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IMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA A CIDADE

4.2. CIDADE MAURÍCIA

Em 1631, os holandeses desembarcaram na praia de Pau Amarelo, invadiram Olinda e a incendiaram e se estabeleceram no porto do Recife, que até aquela oportunidade servira simplesmente como escoadouro da produção de açúcar. Em 1637, chega o novo governador holandês, Conde João Mauricio de Nassau, visto por Bueno como um governante: “Tolerante,

competente, dedicado e ágil, Nassau fez um governo brilhante. (...) O povo o comparava a Santo Antônio, a quem ninguém recorria sem se ver atendido‖.

(Bueno, 1977, p.59).

Sua opção por Recife é narrada pelo geógrafo Josué de Castro, nos seguintes termos:

Começou o novo governador por ir habitar a ilha de Antonio Vaz, sendo, sob sua orientação, traçado iniciado um plano da ilha, para levantamento da cidade, que os conselhos políticos decidiram chamar de Mauritzstadt, em homenagem ao seu fundador. Essa área passou a ser o centro cívico do núcleo urbano, situação que hoje ocupa na estruturação funcional da cidade do Recife. Antonio Vaz era uma ilha colocada estrategicamente entre os dois rios – o Capibaribe e o Beberibe – em cujos vales prosperava maravilhosamente a indústria do açúcar, cujo produto descia em barcaças por seus leitos navegáveis e situada em frente ao porto natural, abrigado a curta distancia dos arrecifes – numa situação verdadeiramente ideal.

(CASTRO apud SINGER, 1978, p. 282).

A análise de Castro apresenta, ainda, outras razões:

O sistema defensivo da cidade Maurícia, composto do lado que olha para o continente, em alimento quebrado, com fossos e paliçadas e com seus batiões a distancias regulares, é absolutamente idêntico ao que se apresentava cercando Amsterdã, bem mais ampla, de 1667... do lado de fora desta muralha, na parte norte da ilha, fez Nassau levantar o seu famoso castelo de Vrijburg (Cidade da Liberdade), com suas duas altas torres, servindo uma de farol, que era avistado do mar, numa distância de 5 a 6 milhas. Ao lado do palácio, uma ampla área do terreno... plantou Nassau o Jardim Botânico da cidade... foi para esse parque que Nassau transportou 700 coqueiros adultos, os quais, já no ano seguinte frutificavam com abundancia. Do lado oeste da cidade, voltado para o continente, levanta Nassau seu outro palácio (o de verão), chamado castelo da Boa Vista. Ligou também esse notável administrador à cidade Maurícia ao Recife e ao continente, por meio de duas pontes,

procurando destarte solidarizar as diferentes vias de comunicação que convergiam para o porto. As linhas de orientação dessas pontes marcavam a direção da expansão da cidade e, quando depois, com a expulsão dos holandeses, o plano nassoviano foi abandonado e voltou-se ao desarranjo e a vontade do crescimento à portuguesa, sempre uma diretriz nesse crescimento, do qual resultou ser o Recife ainda hoje uma cidade radioconcêntrica, como a planejaram tornar no futuro os grandes urbanistas dos paises baixos. (CASTRO apud SINGER, 1978,

p.282).

A escolha do território do Recife, como sede do governo, denunciou uma visão distinta da portuguesa, que preferira situar a sede de seu governo nas colinas de Olinda, como uma estratégia de defesa. Os holandeses, ao decidirem por Recife, indicaram, em primeiro lugar, domínio de tecnologia de edificações de cidades em áreas de baixios e rios como é o caso das cidades holandesas e, em segundo, uma opção de racionalidade econômica nova, voltada decisivamente para a exportação, sem preocupações de se estabelecerem em definitivo no sítio, como fizera o colono português.

De acordo com Gonsalves de Mello, autor do livro clássico „No Tempo dos Flamengos‘, os holandeses moveram-se unicamente pelo propósito de explorar a riqueza.

Os holandeses não se tinham apoderado do Brasil com a intenção de colonizá-lo (...) para aqui se transferir com as famílias e estabelecer um renovo de pátria: movia-os, sobretudo o interesse mercantil. (MELLO apud BUENO, 1997,

p.64).

O futuro príncipe governou a capitania apenas sete anos (1637-1644), mas introduziu grandes inovações, além da mencionada acima, no âmbito urbanístico. Trouxe na sua corte, profissionais, cientistas, artistas e pintores, os quais revelaram e divulgaram para a Europa de então, o conhecimento da geografia, da flora, da fauna e dos costumes e hábitos dos indígenas, habitantes deste novo mundo, o mundo das Américas.

Sobre esses eruditos, diz Rezende:

O grupo de sábios e letrados trazidos por Nassau deu contribuições até hoje importantes. Guilherme Piso escreveu a História Natural e Médica da Índia Ocidental e

Marcgrave, História Naturalis Brasilae que revelou aspectos desconhecidos da natureza do Brasil. Estudos sobre a fauna e a flora existentes foram desenvolvidos, além de análises das doenças tropicais e suas possíveis curas. Dois pintores, Frans Post e Albert Eckhout, retrataram as paisagens e os tipos humanos brasileiros. Além disso, Nassau estimulou a produção em outras áreas do conhecimento, chegando a construir o primeiro observatório astronômico aqui existente. (2005, p.46-47).

Em 1654, os holandeses48 são expulsos da capitania, e este evento criou no imaginário do povo pernambucano, a idéia de nação brasileira formada da luta contra esses estrangeiros, devido aos esforços das quatro raças presentes na capitania: o mazombo nascido no Brasil, de nome André Vidal de Negreiros; o índio Antônio Felipe Camarão, o branco, João Fernandes Vieira, nascido na ilha da Madeira e Henrique Dias, de origem negra.

Com a derrota dos batavos49, o Recife já abrigava 6.000 habitantes e despontava como a segunda cidade brasileira, e uma das mais modernas sob o ponto de vista urbanístico. Durante o próximo século, a emergente burguesia50 comercial recifense, de origem portuguesa, substitui os holandeses no financiamento das safras de cana para o açúcar, e enriquece às custas da chamada nobreza açucareira e, assim, altera-se, da mesma forma, o

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No tocante à presença holandesa e sua influência em Pernambuco existe uma

grande produção de estudos e pesquisas nos mais diversos campos. Da bibliografia sugerida por Rezende, 2005, destacamos as seguintes obras: BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oitos anos no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1974; CASTRO, Josué de. A Cidade do Recife - ensaio de geografia urbana. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil; MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, (1639-1654). São Paulo/Rio de Janeiro: EDUSP/Forense, 1975. Rubro veio. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997; MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos. 3. ed. (revista e aumentada). Recife: Massangana, 1987; SILVA, Luiz Geraldo da. O Brasil dos holandeses. São Paulo: Atual, 1997.

49 A despeito da derrota, quase um século depois, a diplomacia portuguesa e

holandesa firmaram um acordo do qual resulta uma indenização para o país baixo. Assim, informa Bueno: “Em 1661, a Holanda recebe quatro milhões de cruzados de

Portugal e retira-se definitivamente do Brasil.” (1977, p.314).

50 A expressão burguês usada aqui deriva da conceituação de Florestan Fernandes

segundo o qual o burguês no Brasil surge como típico morador das cidades (burgo) desempenhando dois papeis: “seja como agente artesanal inserido na rede de

mercantilização da produção interna, seja como negociante não importando muito seu gênero de negocio: se vendia mercadorias importadas, especulava com valores ou com o próprio dinheiro‖. (FERNANDES, 1975, p.18).

cenário político, social e econômico da nascente cidade, como informa Rezende abaixo:

Houve uma marcante imigração de portugueses para o Brasil com o fim da União Ibérica, desligando Portugal da Espanha. Muitos vieram em busca de riqueza, com objetivos de fixar-se na colônia e nela investir suas economias. Outros, como funcionários da administração colonial, burocratas encarregados de melhorar os lucros da metrópole, ou militares, com a finalidade de manter a ordem ou combater os possíveis invasores. Mudava, portanto, a população colonial e em alguns lugares tornava-se mais densa. É visível o crescimento do Recife na primeira metade do século XVIII. Em 1711, estima-se que 16 mil pessoas moravam no Recife, enquanto em 1745, a população chegava a 25 mil habitantes. Não é de se estranhar o crescimento. O porto mantinha sua importância e o comércio prosperava. Muitos desses portugueses vindos para o Brasil, estabeleceram-se nas terras recifenses, substituindo os holandeses no financiamento da produção do açúcar e no tráfico de escravos. (2005, p.52).

O Recife conheceu, nas décadas seguintes, o protagonista comercial tratado como Mascate, o qual tomará parte ativa no progresso da cidade.

Graças à prosperidade da cidade, em 19 de novembro de 1709, Carta Régia51 outorga privilégio de Vila ao povoado do Recife, reforçando a expressão política dos reinóis, moradores do então povoado, e assim irrompe, em 1710, a Guerra dos Mascates, que significou o recurso à via bélica para resolver o conflito de interesse entre o engenho e a loja, vale dizer, entre a classe dominante portuguesa abrasileirada, já estabelecida na economia da cana e o novo, imigrante português burguês em gestação, oriundo daquele fluxo migratório acima referido. A respeito do conflito, o historiador Evaldo Cabral de Mello declara:

A confrontação entre a loja e o engenho tendeu principalmente a assumir a forma de uma contenda municipal, de escopo jurídico-institucional, entre um Recife florescente que aspirava à emancipação e uma Olinda decadente que procurava mantê-lo numa sujeição irrealista. Essa ingênua

fachada municipalista não podia, contudo resistir ao embate dos interesses em choque. Logo se revelou o que realmente era, o jogo de cena a esconder numa luta pelo poder entre o credor urbano e o devedor rural, oposição mais intensa entre nós do que em qualquer outro rincão da América portuguesa. (1995, p.123).

Como resultado desse papel de intermediário no financiamento da produção da lavoura da cana associado ao fato de ser o Recife um centro importador de produtos do reino, em Pernambuco, os reinós viverão em estado latente de conflito com a açucarocracia (expressão empregada por Mello) para referir-se à classe dominante do açúcar - e tal tensão perpassará todo o período colonial e se manifestará, aqui e acolá, sob outros pretextos, somente encerrando-se no período da Republica. Retornando à atmosfera da Guerra dos Mascates, é interessante fazer-se dois registros.

Em primeiro, definir o que era considerado mascate nesta fase da economia das cidades rivais e, em segundo, revelar o grau de tensão existente entre as duas cidades, ou classes.

A caracterização da figura mascate está bem elaborada no texto abaixo, publicado em 1914, na cidade de Lisboa, de autoria de Dr. Vicente Ferrer (1914) 52:

Nas sociedades atrasadas, que ainda não gosão todos os benefícios da civilização; quando os habitantes estão espalhados em vastas propriedades distantes dos poucos centros populosos, sem fácil comunicação, o commercio ambulante, a mascateação necessariamente sobreleva. (...)

Sob esta alcunha entrarão na história e com ella devem ficar os habitantes do Recife, em 1710, que na defesa de sua justa causa, tanto e tão dignamente lutarão contra a nobreza de Olinda. (...)

Na própria cidade, o commercio sedentário, ou fixo era mais o de grosso e importador do que o retalhista, porque a vida quasi reclusa da família não permittia que as senhoras, mesmo de avançada idade, saíssem a fazer compras. (...) Nos tempos coloniaies, o mais freqüente, o usual, era o mercador ir a casa do nobre, na cidade ou no campo, vender-lhe tudo... Desde os viveres até aos custosos pannos. Por isso a mascateação era a forma comum de comerciar. (1914, p.43).

52 O próprio autor se intitula como Doutor e na citação foi mantida a grafia original

Já, quanto à animosidade, a peça abaixo, embora de autoria de um padre, retrata, com tintas fortes, o ambiente:

Posto que alguns portugueses para Pernambuco viessem que, já pela sua educação, já pelo seu nascimento e já pela índole de que eram dotados faziam justiça aos naturais do país e fraternalmente os tratavam, eram um número tão limitado que se perdiam no meio do turbilhão de aventureiros aurissedentos, que, todos os anos, nus e miseráveis, aportavam no hospitaleiro Pernambuco. Desta gente, pois, a mais abjeta de Portugal, ignorante e sobremaneira mal- educada, abundava esta província, chegando a Pernambuco, esses forasteiros conseguiam, a troco de algum trabalho pessoal adquirir quatro ou seis mil-réis; com este fundo, compravam cebola, alho, etc.; e carregados destes gêneros saiam a vender pelas ruas e freguesias do interior. Deste giro mesquinho se procediam bem e não se embriagavam continuamente, os seus patrícios (que tinham como ele principiado) os livravam, fiando- lhes fazendas para venderem aos moradores do campo e, assim, arvorados em mascates, em breve aqueles estúpidos, que em Portugal nem para criados serviam, tornavam-se capitalistas e, esquecendo-se dos seus princípios, julgavam-se superiores à nobreza do país que tão benignamente o acolhera e que, entregue ao honorifico trabalho agrícola, os honrava e favorecia liberalmente em todas as ocasiões. (LEITÃO apud MELLO, 1995,

p.130).

Apesar as pressões políticas, a açucarocracia não consegue vencer, e a Coroa portuguesa apóia o Recife, que verá sua economia e seu comércio expandirem-se durante todo o século XVIII, objeto do item seguinte. Em meados do século XVIII, Pernambuco já possuía mais de 250 engenhos. O cenário econômico era tão favorável que em virtude desta situação, a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba foi instalada53.

Segundo Almeida Carlos: ―Pernambuco, em 1751, possuía

276 engenhos e após a instituição da companhia, já em 1761 possuía 268. O grande número de engenhos reflete a importância do açúcar para a região e para o comércio colonial‖. (2001, p.29).

53 Diz Erica Almeida Carlos: “No reinado de D. José I foram criadas seis companhias

portuguesas nos moldes das companhias européias: Companhia do Comércio Oriental e Companhia do Comércio de Moçambique, para o comércio Indico; Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e Companhia das Pescas do Algarve, atuando na metrópole; Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão e Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, destinados ao comércio atlântico‖. (2001, p.39).

Na verdade, em torno da decisão de instalação da Companhia em Pernambuco, é relevante consignar que ela não foi uma medida tomada unilateralmente na Corte em Lisboa. Foi fruto, também, de demandas dos comerciantes e produtores locais que enxergavam a medida como uma forma de melhor se relacionarem com o comércio internacional. O resultado foi, entretanto, frustrante, nesse aspecto.

A Companhia foi criada, e funcionou de fato, entre os anos de 1759 a 1780, mas ao invés de conceder maior liberdade à colônia, ela reforçou os controles, tanto da exportação do açúcar, como da importação de escravos da África, gêneros alimentícios e produtos manufaturados da Europa. As resistências da elite local não foram, todavia, pequenas, de tal maneira que a instituição não chegou a completar vinte anos de existência. Além do mais, vários empreendedores locais não conseguiram honrar seus compromissos com a Companhia e assumiram débitos futuros. De fato, como acentua Almeida Carlos, não se pode olvidar que a criação da Companhia deu-se no contexto da política mercantilista do Marquês de Pombal, cujo objetivo era o de reforçar o domínio da Coroa portuguesa sobre as colônias.54

Para efeito da atuação do empreendedor lusitano nos negócios, foco da pesquisa, é muito importante assinalar que esta iniciativa é mais uma, que vai se juntar a outras, de controle e de severidade de tributação, de privilégio e proteção para seus súditos, conforme assinala Caldeira (1997), e mesmo de abusos do reino português. Todos esses fatores juntos ajudaram a criar e reforçar o crescente espírito anticolonialista e, por via de consequência antilusitano, que, na capitania, se forjava, fenômeno esse, aliás, muito importante para se entender a atmosfera que o empreendedor português encontrava quando aqui chegava a partir da expulsão dos holandeses.

54 A política de Pombal para o Brasil foi bastante danosa, cabendo aqui destacar o

celebre Alvará de 1785 que fechou as fábricas e oficinas existentes no Brasil e proibiu seu funcionamento. A respeito da Companhia de Pernambuco e Paraíba ver texto de ALMEIDA CARLOS (2001). Por outro lado, vale a pena destacar que neste século dá-se, também, a descoberta das minas de ouro em Minas Gerais e assim, muito dos interesses dos colonizadores deslocam-se para esta nova área de exploração, iniciando-se assim o ciclo do ouro, terceiro ciclo da economia colonial do Brasil, sucedendo o ciclo do pau Brasil e o da cana de açúcar, objeto de interesse do presente estudo.

No que tange a dinâmica da economia açucareira, quatro

aspectos que a caracterizaram merecem ser discutidos para uma melhor compreensão do papel do imigrante português, nesse processo, durante os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

Em primeiro lugar, convém sublinhar que o açúcar foi, desde o inicio, uma commodity voltada a suprir o mercado externo e, como tal exposta às flutuações tanto do lado da demanda, como foi o caso da baixa procura, em razão da concorrência da plantação de açúcar no Haiti quando os holandeses levaram a cultura da cana para lá e, como foi, ainda, o caso da extração em larga escala do açúcar de beterraba, no inicio do século XIX, na Europa. Ao longo do ciclo, houve da mesma forma, vários episódios, de demanda em alta, haja vista o caso da expansão do consumo do açúcar no início da revolução industrial na Europa, fenômeno assinalado por Singer (1984).

Em segundo, é interessante destacar, como fizeram Furtado (2003) e Alencar (1979), que, diferentemente do futuro plantador de café de São Paulo, que dominava todo o processo produtivo, inclusive o mercado do ciclo do café, o produtor do açúcar, ou senhor de engenho, foi simplesmente o elo inicial do processo da produção da matéria prima e, durante a fase colonial, o mercado, ou melhor, o conhecimento das necessidades do mercado esteve, sempre, nas mãos dos comissários ou trapicheiros do açúcar, na verdade, portugueses habilitados pelo reino, para fazerem esta mediação.

Em terceiro, Furtado ressalta, ainda, que o colonizador não necessariamente enfeixava em suas mãos o ciclo produtivo do açúcar. Daí porque, mesmo antes do período holandês no Brasil, Portugal já levava o açúcar bruto ou mascavo para a Europa e, na Holanda, é que lhe era adicionado valor agregado, através de técnicas mais aprimoradas de processamento, gerando, como produto final, o açúcar refinado.

Por fim, um quarto ponto demanda esclarecimento. Furtado assinala que apesar de tais restrições, a produção açucareira foi altamente lucrativa para todos, e com certeza, o maior beneficiário do excedente gerado não foi o produtor, mas sim, no âmbito local, o intermediário lusitano. Diz Furtado:

Se a plena capacidade de autofinanciamento da indústria não era utilizada, que destino tomavam os recursos financeiros sobrantes? É obvio que não eram utilizados dentro da colônia, onde a atividade econômica não-açucareira absorvia ínfimos capitais. Tampouco consta que os senhores de engenho invertessem capitais em outras regiões. A explicação mais

plausível para esse fato talvez seja que parte substancial dos capitais aplicados na produção açucareira pertencesse aos comerciantes. (2003, p.52, grifo nosso).

Com efeito, o comissário foi, como se diz hoje, um player fundamental, na economia colonial do Brasil. A despeito de ser um texto dedicado às ações do comissário na área do café, as reflexões de Faoro cabem, em grande medida, no contexto da economia açucareira, como se verá abaixo:

Existe um grande capítulo na história econômica do Brasil, o que circula em torno do comissário, turvado, ensombrecido, esquecido. Dele, comerciante urbano, se irradiara a energia, o sangue e a vibração que vivificam a fazenda, ditando a quantidade e a qualidade do plantio. Senhor do credito será o senhor da safra, decretando a grandeza ou a ruína do fazendeiro. Congregando e reunindo na cidade, junto ao exportador, ligado ao ensacador, comércio essencialmente nacional, constitui interesses nem sempre coincidentes ao do fazendeiro. O agricultor encomendava ao comissário, por conta da safra futura, as ferramentas, o sal e a pólvora, os gêneros alimentícios, o mobiliário, incumbindo-o de adquirir escravos e mulas. Se infiel o comissário perdia o bom nome entre os produtores, preparando sua ruína. Perdulário o fazendeiro, ousado no empreendimento, seria reduzido à modicidade pelas advertências e conselhos. O fazendeiro, quando visita o Rio de Janeiro, recebe as atenções pessoais do comerciante, que lhe aluga alojamentos, fornece-lhe meios para a pompa transitória, atenções dispensadas ao filho do agricultor, na escola ou nas suntuosas férias. (...) Não seria exagerado afirmar que a grande lavoura do Brasil - escreve Afonso de E. Taunay - fora feita, em magna pars, pelo comissariado do Rio e de Santos. Num país sem crédito agrícola, não podiam os banqueiros financiar a produção do interior, fornecendo aos fazendeiros os recursos que, inspirados, as mais das vezes, pelas circunstâncias pessoais, lhes