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O BAILE DA MODERNIDADE NO RECIFE No Brasil, as cidades eram as cabeças-

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO DO RECIFE POR FREGUESIA (1843-1913)

6.4. NOVOS ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA

Se, até então, os espaços de convivência resumiam-se aos ambientes familiares e festas religiosas, com essas mudanças, a população passa a se deslocar pelos bondes que vão desempenhar papel fundamental na atmosfera da modernidade.

Diz um cronista, sobre a época do bonde:

Em seus bancos (e nos estribos em pé) se sentavam o trabalhador braçal, o comerciário, o estivador, o açougueiro, o médico, o bancário, o advogado, o chefe de escritório, o engenheiro, o deputado, o juiz, o desembargador, a dama da sociedade, a religiosa. (ALVES DA MOTA, 1982, p.28).

As pessoas poderão vir de seus bairros e arrabaldes distantes, para o centro da cidade, e aqui poderão ser introduzidas nos templos de consumo moderno das ruas, quase que repaginadas para o que foi, aqui, denominado de O BAILE DA MODERNIDADE. Funções e distinções várias são atribuídas às ruas dos seus três bairros principais: Recife, Santo Antônio e São José.

Anteriormente, como documenta o maior cronista do século XX do Recife, Mário Sette, as senhoras e famílias não iam às compras. Era missão do homem, do pai de família.

Naquela época recuada, bem raras as senhoras que iam fazer compras. O lar ainda tinha um tanto de clausura e nem tudo ficava bonito para ―uma mulher direita‖. O andar de loja em loja era uma dessas ações que não lhe assentavam. E quando o faziam nunca prescindiam do marido, do pai ou de uma parenta já velha. Em regra, os chefes de família

é que executavam essas tarefas das compras mandando levar em casa as fazendas, os calçados, os chapéus para escolher. Costumava-se adquirir os tecidos para vestidos, em

peças, de modo que num dia de festa do Poço ou de procissão saíam todas as moças de trajos iguais. Todas de cambraia com salpicos, de surá azul-claro ou de chita com tremidos. (1981, p.

28-29. grifo nosso).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o centro da cidade - integrado por esses três bairros - assume seu papel na funcionalidade urbana como CBD - Central Business District. As pessoas que para lá se dirigem, seja às compras, aos bancos, consultórios e escritórios, ou mesmo ao footing, ou ao

flirt diziam: Vou à cidade...

No mesmo período, a expansão urbana foi acelerada, fazendo surgir novos bairros e novas áreas de ocupação, além do núcleo central, conforme registra Lubambo:

A expansão urbana, inclusive, foi acompanhada de uma substituição das atividades que ocupavam os diferentes bairros. No inicio do século XX (...), verificava-se uma grande ocupação de mocambos em lugares como Santo Amaro (ao longo da linha de Limoeiro), Feitosa (segundo distrito das Graças), Oiteiro (freguesia do Poço da Panela) e em muitos outros pontos e áreas alagadas. Esses eram, por assim dizer, a principal moradia das classes pobre. (1991, p.53).

Pulsa ainda, uma vida cultural, liderada por artistas, intelectuais e jornalistas, que vão oferecer o último componente indispensável para que o Baile se torne real: O discurso da modernidade, o qual é produzido em aliança com as elites da época101. Diz Teixeira:

Se, por conseguinte, a intelligentsia recifense - como de resto a brasileira – não coube forjar as bases referenciais em que se fundava o ideal de modernidade belle

époque, coube, em contrapartida, divulgar esses ideais de

modo a torná-los aceitáveis.

E, mais adiante arremata:

Era precisamente esta ornamentalidade ostentatória e cosmopolita – que se constituía na aspiração suprema dessa elite obcecada pelo moderno. Pode-se mesmo

dizer ser esta uma marca indelével de nossa modernidade belle époque. E, no entanto, para sua boa consecução foi necessário o concurso dos intelectuais. Foram eles, no

exercício de seu mister, enquanto produtores culturais, uma peça de crucial importância. Foram eles que em boa medida tornaram real esta fantasia de modernidade. (1995, p.8, grifo nosso).

Até o momento, foram registrados como presentes no Baile, o governo; o novo porto, e o novo bairro do Recife; os intelectuais e os britânicos, com a energia elétrica, o bonde, o trem e o telefone.

Mas, compareceram ainda o carro, o cinema, e o rádio e a fotografia, euforicamente saudados como artefatos da modernidade. Em razão das possibilidades que esta festa desencadeou na cidade, há vários trabalhos de pesquisa102 que hoje lançam seus olhares sobre as inovações do período.

101 A respeito da participação dos jornalistas comenta Rezende: ―A imprensa tem, na

década de vinte no Recife, uma movimentação marcante. Além dos chamados grandes jornais, como Diário de Pernambuco, A Província, Jornal Pequeno, A Rua, Jornal do Recife, Jornal do Commércio, Diário da Manhã, A Notícia, circulam revistas importantes como Jazz-Band, A Pilhéria, Mauricéia, Revista do Norte, Maracajá, Estudantina e tantas outras. Conta boa parte da imprensa com a atuação de intelectuais egressos da Faculdade de Direito, lugar privilegiado das discussões da época. Gilberto Freyre, Assis Chautebriand, Mário Melo, Joaquim Pimenta, Austro-Costa, Faria Neves Sobrinho, José Lins do Rego, Joaquim Inojosa, Aníbal Fernandes, Valdemar de Oliveira, entre tantos outros escrevem na imprensa recifense dos anos vinte. Também, é notável o trabalho de ilustradores, alguns deles, (...), depois pintores famosos. (1997, p.64).

Um dos mais recentes, que analisa a invenção social das praias entre nós, narra com elegância a chegada do carro de passeio.

O automóvel ingressou, na sociedade urbana, revestido de um canto quase místico. Sua identificação com a modernidade, aguçada pelo poder de desenvolver uma alta velocidade, era indiscutível. (...). Ao exibir-se montando em tão prodigiosa maquina, seu proprietário passava a acumular mais prestígio, e, não bastasse tudo isso, o auto-passeio funcionava como atrativo irresistível na hora da conquista amorosa.

(ARAUJO, 2007, p.466).

No mesmo rumo de ousadia e inovação foi, também, desenvolvida uma intensa atividade na área do cinema, como assevera Menezes. Houve mesmo um chamado Ciclo do Recife que:

Chegou a produzir um número surpreendente de longas-metragens para as dificuldades da época. Concluiu e exibiu nos cinemas da cidade, principalmente o Royal, que ficava na Rua Nova, vizinho da igreja Conceição dos Militares, 13 filmes, além de documentários e curtas-metragens.

( 2001, p.32).

A implantação de uma emissora de radiodifusão colocou o Recife também em uma posição pioneira. Em 24 de abril de 1924, Oscar Dubeux Pinto, em palestra proferida no Gabinete Português de Leitura do Recife, refere- se à Rádio Clube:

Pernambuco, o Leão do Norte, tem a glória

de ter fundado a primeira instituição desse gênero na América do Sul, a qual teve o nome de Rádio Club de Pernambuco, e foi fundada no dia 06 de abril de 1919, graças à iniciativa de alguns amadores de tão útil ramificação da eletricidade, destacando-se dentre eles Augusto Pereira. (Câmara, 1994, p. 22-23).