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4 COMUNICAÇÃO PÚBLICA – ENTRE O ACESSO À INFORMAÇÃO, A

4.6 A CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO EMANCIPATÓRIA A PARTIR DAS

4.6.1 Proposta de construção do acesso à informação a partir de um processo construtivo

A partir das lições de Freire e Habermas, pode-se concluir que a construção de um portal de acesso à informação, planejado de forma a dar publicidade unicamente à visão do poder público sobre a cidade e sobre a melhor forma de condução do governo, não se prestará a ser um instrumento de emancipação.

134 Também Arendt (1981, p.19-20) aponta que o espaço público só pode ser construído pela ação e pelo discurso através do qual eventos, fatos e acontecimentos podem ser registrados, narrados, transmitidos e transformados em uma história comum; coloca que por mais que as coisas do mundo possam nos afetar, emocionar ou estimular, só se tornam humanas de fato quando podemos debatê-las com nossos semelhantes.

135 Para o autor, na ação comunicativa os atores usam a linguagem com vistas a alcançar o entendimento, e deste modo a linguagem é usada como instrumento de integração social. Já na ação estratégica a linguagem é usada como meio de barganha em interesses relacionados com o poder, e por isso funcionam como falas puramente retóricas, ou colocações insinceras, como gratificações ou ameaças. (HABERMAS, 2005).

A construção unilateral acabará por repetir as mesmas falhas do portal de transparência, servindo apenas para alguns poucos que tiverem o “saber” e o “poder” de entender as informações ali contidas. Pode servir à perpetuação da visão do cidadão como cliente, oferecendo-lhe serviços e mostrando a forma como deve pagar por estes. Neste caso, as informações apenas seriam transmitidas ao cidadão, sendo ressaltadas as qualidades do governante como o melhor fornecedor de bens e serviços, tais como esmolas “aqueles que não têm como prover tais serviços por si mesmos”.

Pode, ainda, colaborar para a inclusão da ideia de cidadão fiscal, ou seja, aquele que deve olhar para a política apenas para verificar se valores foram bem gastos e se houve roubo ou corrupção, situação que favorece o desinteresse pela gestão, uma vez que se apresenta como árdua para compreensão e com consequências relevantes para o convívio social, em especial na esfera municipal, gerando perseguições, intrigas, na medida em que o governante ora é apresentado como honesto e probo, ora como ladrão e corrupto.

Nestas duas representações, novamente presente a figura do opressor e do oprimido. Nem mesmo a segunda situação – cidadão fiscal – se apresenta como adequada neste caso, posto que implica na transformação do cidadão oprimido pelas mazelas que Estado lhe impõe, em opressor do opressor. Trata-se, como Freire coloca, de repetição do problema.

Considerando as possibilidades da tecnologia em aproximar pessoas, o portal pode vir a ser instrumento da construção de uma educação cidadã, colaborando para uma participação efetiva na gestão. Essa educação cidadã, na concepção pedagógica de Paulo Freire, é dirigida ao compromisso com a educação que não implique em moldar o consenso, mas em promover a conscientização do indivíduo.

O que temos que fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível de ação. Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores. Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. (..) A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (FREIRE, 2016, p.147)

Neste caso, a construção do portal envolveria governos, indivíduos, movimentos sociais empresas e demais entidades organizadas, ora atuando como educadores ora como educados, onde não se reproduza um discurso bancário sem preocupação de formar uma consciência crítica, com vistas à alienação. Essa educação cidadã deve ter como norte a razão de ser dos fatos econômicos, sociais, políticos ideológicos, históricos, que envolvem a vida local e cuja melhoria depende do enfrentamento da realidade.

Ao invés de trazer um mundo idealizado, funcionando como um relógio e com gestores iluminados, é necessário dar espaço ao que existe e, sobretudo, ao que falta, a partir do que é colocado pelos habitantes da cidade. Os usuários dos portais não podem ser vistos como clientes dos programas de governo, mas como atores importantes para a crítica e aprimoramento das ações.

Pensar em consenso único, em padronizações, se opõe ao respeito às culturas locais. O que serve a uma cidade de um milhão de habitantes, talvez possa não servir àquela de que tem 10 mil. Evidentemente, um processo desta natureza não é fácil, a construção de capital social, a emancipação do cidadão é uma tarefa árdua e implica em confronto de tensões, em desenvolvimento de sensibilidades, um trabalho que ultrapassa os limites de um programa de governo. Quanto maior for a participação, melhores serão as condições de desenvolvimento de uma vida melhor, embora esse ideal nunca seja alcançado, pois o processo não pode parar, devendo sempre ser objeto de crítica e de movimento.

A própria construção desta política de comunicação deve ser informada e não apresentada como algo pronto, mas também como uma proposta a ser construída entre o órgão público independentemente de quem seja o seu gestor e a sociedade.

A construção dialógica de um portal de acesso a informações, utilizando profissionais técnicos do poder público, mas também outros profissionais das áreas de ciências sociais, educação, psicologia, comunicação em conjunto com grupos representativos da comunidade (associação de pais, associações profissionais, movimentos sociais, entre outros), além de contar com a possibilidade de intervenção dos próprios cidadãos, pode resultar em um instrumento que atenda não só o objetivo de fornecer informação, mas também o de colaborar para os processos de fiscalização, além de promover o incentivo a busca de direitos, a crítica de situações e melhoria das condições de vida. O espaço do portal do ente público se constituiria com o espaço de deliberação e decisão, a partir da reunião dos argumentos apresentados.

O pensar a palavra ESCOLA pode gerar uma ampla discussão a respeito do número de escolas existentes no Município, como se dá o ingresso, a importância do estudo, o trabalho do professor, do pedagogo, da supervisão e da direção da escola, sua valorização, a forma de organização do local, a sustentabilidade das ações, a contribuição das associações de pais e dos Conselhos de educação e de merenda escolar, o horário das aulas e sua compatibilidade com o horário de trabalho dos pais, a eficiência do transporte escolar, o cardápio da merenda e os produtores locais, o material escolar, os uniformes, o fomento ao empreendedorismo e a produção local. Um mundo de relações que se interconectam e que merecem ter voz, participar do diálogo.

Essa discussão implicará na reflexão sobre sua qualidade de ser humano, munícipe e sua relação com a escola municipal, com seu direito à educação de qualidade, apontando o que significa a qualidade da educação, o que ela compreende quais os entraves para sua realização, e como a comunidade em conjunto em conjunto com o governo, pode atuar para resolver as dificuldades e transformar a realidade. O produto deste diálogo, essa comunicação, é a efetiva informação que deve atingir o maior número de pessoas, de forma que possa fomentar novas reflexões e novas contribuições, no trabalho que se constrói e reconstrói a cada dia.

É que a linguagem do educador ou do político (e cada vez nos convencemos mais de que este há de tornar-se também um educador no sentido mais amplo da expressão) não existem sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem referidos. Desta forma, para que haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do povo, dialeticamente se constituem. Daí também que o conteúdo programático para a ação, que é de ambos, não possa ser de exclusiva eleição daqueles, mas deles e do povo. (FREIRE, 2016, p.147)

A informação não é estanque, ela se altera na medida em que as ações de gestão vão se realizando, ora para demonstrar o atendimento das expectativas ora para justificar alterações no percurso, indicando os motivos e novamente, fomentando novos diálogos. Neste sentido, se recria a esfera pública da ação comunicativa de Habermas. Essa esfera pública não é uma instituição ou organização, constitui-se de foros ou arenas onde associações sindicatos, partidos políticos, organizações não governamentais apresentam, de forma discursiva, suas opiniões, através da imprensa e de outros mecanismos de divulgação em massa (CRUZ, 2008, p.119- 120). Desse modo, é importante a abertura dos fóruns de discussão, das audiências públicas, que possibilitem a coordenação de ações, na busca de um acordo, onde prevaleça o melhor argumento (HABERMAS, 2003, p.36).

Uma das críticas mais frequentes ao modelo procedimental de Habermas reside na impossibilidade de se estabelecer um consenso nas sociedades modernas e plurais (HABERMAS, 2003, p.36). O autor não desconhece esta dificuldade em face das diversas concepções de bem, e por isso reforça a necessidade do processo comunicativo, em que, através de regras e procedimentos, cidadãos racionais, mesmo que não vejam todos os seus interesses individuais atendidos, aceitam o direito criado de forma racional e pública (2003).

É evidente que este percurso pode sofrer influência de ideologias, de interesses de um determinado grupo, contudo, a exteriorização dos procedimentos, sua abertura ao debate, tornam os riscos menores que aqueles produzidos por colocações unilaterais oportunas. Além

do que, por não ser uma situação estanque, mas pelo contrário um intenso movimento de criar e recriar, implicará em constante aprimoramento.

Não se tem a ilusão de que essa mudança pode ocorrer do dia para a noite e nem que se produza a partir de uma alteração no texto legal. São mudanças que podem ocorrer com a prática. “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.” (FREIRE, 2003).

Um portal de acesso construído a partir do intenso diálogo com a sociedade pode potencialmente produzir sujeitos democráticos, ou seja, cidadãos aptos a participar das decisões da administração porque conscientes de sua posição, conscientes do contexto em que vivem e interessados em ser agentes de transformação.

5 ANÁLISE DOS PORTAIS DOS MUNICIPIOS DO PARANÁ. OS PORTAIS SÃO