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2 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, CIDADANIA E BOM GOVERNO

2.2 QUEM É O CIDADÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

2.2.2 A cidadania no Brasil

Fazendo um retrospecto sobre o exercício da cidadania no Brasil, Carvalho (2001) chama a atenção para o fato de que a liberdade política e a extensão dos direitos sociais não

14 Esse posicionamento resgata a noção de vontade geral de Rousseau, ou seja, aquela obtida através de participação direta do povo.

impediram o desencanto dos cidadãos com as instituições. Na sua obra Cidadania no Brasil: o

longo caminho (2001, p.12), ele afirma que, no Brasil, os direitos sociais precederam os demais

direitos, e a evolução histórica brasileira não contribuiu para a criação de cidadãos ou de pátria brasileira pelo predomínio da grande propriedade privada e do regime de escravidão.

Na sequência, o autor coloca que o direito ao voto, com exclusão dos analfabetos, das mulheres, dos religiosos e dos militares e ainda considerando faixa de renda implicava em direitos políticos a cerca de 2% da população em 1894, ou seja, o Estado se encontrava preso aos interesses privados. A partir de 1930, surgem propostas inovadoras e os direitos sociais avançam rapidamente com a criação do Ministério do Trabalho, contudo, os direitos políticos e civis não tiveram a mesma evolução em especial pela suspensão da liberdade de expressão e de organização impostos pela ditadura.15

A partir destas constatações, Santos (1987), sugere uma categoria básica para a compreensão da política econômica-social brasileira pós 1930. Essa categoria ou "conceito- chave" é o de "cidadania regulada"16.

A Constituição de 1946 manteve as conquistas sociais garantiu os direitos civis e políticos, tanto que, além da participação do povo na política, iniciaram-se organizações sindicais, ligas camponesas e de outras associações.

Novo retrocesso ocorre com o período de ditadura, com restrições à liberdade de reunião, a censura prévia aos meios de comunicação. Embora tenha havido crescimento econômico no período, houve distribuição desigual, o que aumentou as desigualdades. Novamente, então entram em cena os direitos sociais com a criação do Instituto Nacional de Previdência social e o Fundo de Assistência Rural (Funrural).

15 Para o autor, até mesmo a organização sindical foi prejudicada, pois a ditadura insistia na ideia de cooperação entre trabalhadores e patrões supervisionada pelo Estado (CARVALHO, 2001, p. 109).

16 Segundo o autor, cidadania regulada refere-se ao conceito de cidadania “cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação social, e que ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do espaço dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece. [...] A associação entre cidadania e ocupação proporcionará as condições institucionais para que se inflem, posteriormente, os conceitos de marginalidade e de mercado informal de trabalho.” (SANTOS, 1987, p.89).

Para Carvalho (2002), os governos militares repetiram a tática do Estado Novo no que respeita à relação entre direitos sociais e políticos: ampliaram os direitos sociais e restringiram os políticos.17

A Constituição de 1988 restabelece a preocupação com a garantia dos direitos civis e políticos, contudo, a democratização do país não resolve de pronto os problemas resultantes das desigualdades econômicas e sociais. A falta de uma organização ampla da sociedade ainda faz prevalecer interesses corporativos de funcionários públicos, grandes corporações. Além disso, as grandes decisões políticas e econômicas na atualidade são determinadas por interesses externos ao ambiente nacional.

Para Kerstenetzky (2012), é possível reconhecer três ondas longas de inovação institucional e difusão de direitos no Brasil: os anos de bem-estar corporativo, entre 1930 e 1964, que implicaram no desenho e implementação das legislações trabalhistas e previdenciárias, fase que se estende de modo principalmente inercial e incremental entre 1946 e 1964; o período de universalismo básico, compreendido entre os anos 1964 e 1984, quando se unificou e estendeu, de modo diferenciado, a cobertura previdenciária para estratos sociais tradicionalmente excluídos e se criou um segmento privado simultaneamente a um público na saúde, este último voltado para os não cobertos pelos segmentos contributivo e privado; e o período pós-1988, com a institucionalização da assistência social, a fixação de um mínimo social, a extensão da cobertura previdenciária não contributiva, a criação do Sistema Único de Saúde e, mais recentemente, a política de valorização do salário-mínimo, prenunciando não sem percalços um universalismo estendido (KERSTENETZKY, 2012).

Cleve (1990) aponta que, na atualidade, somando-se as técnicas da democracia representativa com a democracia participativa, abre-se espaço para o cidadão atuar, direta e indiretamente, no território estatal. No entanto, incentivar uma cultura de participação, ou seja, uma cidadania ativa, requer não apenas assegurar o direito à participação no pleito eleitoral, mas principalmente incentivar a postura participativa do cidadão nas decisões políticas que interferem no seu cotidiano.

Contudo, a capacidade de fazer escolhas implica na existência de condições prévias, como colocaria Habermas (1997), isto é, um conjunto de direitos básicos previamente satisfeitos. Sem um conjunto de garantias básicas para a própria sobrevivência, a autonomia

17 Também para Célia Lessa, sob a égide do regime militar, houve uma orientação universalizante das políticas sociais, uma vez que alguma proteção previdenciária foi estendida aos trabalhadores rurais e às empregadas domésticas e aos autônomos, e que há a unificação do sistema previdenciário público do país, com a montagem de segmentos públicos e privados de saúde complementares ao segmento contributivo. (KERSTENETZKY, 2012).

não existe.18 Para tanto, é importante reconhecer as relações sociais de exclusão e dos meios de combater sua permanência quais sejam o conhecimento19 e a organização política.

Gomes (2005, p.59) elenca alguns requisitos necessários para promoção dessa participação:

a) Volume adequado de conhecimento político estrutural e circunstancial e um estoque de informações não distorcidas e relevantes, suficientes para habilitar o cidadão a níveis adequados de compreensão de questões, argumentos, posições e matérias relativas aos negócios públicos e ao jogo político.

b) Possibilidade, dada aos cidadãos de acesso a debates públicos já começados e possibilidade de iniciar novos debates desta natureza, onde a cidadania deveria exercitar a oportunidade de envolver-se em contraposições argumentativas, de desenvolver os seus próprios argumentos, de envolver-se em procedimentos deliberativos no interior dos quais pode formar a própria opinião e decisão políticas.

c) Meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou em grupos de pressão – mediante ações como voto, afiliação, comparecimento a eventos políticos ou através de outras atividades políticas nacionais ou locais;

d) Habilitação para oportunidades eficazes de comunicação da esfera civil com os seus representantes (em nível local, nacional ou internacional) para deles cobrar explicações e prestações de contas.

Estas condições referem-se precipuamente à competência do Estado como elemento incentivador, contudo, também é importante reconhecer que cabe aos indivíduos também um movimento ativo na busca pelos espaços de participação.