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2 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, CIDADANIA E BOM GOVERNO

2.1 A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

O surgimento de complexas redes tecnológicas voltadas à produção, ao uso e a distribuição da informação, para gerar conhecimento e riqueza, resulta em um novo paradigma de sociedade, onde a centralidade do controle de processos industriais seria substituído pelo processamento e manejo da informação.

Diversas são as terminologias utilizadas ao longo do tempo para definir o atual estágio da sociedade. Expressões como “Sociedade do Conhecimento” (DRUCKER, 1994), “Sociedade da Aprendizagem” (LÉVY, 1999), “Sociedade em Rede” (CASTELLS, 1999), “Sociedade da Informação” (TAKAHASHI, 2000) e, mais recentemente, “Sociedade Informacional” (CASTELLS, 2000), “Era da Informação” (CASTELLS, 2000) entre outras foram usadas para caracterizar a sociedade.

A definição do que seja sociedade da informação não é tarefa fácil. Arthur Castro Neves (2007) aponta que tal dificuldade não é nova e já ocorria quando da conceituação da “sociedade capitalista”, por diversos motivos entre eles o conjunto de fatores do seu contexto. O conceito de sociedade capitalista era influenciado pelas configurações de outros conceitos, tais como luta de classes, esclarecimento das elites, modos e ritmos de acumulação, entre outros. Da mesma forma, a definição de sociedade da informação é influenciada por conceitos de comunicação em rede, integração de sistemas eletrônicos, linguagem computacional, tecnologias

Após a Segunda Guerra Mundial, a expansão do modelo capitalista a partir da produção e consumo em massa espalha-se pelos países desenvolvidos. O que antes era luxo, tornou-se padrão desejado nos países ricos (a geladeira, a lavadora de roupas, o telefone). O cidadão

médio poderia vivenciar o conforto dos ricos. Contudo, nos países do Terceiro Mundo, a população ainda sofria carência de alimentos e produtos (HOBSBAWN, 2005, p. 259-260).

A expansão econômica dá impulso às inovações e diversificação de produtos e materiais que antes utilizados na guerra eram agora adaptados ao uso civil (plástico, alimentos enlatados, motores a jato). A forma de produção, contudo, até 1970 estruturava-se nas velhas tecnologias de industrialização do ferro, aço, carvão, petróleo. A pesquisa e a evolução tecnológica ganham ênfase somente após 1973, com o desenvolvimento de tecnologias de informação e da engenharia genética (HOBSBAWN, 2005, p. 266).

Para a manutenção deste estado de bem-estar, os trabalhadores precisavam ser bem pagos e protegidos por leis e sindicatos atuantes, e benefícios do Estado, para consumir a produção. Esses custos refletem nos lucros do mercado, o que fomenta a busca por novas formas de produção. Neste contexto, o desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte contribuíram para o surgimento de uma economia transnacional, na medida em que permitiram o deslocamento da produção para outros locais com mão e obra mais barata.

Para Castells (2002, p.143), a infraestrutura criada pela tecnologia da informação, aliada às políticas de desregulamentação e liberalização dos governos, possibilitou ao final do século XX a criação de uma economia global, “uma economia cujos componentes centrais têm a capacidade institucional, organizacional, e tecnológica de trabalhar em unidade e tempo reais, ou em tempo escolhido, em escala planetária.

A partir de 1973, o aumento do preço do petróleo passa a produzir incertezas na economia mundial, com aumento das desigualdades, do desemprego. Começam a surgir, então, as críticas ao modelo.

Os keynisianos afirmavam que altos salários, pleno emprego e o Estado de bem-estar haviam criado a demanda de consumo que alimentava a expansão e que bombear mais demanda na economia era a melhor forma de lidar com depressões econômicas. Os neoliberais afirmavam que a economia e a política da Era do Ouro impediam o controle da inflação e o corte de custos tanto no governo quanto nas empresas privadas, permitindo que os lucros, verdadeiro motor do crescimento econômico numa economia capitalista, aumentassem (HOBSBAWN 2005, p.399). A década de 80 caracteriza-se pelo surgimento de setores novos na economia, influenciados pelas novas tecnologias, facilitando a internacionalização da economia que compromete a gestão nacional da demanda. A economia passa a ser marcada pela flexibilidade do capital e flexibilização das relações de trabalho. A produção passa a ser segmentada e distribuída em diversos locais do mundo, escolhidos em face dos baixos salários e pequenas exigências ambientais. Esse novo capitalismo se estrutura a partir de indústrias de alta

tecnologia (o que faz com que as gerações que antes entravam no mercado de trabalho sem qualificação passem a não ter colocação), economia de serviços e atividade artesanal.

Ao mesmo tempo, tornam-se visíveis e cada vez mais acessíveis os avanços na comunicação através do ciberespaço. A princípio, a finalidade do ciberespaço era a defesa nacional, vez que produto da revolução tecnológica que se iniciou nos anos setenta, com o desenvolvimento pela Agência de Projetos de Pesquisa avançada do Departamento de Defesa Norte Americano (ARPAnet), em conjunto com universidades americanas para construção de um sistema de compartilhamento de informações que acabaria dando origem à futura internet. A ARPAnet (nome dado a esta primeira rede) foi aos poucos se ampliando e, em 1990, com o desenvolvimento do sistema de navegação world wide web (www), por Berners Lee, a internet tornou-se mais acessível às pessoas (CASTELLS, 2005).

De acordo com Castells (2005), o uso das tecnologias de informação alterou a organização das sociedades mundiais, pois a infraestrutura de informação passa a determinar a maior ou menor atratividade de uma localidade para investimentos e negócios.

Essa reestruturação não foi homogênea, havendo diferentes configurações, sendo a produção do capital financeiro caracterizada por: a) polos de alta tecnologia, b) cidades globais e c) polos de crescimento (CASTELLS, 2005).

Os polos de alta tecnologia são os meios que permitem a inovação e a geração de valor agregado no processo de produção industrial. A presença destes polos acaba por determinar se ela será ou não inserida no sistema produtivo mundial, influenciando no desenvolvimento social e o padrão de vida da população que habita no local. Contudo, a integração das pessoas na economia global não é uniforme, pois a integração depende de qualificação e conhecimento, o que exclui parcela considerável da população em países de forte desigualdade social (CASTELLS, 2005).

Desse modo, a revolução tecnológica transformou as sociedades mundiais, dando origem à sociedade da informação. Esta sociedade tem sua base nas tecnologias de informação e comunicação, onde o conhecimento emerge como elemento central do processo gerador de desenvolvimento econômico e social. Os indivíduos, organizações, governos que têm melhores condições de competir e atender seus objetivos são os que conseguem gerir a informação de forma adequada. A informação, corretamente assimilada, traz benefícios ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento da sociedade.

Masuda5, em 1980, fazendo um levantamento de diversos projetos de desenvolvimento de tecnologias voltadas para a informação aponta o caráter e a estrutura da sociedade dominada pelas inovações, de forma bastante otimista. Relaciona 17 características desta sociedade em comparação com a sociedade industrial, entre elas as seguintes: a) ao contrário das transformações do passado ligadas a uma produtividade física, as novas alterações decorrerem da produtividade informacional; b) a sociedade da informação se caracterizaria pela produção automatizada em massa de informação, tecnologia e conhecimento; c) a fronteira do conhecimento se torna o mercado, e o sistema sócio econômico se voltaria para o capital público e recursos humanos voltado para o conhecimento; d) o sistema político ao invés de centrar-se no parlamento e nas regras da maioria, se transformaria em uma democracia participativa, baseada no acordo e na sinergia; e) as mudanças sociais não seriam alavancadas por sindicatos, mas sim por movimentos dos cidadãos; f) os problemas sociais como desemprego, guerras, ditaduras seriam substituídos por situações de invasão de privacidade, sequestros e a criação de uma sociedade controlada; g) o consumo transmuda-se em conhecimento e a busca de satisfação dos objetivos tornar-se-ia o novo padrão universal de valor. Por fim o autor coloca que o espírito da sociedade da informação será o de uma simbiose do homem com a natureza vivendo em harmonia (MASUDA, 1982, p. 46-62).

Esse modelo de sociedade vislumbrado pelo autor ainda não se concretizou, persistindo ainda a reprodução, sob outra escala das assimetrias, pois o uso das tecnologias não implica em produzir imediatamente benefícios ou prejuízos para a população, contudo, a forma como tem se desenvolvido no mundo tem gerado exclusão e concentração da riqueza.

Mattelart (2002), na sua obra História da sociedade da informação, apresenta um olhar crítico sobre as promessas alardeadas, Inicia apresentando um percurso histórico do desenvolvimento desta sociedade, apontando num primeiro momento, a sociedade inspirada pelo culto aos números com foco nos métodos matemáticos, num segundo momento mostra a sociedade como indústria com o poder da técnica e; no terceiro a sociedade das redes, buscando a universalização até à sociedade da informação com o paradigma das tecnologias de informação e comunicação.

O autor questiona as promessas de um mundo mais solidário e democrático na medida em que demonstra que a sociedade da informação traduz um projeto de uma minoria dominante,

5 Yoneji Masuda foi designado pelo Governo do Japão em 1972 como diretor do Plano para Sociedade da Informação – um objetivo nacional tendo em vista o ano 2000. Seus relatos sobre o desenvolvimento do plano, bem como outras experiências internacionais constam do livro Sociedade da Informação como sociedade pós- industrial (MASUDA, 1982).

centrado na ideia de que a maioria seria atendida em suas necessidades na sociedade da informação. Concorda que o desenvolvimento informacional vem integrando as sociedades, contudo, os benefícios ainda não se demonstram de fato, situando-se muitas vezes no imaginário.

De acordo com Castells (2005), vive-se uma Revolução Informacional e Tecnológica, atribuída a uma evolução associada a grandes redes comunicacionais que interferem em diversas esferas sociais (economia, política cultura). A forma como se realiza a comunicação transforma a própria experiência humana. As sociedades, segundo o autor sempre viveram em redes, no entanto, o avanço tecnológico proporciona um avanço nas comunicações, que insere a sociedade na era da informação e do conhecimento.

Para o autor, a era da informação é marcada por um conjunto de transformações na sociedade, na economia e na cultura, oriunda do aceleramento das transformações na tecnologia da informação iniciadas na década de 70 do século passado, sobretudo nos Estados Unidos, que podem marcar a superação da sociedade industrial. A informação é o produto do processo produtivo do novo paradigma tecnológico. O autor faz um alerta para um novo modo de estratificação social imposto pelos grupos informatizados e conectados que excluem os não conectados.

Esse desenvolvimento tecnológico revolucionou as relações sociais, que, doravante, transcorrem em meio a intenso fluxo global e virtual de informações, comunicações e interações. A tecnologia da internet e da comunicação sem fio permitem interações simultâneas entre pessoas que se encontram espacialmente distantes. As dimensões de espaço e tempo são encurtadas. Assim, a internet constitui livre espaço público de informações, que possibilita a produção, armazenamento e transferência instantânea de informações de um ponto a outro dessa rede eletrônica. Há uma massificação do acesso à informação e da comunicação entre pessoas, que constitui redes de comunicação para múltiplos propósitos: comércio, ativismo político, social e religioso, entretenimento e relações pessoais. A formação de redes digitais amplifica e intensifica a comunicação entre as pessoas, viabilizada pela partilha de informações (CASTELLS, 2005, p. 11).

Castells aponta inclusive para as novas possibilidades de exercício da democracia com o uso das novas tecnologias que tornariam obsoletas as disputas políticas, alertando, porém, sobre os riscos da demagogia e da tirania. Estes riscos seriam reduzidos com o aumento da comunicação horizontal entre as pessoas e com o incentivo à participação política.

Discutindo estas questões Bauman (2007) salienta que a nova ordem do capitalismo deu origem a uma elite global desterritorializada, que circula em uma ordem internacional, sem compromissos com o local e com as comunidades menos favorecidas.

A UNESCO se refere a esta sociedade como aquela na qual as pessoas tenham capacidade não apenas para adquirir informações, mas também para transformá-las em conhecimento e compreensão, o que as empodera para melhorarem seus meios de subsistência e contribuírem para o desenvolvimento social e econômico de suas sociedades. A organização adverte, porém, que existem obstáculos a vencer para a realização deste objetivo entre eles o acesso à informação, a liberdade de expressão, o respeito à privacidade e o estabelecimento de uma ética na rede (UNESCO, 2017).

As mudanças trazidas pela sociedade da informação acontecendo de forma rápida e incorporando-se à vida das pessoas, passam a criar um modelo de convivência diverso, onde indivíduos agem e compartilham experiências com outras pessoas sem as limitações de tempo e espaço.

Dessa maneira, o uso de redes sociais e dos sites da internet, em tese, pode promover maior acesso à informação e aos meios de comunicação e abrir novas possibilidades – já percebidas e exigidas pela sociedade – de partilha de informações produzidas e armazenadas na órbita estatal. Esse contexto nos leva a refletir sobre o exercício da cidadania nesta sociedade complexa.