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O BAILE DA MODERNIDADE NO RECIFE No Brasil, as cidades eram as cabeças-

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO DO RECIFE POR FREGUESIA (1843-1913)

6.5. GEOGRAFIA DOS BAIRROS DO CENTRO

Mas, importa saber-se um pouco da geografia e dessas atividades na cidade. A funcionalidade dos bairros do centro do Recife103, de

103 O autor tem vivo na sua memória essas funções que os bairros exerciam, até

acordo com Gilberto Freyre (1934) e Tadeu Rocha (1959), autores que publicaram nos anos 30 e 50, respectivamente, Guias sobre a cidade, seria a descrita a seguir.

Ao bairro do Recife, ilha originária que emprestou nome ao porto e à cidade, estava reservado o espaço para os bancos, o alto comércio, os depósitos de açúcar e algodão. Seria, segundo Campos (2002:02) “um

bairro dos poucos que não surgiu em consequência da fundação de um engenho, mas da produção de açúcar, que deu origem à grande parte dos principais bairros da cidade‖.

A presença do porto, como observa ainda Campos, tem um valor simbólico muito grande para a população, pelo que, na sua história, representou para a cidade. Seria o bairro do pecado diurno da Associação Comercial, dos grandes armazéns e dos bancos e do pecado noturno da prostituição nos andares superiores dos prédios, proclamou o poeta Carlos Pena104.

degradação, tornando-se um espaço ocupado de forma desordenada. O comércio dos shopping centers deslocou os clientes do comércio fino para o bairro de Boa Viagem, e os escritórios, consultórios médicos e firmas, transferiram-se para grandes imóveis, anteriormente, de uso residencial, em bairros fora do centro. Ao mesmo tempo, as redes de supermercados subtraíram os clientes dos armazéns de secos e molhados. Vive-se hoje, nesse antigo centro, uma experiência traumática de espaços abandonados, ou de “derelict space‖, como diriam os planejadores urbanos. Ao mesmo tempo, as elites e classes médias empregaram o veiculo particular pequeno nessas áreas, criando, assim, sérios problemas de circulação na área central. Ver matéria de 2001, em jornal da cidade: “A falta de estacionamento é um problema crônico no

centro do Recife e a Avenida Guararapes é um bom exemplo do estrago que este ‗pequeno‘ detalhe é capaz de fazer. Boa parte do imponente conjunto arquitetônico, datado do final dos anos 40 e início dos 50, está degradada. Tradicionalmente, aquela era uma área de escritórios, mas desde o início da década de 90, muitos profissionais liberais fecharam suas portas e se mudaram de lá. Quem resistiu, e ficou, contabiliza prejuízos. Uma das maiores vítimas da degradação do local é a síndica do edifício Santo Albino, Ilda Tedesco. Ela é proprietária do prédio e sua principal fonte de renda são os aluguéis das salas. Seu pai, o português Antônio Gonçalves de Azevedo,

conhecido pelo título de Visconde de Santo Albino, ergueu o edifício há 50 anos. Mesmo sendo um dos prédios mais bem conservados do local, o Santo Albino

está com um déficit de 50% na ocupação, mesmo com o preço do aluguel estacionado, há cinco anos, em R$ 270 (incluído taxa de condomínio). ―Há 15 anos, havia fila para alugar uma sala aqui‖, disse ela. (Jornal do Commercio, 23.03.2001. Grifo nosso).

104 Guia Prático da Cidade do Recife, poema de 1959, integrante da obra LIVRO GERAL,

de autoria do poeta Carlos Pena Filho (1929-1960). Segundo consta do texto do Bar Savoy, de Coutinho (1995), Carlos Pena era muito severo com os portugueses porque

Já as ruas do bairro de Santo Antônio, assinalou Freyre, estavam destinadas ao comércio elegante, das modistas, das perfumarias, das joalharias e das confeitarias. Era o que hoje se convencionou chamar do varejo sofisticado. Aqui se situam as Ruas Imperador, Nova e Duque de Caxias, além do Pátio do Livramento.

De fato, nesse bairro era exatamente onde aconteciam as inovações da vida frenética, que os anos vinte e trinta trouxeram.

Por último, as ruas do bairro de São José eram mais simples e despojadas, e nelas o comércio praticado era mais barato. Nele, também, estavam situados os grandes armazéns de secos e molhados que abasteciam a população e grande parte do comércio atacadista que, por sua vez, abasteciam as cidades vizinhas e outras capitais do nordeste. Mais uma vez, Pena faz poesia sobre a vida de lá:

É por ela que se chega ao bairro de São José, de ruas das casas juntas,

Caiadas mas de pé, de classe arruinada, mas de gravata e até missas aos domingos, pois sempre é bom ter alguma fé.

Bairro português, que outrora foi de viver e poupar, nascer, crescer, e casar naquela igreja chamada São José de Ribamar .

No que diz respeito a secos e molhados, de fato um dos títulos de suas estrofes, Pena informa, tanto sobre a miscigenação das raças quanto sobre o modo preconceituoso pelo qual a sociedade da sua época e intelectuais encaravam a atividade:

Ainda existe muita coisa de bom e ruim prá contar, Mas como sou conhecidos por discreto no falar,

irei, agora, evitar.

Mas, não sem antes passar pelos armazéns de estivas, Mar dos nossos tubarões de brasileiros sabidos,

Portugueses sabidões que na vida leram menos que o olho seco de Camões, Mas que em patacas possuem muito mais que Ali Babá e seus 40 ladrões.

6.5.1. MAIOR FACEIRICE NO COMÉRCIO105

Outro convidado que desempenhou papel fundamental nos novos padrões de consumo, na territorialidade das ruas e, sobretudo, no comportamento da população foi o comércio. Diz Sette: ―Nessa época (anos 20)

os estabelecimentos comerciais se iam tocando de maior faceirice. Apareciam armações claras, balcões convidativos, vitrines tentadoras‖. (Sette, 1981, p. 29)

Outro cronista que vivenciou a atmosfera da época comenta sobre a Rua Nova.

O movimento começou crescendo, surgindo o comércio a varejo, as casas de modas, os cinemas, a definitiva atividade mundana, com a relativa predominância dos nomes franceses, tão acentuados entre nós até princípios deste século: O Parc Royal, La Photographie Parisienne, a Casa Bijou, a Loja de Madame Theard, La Maison Chic. La Maison de Julie, Au Bon Marché, O Cinema Pathé, o Cinema Royal, o Cinema Vitória.. (...)

Havia os pontos preferidos pela moçada. O Café Ruy, por exemplo, onde a estudantada ia tomar os celebres ―sorvetes de neve‖, no tempo em que o gelo era coisa rara. Custavam 160 réis uma taça.

Ali existiram as faladas alfaiatarias do Maniva e do Melichareli e, depois, já em 1914, a Casa Hermes, seguida da Tic-Tac, que se especializava em alugar trajes de rigor. A rua era mesmo um centro de reunião mundana. Recordamos a fase dos chamados ―Footings‖ da Rua Nova, pelas portas da Confeitaria Bijou, ou das sessões elegantes dos cinemas. (...)

Quase modernamente intransitável, considerada, nas horas de maior ―rush‖ é igual às Ruas do Ouvidor ou Gonçalves Dias, do Rio de Janeiro. (Guerra, 1972,

p.79).

Esses registros pedem, porém, uma cuidadosa decodificação de suas mensagens e símbolos. De acordo com o professor Iranilson Oliveira, em recente artigo, não por acaso intitulado Templos de

Consumo: Memórias, Territorialidades e Cultura Histórica nas ruas Recifenses dos Anos 20:

As ruas encantam com seus códigos, com suas histórias. As ruas têm fôlego, memórias para serem revisitadas através de profissionais interessados em compreender, no patrimônio histórico-cultural urbano, os signos que educam os sentidos de moradores e transeuntes. (2007,

p.59).