missão Francesa não foi apenas devido a um convite da corte, mas sim uma iniciativa dos artistas envolvidos de sair da França para levar a civilização aos trópicos.

Assim como o artista citado acima, Jean Baptiste Debret nasceu em Paris em 18 de abril de 1768. Teve grau de parentesco com importantes nomes da pintura francesa, como seu tio- avô François Boucher (1703-1770), grande pintor e gravador do barroco-rococó francês e seu primo Jacques-Louis David (1748-1825), que ocupava o cargo de chefe da escola neoclássica francesa. Sua formação foi pela Academia de Belas Artes de Paris, após estudar com seu primo David, por quem foi muito influenciado. Sobre o assunto, Anderson Trevisan assim descreve:

Após cursar alguns anos o liceu Louis-Le-Grand, ingressa na carreira artística em uma viagem com David para Roma, a cidade eterna, em 1784, trabalhando junto ao primo por um ano, tempo suficiente para ganhar sua confiança e admiração. O resultado foi que, que no ano seguinte, Debret ingressou na Academia de Belas-Artes Francesa, passando a dirigir o estúdio dos aprendizes de David, cargo que ocupou por quinze anos (Trevisan 2007: 9).

Seu primeiro contato com o Rio de Janeiro foi em 1816 junto à Missão Artística. Pode- se dizer que a derrota do imperador Napoleão, juntamente com a morte de seu único filho, colaborou para Debret deixar o solo francês. Ao se instalar no Rio de Janeiro, passou a ministrar aulas de pintura em seu ateliê, a partir de 1817, onde teve como um de seus alunos

Simplício de Sá (1785-1839). Em 1818, Debret colaborou na decoração pública para a aclamação do rei Dom João VI, também no Rio de Janeiro.

Durante sua estadia no Brasil, o artista foi pintor oficial do Império e professor da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Suas obras retratam o cotidiano joanino, o processo de independência do Brasil e os primeiros anos do governo de Dom Pedro I. Muitos retratos da família real foram pintados por Debret. Entre suas obras mais conhecidas, encontra-se uma grande tela pintada em 1818, com o título de Aclamação de Dom João VI (figura 3), assim como O retrato de Dom João VI (figura 4) em tamanho real, que se encontram no Museu de Belas Artes no Rio de Janeiro.

Figura 3 – Aclamação de Dom João VI

Figura 4 - Retrato de Dom João VI (Óleo sobre tela).

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural 2006.

Duas outras obras com grande importância para o período joanino foram os quadros

Chegada da Imperatriz Leopodina, de 1818, e Aclamação de Dom João VI, composto em

1822. A autora Schwarcz, ao citar o historiador Luciano Migliaccio, descreve que, devido ao facto de Debret exercer a função de pintor da corte, as obras citadas mantêm formato modesto e apropriado para fácil compreensão, com descrição atenta do cerimonial oficial. Segundo a mesma autora, Migliaccio também descreve que no quadro Coroação de Dom Pedro I, o pintor utiliza por modelo o estilo de David, expondo um caráter cívico e uma preocupação com a utilidade de criação de um imaginário político.

Debret foi também uma figura importante para o campo da música. Como já descrito, através de sua obra Passatempo dos ricos depois do jantar (Figura 5) pode-se ter uma ideia de como era a vida musical no período joanino; tal obra demonstra, com detalhes, os instrumentos utilizados, bem como os movimentos e gestos.

Figura 5 – Passatempo dos ricos depois do jantar.

Fonte: Kiefer 1977: 42.

Além das obras citadas acima, Debret desenhou a bandeira do Brasil com a cor verde e o losango amarelo, que se tornou permanente até à bandeira republicana (figura 6). É de grande valia ressaltar que a atual bandeira brasileira ainda mantém o formato e as cores utilizadas pelo referido pintor.

Figura 6 – Bandeira e pavilhão brasileiros. Litografia em: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.

Se tratando das obras de história, Elaine Dias afirma que Debret é o primeiro pintor a realizar um conjunto de pinturas voltadas à representação da corte portuguesa no Rio de Janeiro. A obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, segundo a autora acima, ”apresenta uma série de ilustrações correspondentes aos principais eventos ocorridos no reinado de D. João VI e império de D. Pedro I, além da construção de uma iconografia de caráter nacionalista, inteiramente nova, relativa ao Primeiro Império” (Dias 2006: 244).

Debret tentava exercer no Brasil o mesmo papel que havia exercido na França. Desenvolveu em suas obras cenas que revelavam o novo contexto político brasileiro, por meio de aquarelas e pinturas e nas decorações. Em uma análise minuciosa de algumas das obras, Elaine Dias pôde compreender o discurso pictórico elaborado pelo pintor a partir de contextos políticos específicos, descrevendo ainda a autora que suas aquarelas e pinturas, em sua maioria, funcionam como uma espécie de composição narrativa a transmitir uma mensagem histórica. Nas palavras da investigadora pode-se averiguar com mais detalhes os factos:

Em suas composições, Debret constrói a cena de maneira a transmitir a verossimilhança dos fatos, partindo sempre da escolha de determinados efeitos que funcionam como instrumentos de persuasão contidos na mensagem. Estes meios são inteiramente derivados de sua formação neoclássica, em Paris, com o pintor francês Jacques-Louis David (Dias 2006: 244).

Debret foi um artista de grande importância para o Brasil não somente no período joanino, pois a primeira exposição de artes do Brasil, ocorrida em 1829, foi de sua organização. Através desse evento, intitulado de Exposição da Classe de Pintura Histórica da Imperial Academia das Bellas Artes, os trabalhos desenvolvidos por alunos da mesma academia puderam ser divulgados e prestigiados pelo público.

Em 1831 o artista retornou a França. Entre 1834 e 1839, publicou o livro Voyage

Pitoresque et Historique au Brésil, constituído por uma série de gravuras, reunidas em três

volumes, o qual é de valor muito significativo como fonte histórica da Missão Francesa, como já citado, e para toda a história das artes no Brasil.

Nas palavras de Flávio D’Aquino, pode-se observar o valor de Debret para os historiadores:

No entanto, o mais ilustre desses artistas foi João Batista Debret (1786 – 1848), aluno de David, autor de vários quadros do monarca português e sua corte no Brasil além de um álbum de gravuras – Viagem pitoresca e histórica ao Brasil – que descreve fielmente, a vida e os costumes fluminenses de então (D’Aquino 1980: 45).

Debret e sua obra foram de grande importância para se entender o período joanino e imperial na capital da monarquia, retratando com fidelidade as condições culturais e comunitárias da época.

2. COMPOSITORES DO PERÍODO