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MIGRAÇÃO NO MUNDO E DO PORTUGUÊS PARA O BRASIL

3.2. O BRASIL NOSSA MELHOR COLÔNIA DEPOIS DE TER SIDO COLÔNIA

3.2.1. REDE INFORMAL DE SOLIDARIEDADE

Tal consenso seria, de acordo com Klein (1989), um forte vetor de facilitação na integração do imigrante lusitano na economia brasileira. Já Alves (2001) o percebe como algo que se ajusta como uma “luva‖ à emigração lusa para o Brasil. Não é, portanto, sem sentido a descrição que Alves faz da dinâmica da referida rede32:

Mais do que acto individual, a emigração insere-se numa vasta trama de tensões, negociações e consensos ao nível de vários círculos de sociabilidade, em que avultavam a

família e a comunidade local (a paróquia), consenso

indispensável principalmente quando a corrente migratória era composta por jovens adolescentes (com a moda etária nos 13 ou 14 anos), como era o caso da emigração nortenha. (2001, p.2,

grifo nosso).

Por outro lado, reforçando a relevância da rede, Leite chama a atenção para um importante aspecto da circulação dessas informações. Elas seriam veiculadas pelas cartas e correspondências privadas entre os dois países, significando dizer que, antes da tomada de decisão de uma família mudar-se ou de um pai enviar seu filho, haveria uma carta sincera e confiável de

32 ALVES, todavia, não está isolado. Trata-se, evidentemente, de mais um

consenso na historiografia portuguesa e brasileira. ROCHA–TRINDADE e CAEIRO (2000, p.11) e SCOTT (2001, p.03) pensam também da mesma forma.

um parente, de um amigo ou de um conterrâneo dando conta das condições de vida e de oportunidades ofertadas no novo país. Dando conta do volume de informações trocadas, informa Leite:

Na segunda metade dos anos oitenta a correspondência com a América do Sul movimentava em cada um dos dois sentidos, entre quatrocentos a oitocentos mil artigos de correio. Considerando apenas cartas e postais, os movimentos envolviam cerca de trezentos a mais de seiscentos mil artigos.

(1999, p.186).

Ainda no processo de deslocamento, uma peça chave era exigida pela burocracia dos dois países. Trata-se da Carta de Chamada33, o quarto consenso na bibliografia analisada. Ao trazê-la, o jovem imigrante teria sua porta aberta no Brasil, motivo pelo qual, os autores conferem-lhe destaque especial.

A Carta de Chamada está presente nas memórias de todos os depoentes. Como a emigração espontânea não contava com apoio e subsídios do governo, necessitava da estrutura das redes sociais. Em todos os casos, os homens vinham na frente e posteriormente, quando já podiam garantir moradia e trabalho, traziam a família. (PASCAL, 2005, p.4).

Para arrematar, o escritor Alexandre Herculano exprime com

vigor literário a importância das recomendações:

Por via de regra, o emigrante espontâneo, aquele que a miséria não atira cegamente, brutalmente, para fora da pátria, sabe o que quer, sabe como vai e para onde vai. Conta com o parente, com o amigo da família, com o protector que lhe hão-de dar as recomendações que leva. (apud ALVES, 2001, p.4).

Outro fator de atração, nem sempre considerado como tal, teria sido a preocupação das autoridades brasileiras em europeizar seu povo e, sobretudo, em vê-lo embranquecido. Diz Nogueira:

33 Carta de Chamada era um documento chancelado pelo governo português,

exigido nessa fase das migrações, contendo necessariamente a convocação de alguém no Brasil que assumia responsabilidade por um português que desejasse emigrar para o Brasil. Este instrumento, uma vez exibido na Alfândega, liberava a pessoa dos

Os portugueses no início do século tiveram de fato a preferência das autoridades brasileiras como mão de obra imigrante devido à facilidade de adaptação lingüística, à semelhança dos costumes religiosos e principalmente por serem ´brancos` numa sociedade ávida por se ´europeizar`. (...) ... a burocracia imperial exigia características étnicas e culturais compatíveis com a ideologia civilizatória do embranquecimento.

(1998, p.32).

Até o momento foram analisados 05 (cinco) consensos, a saber:

- os fatores de expulsão de Portugal; - os fatores de atração;

- a rede informal de solidariedade e apoio no país de destino;

- a busca do embranquecimento da raça e, por último, - a questão da Carta de Chamada para o Brasil.

Os textos revistos dão, entretanto, destaque a outros aspectos não mencionados ainda explicitamente aqui, mas que merecem ser evidenciados. Assim, prosseguindo convém reiterar outro consenso. É o ponto que destaca as migrações de portugueses para o Brasil não apenas neste período das grandes migrações. Elas teriam sido seculares e de fluxo contínuo, no dizer dos historiadores Florentino e Machado.

A imigração de lusitanos em direção a esta parte da América nunca cessou. Confundiu-se com a conquista e a colonização, intensificou-se após a independência e adentrou o século XX (...) Uma primeira e óbvia conclusão emerge destes números: a emigração portuguesa para o Brasil constituiu-se em um fluxo contínuo e de natureza multissecular. (2002, p.1).

Idêntica posição é assumida por Alves ao declarar que de há muito tempo atrás já se processava este movimento:

O fim da colonização e a independência do Brasil alteraram, de facto, as condições institucionais no movimento de portugueses para o Brasil, embora os trilhos das passagens estivessem há muito sulcados e a transferência de

pessoas não só tenha mantido as tendências anteriores como ganho incremento e novos matizes. (2001, p.23).

Chama ainda, a atenção, outro consenso, desta feita o sétimo, bastante dramático para os olhos de hoje. Trata-se da vinda de jovens que entravam muito precocemente nesse fluxo. Eles saíam para Brasil com a idade inferior a 14 anos de idade.

Mas por que acontecia isto?

Que fatores levavam a saída com tamanha precocidade? O que justificaria pessoas nessa idade abandonarem seus ambientes domésticos e pais, para se destinarem a uma terra quase desconhecida?

Segundo os historiadores, há uma interpretação bastante convincente relacionada com o serviço militar exigido em Portugal, que seria algo muito demorado, isto é, de 6 anos, e restringia a emigração de mancebos a partir dos quatorze anos. Além do mais, quem desejasse evitá-lo, ao atingir esta idade deveria então indenizar o Estado Português, com valores muito altos. Em face deste dilema uma saída mais do que plausível seria emigrar antes de atingir a idade. Com a palavra Leite34 e Alves:

O requisito que maior preocupação revelava por parte do Estado português estava ligado à questão militar: os homens adultos deviam provar que tinham cumprido as suas obrigações militares (...) os mancebos dos 14 aos 21 anos só poderiam obter passaporte mediante um deposito de uma pesada fiança, ou apresentação de um fiador idôneo. (1999, p.79).

Mas, como esses jovens chegavam ao Brasil? Que conhecimentos detinham? Aonde iriam se empregar?

Vinham sempre com Carta de Chamada e detinham alguma noção de contabilidade comercial e eram sempre absorvidos no mercado de trabalho como caixeiros de casas comerciais, frequentemente de propriedade do patrício, cujo nome assinara a carta.

Alves destaca que tais moços não partiam ignorantes. Antes de zarparem, passavam por uma espécie de estágio em cidades mais

importantes, adquiriam algum tirocínio nas artes comerciais, ou aprendiam algum ofício. Diz Alves:

Ensinar as primeiras letras aos rapazes destinados à partida, mandá-los tirocinar no comércio do Porto e outras cidades e vilas (Guimarães, Braga, Vila do Conde, Póvoa de Varzim) ou, em alternativa, ensinar-lhes um ofício tradicional vulgarmente ligado à construção - pedreiro, carpinteiro, estucador, marceneiro, etc.), eis preocupações genéricas nas famílias do Noroeste português, numa acção preparatória e selectiva da emigração. (...) Preocupações desenvolvidas na esperança de uma melhor inserção do emigrante na sociedade brasileira e nos eventuais refluxos monetários que viessem, de algum modo, ajudar a família remanescente em Portugal. (2001,

p.7).