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2. COMPOSITORES DO PERÍODO JOANINO

2.1. JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA

Apesar da música desenvolvida no Brasil colónia ter despontado alguns compositores e músicos de alto nível, o Padre e compositor José Maurício Nunes Garcia foi o primeiro expoente musical de relevo, pois até ao momento, nenhum outro músico teria alcançado um reconhecimento internacional de tamanha proporção, com muito prestígio por parte de seus conterrâneos e de viajantes que presenciaram suas obras artísticas.

Figura 7 – Retrato de Nunes Garcia por seu filho Dr. José Maurício Nunes Garcia Júnior.

Fonte: Mattos, 1970: 2.

José Maurício Nunes Garcia nasceu em 22 de setembro de 1767 na rua da Vala, local conhecido no Rio de Janeiro como caminho do mercado escravo, sendo filho dos mulatos Apolinário Nunes Garcia e de Victória Maria da Cruz. Logo aos seis anos, perdeu o seu pai, sendo criado então por sua mãe e uma tia. Pode-se imaginar como seria criar um filho no Rio

de Janeiro do século XVIII, e ainda levando em conta que a cidade contava apenas com nove escolas primárias, e a vida cultural também era muito escassa.

Sua educação então ficou por conta de sua mãe e uma tia, ambas lavadeiras. Devido a sua musicalidade desde cedo, as duas mulheres faziam o que de melhor podiam para lhe dar uma boa educação, em especial artística. Mário de Andrade conta os factos: “E as duas mulheres trabalhavam mais porque além das roupas, tinham que ajuntar os oitocentos reis mensais que pagavam a escola de música do mulato Salvador José. Aí José Maurício aprendeu teoria e dizem violão” (Andrade 1963: 132).

Em 1792, José Maurício recebeu a ordenação de padre; nas palavras de Kiefer, “certamente escolheu este caminho menos por vocação do que por razoes que facilitavam o acesso a uma posição que lhe faltavam por nascimento e por sua cor – e a consecução de uma posição econômica relativamente tranquila” (Kiefer 1977: 54).

No ano de 1798, se tornou mestre de capela da Sé Catedral do Rio de Janeiro e, com essa função, o padre compôs novas obras e atuou como cravista, assim como também dirigiu 10 músicos e cantores nas cerimónias da Catedral. Mattos descreve que a música de José Maurício se desenvolvia praticamente dentro da igreja, o que tornava meio inconvincente a sua vocação sacerdotal: “Parecem outras as raízes dessa opção, e atenderiam a impulso de natureza musical, entre as quais o de habilitá-lo melhor a posição de mestre-de-capela” (Mattos 1970: 19)

Como já relatado, no dia 8 de marco de 1808, ao desembarcar no Rio de Janeiro Dom João foi surpreendido com um solene Te Deum na Catedral, regido pelo Pe. José Maurício. Esta realização musical superava em muito o que se podia esperar da colónia portuguesa. Deste momento em diante, o rei passaria a ter uma relação especial com o padre: “o apreço e a amizade de D. João não mais abandonaria o compositor” (Kiefer 1977: 53).

Como já citado, Dom João valorizou muito o trabalho do padre compositor, devido à sua sólida formação musical e humanística, e também pela sua qualidade de pregador. Com isso, o rei lhe ofereceu muitas funções importantes durante o seu governo. Sabe-se que, além de se tornar mestre-de-capela da Capela Real, por decreto real, o padre também foi nomeado como Pregador Régio. Bruno Kiefer relata que Dom João foi responsável pelo crescimento imensurável da produtividade artística do Pe. José Maurício, dando-lhe, além das funções da Capela Real, atuações em outras igrejas, estimuladas, como é compreensível, pelas realizações musicais da Capela Real.

Figura 8 – Henrique Bernardelli (1858 – 1936): Dom João ouvindo o padre José Maurício ao cravo, sd. Óleo sobre madeira, 41 x51 cm.

Fonte: Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro13.

José Maurício foi uma figura ilustre; além da vida sacerdotal e sua boa formação musical, também teve estudos de filosofia. Durante toda sua vida foi um grande compositor, regente, padre-mestre e um importante professor, pois dentre seus alunos, tiveram grandes nomes. Mattos descreve com detalhes que

Em seus bancos sentaram-se algumas das mais destacadas figuras da música: compositores, professores, modinheiros, cantores, copistas, figuras que brilharam na administração do Brasil Império no terreno da organização social como no ensino da música, sem falar na massa dos que se perderam no anonimato das Irmandades, mas deixaram, ao longo do século XIX, no quadro da vida musical do Rio de Janeiro, em diferentes setores, o rastro de perpetuidade da ação profícua do Pe. Jose Mauricio (Mattos 1970: 23).

Segundo Mattos, José Maurício também foi o primeiro guardião do acervo joanino, conforme a citação do autor, pode-se observar na carta de julho de 1822, dirigida a Dom Pedro I:

O ordenado de 600$000 réis que o Suplicante tem, é como Compositor, servindo gratuitamente em outras ocupações, de que S. M. o encarregava, e vêm a ser: Servia e ainda

serve de Arquivista. (…) Suplicante de dia e de noite trabalhou sempre com exatidão nas composições que S. M. lhe mandava fazer para as Funções da Real Capela antes e depois de chegar o Arquivo de Música de Queluz, no que lhe resultou ficar deteriorado na sua saúde até o presente (Mattos 1970: 32 e 33).

Segundo Kiefer, o padre músico compôs cerca de 400 obras, sendo quase totalidade de caráter sacro e uma minoria de estilo profano. Dessas obras, apenas um pouco mais de duzentas se restaram. Grande parte desse material encontra-se na biblioteca da Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro.