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CONCEITOS-CHAVE E METODOLOGIA Existe em cada cidade, para os que a

VISÕES MAIS IMPORTANTES SOBRE EMPREENDEDORES E RESPECTIVAS CONCEITUAÇÕES

2.2.4. EMPREENDEDORISMO ÉTNICO

É uma expressão multidisciplinar, que pretende explicar de forma abrangente o comportamento das pessoas em estado de relação social de grupo. Diversos estudos abordam o assunto (FAZITO 2002; MARTES e RODRIGUEZ, 2004; MILANI, 2005; MARTINELLI, 2007; SACOMANO e TRUZZI, 2007) no caso de nacionais vivendo em outros países. Aliás, este é um tema desafiante que tem preocupado, hodiernamente, governos e nações. No Brasil, há ainda pesquisas explicando o comportamento de imigrantes nacionais no estrangeiro e de nordestinos que vivem no Sul em situações de rede social tal como aqueles que residem fora. Machado (2008) explora a vivência de brasileiros migrantes na cidade do Porto, Portugal e oferece vasta bibliografia de casos brasileiros no exterior.

É um conceito que tem sido aplicado para explicar delinqüência juvenil, mobilidade acadêmica, desenvolvimento local e iniciativas empreendedoras de imigrantes. Na essência, a idéia se constrói a partir da articulação de um estoque de capital social, que se formaria em grupos e, de uma rede de relacionamento, que circula em torno do grupo e do estoque de capital.

Trata-se de um campo novo, que reúne teoria de rede do capital social, migração e iniciativas econômicas, micro e macro. Sua base

fundamental é o capital social22, instalado em uma comunidade pertencente a um mesmo grupo étnico.

Tanto sob o ponto de vista sociológico, como sob o ponto de vista econômico, uma sustentação consistente da justificativa desses estudos, inspirados no capital social, decorre da constatação de que, nem as leis do mercado, nem tampouco as regras do estado planejador e concentrador, são capazes de explicar plenamente a conduta das pessoas na hora da tomada de decisões econômicas. Existem instâncias culturais lastreadas em normas, valores e crenças, que interferem, decisivamente, na motivação dessas decisões, de cunho aparentemente, apenas econômico. Essa instância cultural é exatamente de que se ocupam os estudos do capital social.

A filiação ideológica dessa perspectiva é claramente weberiana, dado que foi o sociólogo alemão, Max Weber, quem percebeu e pôs em realce a importância dos valores - no caso a crença protestante calvinista - na formação do capitalismo no seu estudo clássico intitulado A Ética Protestante

e o Espírito do Capitalismo (1967).

De acordo com Siqueira e Guimarães, as determinações culturais são decisivas para se analisar o empreendedorismo de base étnica, as quais remontam as idéias de Weber.

Ao analisar a constituição e o funcionamento da sociedade norte-americana, WEBER (1982, 1996) constata que a vida privada e o trabalho de cunho empresarial viviam de maneira integrada e até dependente da filiação religiosa. Em sua análise, a sociedade americana foi moldada dentro desses princípios e dessas exigências, o que permitiu e facilitou a reprodução de comportamentos que valorizavam, além do trabalho, a prosperidade econômica e a acumulação de riqueza. (2002, p.04).

De fato, prosseguindo nesta linha, Young, de acordo com Siqueira e Guimarães, acentua a influência decisiva do grupo de referência para pautar o comportamento das pessoas. Para esse autor, acrescentam Siqueira e Guimarães:

22 Sobre o conceito de capital social consultar quadro de referência apresentado

Qualquer tipo de manifestação do comportamento reflete valores, crenças e atitudes compartilhadas pelos membros dos grupos aos quais a pessoa pertence. Seu objeto de análise, portanto, se encontra nas etnias, grupos ocupacionais ou facções politicamente orientadas. (2004, p.06).

Dentro da mesma ênfase, do contexto ambiental, como determinante do comportamento da pessoa em grupo, autores como Busenitz e Ming Lau, 1996 e Bygrave, 1997 (Apud SIQUEIRA e GUIMARÃES opus cit., p. 6), reconhecem que a rede de relações estabelecida em determinadas comunidades étnicas pode significar diferencial estratégico positivo para empreendedores.

Na verdade, destacam Siqueira e Guimarães:

Essa abordagem social adiciona variáveis relevantes para a compreensão do empreendedorismo, tais como a experiência prévia no negócio, a crença religiosa, o background familiar e existência de referências, modelos e rede de relacionamentos, a história de vida (imigrantes e demissões dentre outras experiências consideradas de deslocamento ou desajuste social) para citar as mais evidentes e discutidas dentro da moldura social ou sociológica. (2004, p. 7).

O suposto básico é que um grupo étnico23 comprometido com sua cultura nacional, uma vez no novo ambiente, opere uma rede de estabilidade e de confiança, para o imigrante recém chegado, cuja vida até então, é marcada pela incerteza, expectativa em relação a oportunidades de trabalho e quanto a diferenças culturais do novo país.

Uma variável relevante, para a compreensão do conceito, é que, além dos vínculos de conterraneidade, devem-se levar em conta as habilidades que o imigrante disponibiliza para o grupo social que o acolhe. Nesta área especifica das habilidades, há países, hoje em dia, por exemplo, que fomentam a imigração especializada, e logo se beneficiam das competências e habilidades que o estrangeiro pode ajuntar ao novo país. O Canadá é um exemplo nesse rumo.

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No Brasil, a cidade de São Paulo, como um mosaico cultural que abriga várias etnias - portuguesa, italiana, japonesa, judaica, chinesa, coreana e árabe entre outras - pode ser encarada, sob esse ponto de vista, como um grande laboratório na área do que se chama economia étnica.

Na hipótese dos lusos no Brasil, Pescatello, mencionado por Sacomani Neto e Truzzi (2007) comenta que eles trouxeram a habilidade para contatos pessoais, condizente com a índole lusitana, daí a razão porque eles teriam se dedicado em sua maioria ao comércio. Leite (1994, p.565), igualmente salienta que os jovens imigrantes que se dirigiam ao Brasil, já detinham habilidades de poupança e de negociação adquiridas nas feiras das cidades.

Na mesma linha, um dos entrevistados disse que foi convidado para vir para o Recife, a fim de trabalhar em nova casa de lanche porque detinha o conhecimento de pasteleiro, adquirido quando se engajou para servir o Exército, lá em Portugal.

Como reflexão em cima dessas três colocações, pode-se inferir que o imigrante luso agregou ao capital social da sua comunidade o valor de suas habilidades, fazendo, portanto a diferença.

No plano macro, o tema do capital social tem sido usado como uma ferramenta para estimular o desenvolvimento local.

Na linha da investigação a que a tese se propôs, não há dúvida de que as motivações culturais de base weberiana, o conceito de grupo de referência e o de rede de relações, todos concorrem para reforçar a idéia de que o empreendedor em grupo dispõe do capital social que pode lhe ajudar. Ademais, se o foco for de grupo de imigrantes, que é a hipótese aqui apresentada, a assertiva básica é de que o ―imigrante não se faz sozinho‖. Assevera Fazito:

O contexto social dominado pela coletividade seria regido por estruturas, instituições, normas e interação cotidiana e assim definiria a condição de imigrante do individuo.

(2002, p.02).

Haveria, ao lado dos condicionamentos econômicos, dimensões culturais que concorreriam, também, para formatar sua conduta. Nesta esfera cultural, o dado mais rico seria exatamente um conjunto de

informações, disponível tal como um estoque de capital24, que podem ser socializadas entre os participantes desse grupo.

Assim, os componentes do grupo acessariam os dados para seus processos de adaptação e ajustamento interno no grupo e, fundamentalmente, para inserção no novo ambiente, o ambiente estrangeiro. A expressão que dá a mais fiel representação do conceito do que se quer expressar é a de imersão traduzida de embeddedness, formulado por Granovetter, referido como uma das epígrafes do capítulo.

No mesmo rumo, traduzindo operacionalmente a idéia, Sacomano Neto e Truzzi informam:

Algumas das características de uma economia étnica apontadas pela literatura incluem integração e

cooperação étnica, fontes étnicas de capital, trabalho e informação, restrições a competição intragrupo, especialização

ocupacional, concentração geográfica, solidariedade étnica e

confiança em redes internacionais de base étnica. (2007, p.41,

grifo nosso).

Além desses fatores, é importante destacar outra variável muito importante. Trata-se da geração de demanda do grupo, pelos produtos oferecidos por seus próprios conterrâneos como acentuam ainda Sacomani Neto e Truzzi.

Uma economia étnica emerge quando as

atividades empresariais étnicas são valorizadas pelo mercado. Isso pode ocorrer nos casos em que o mercado incentiva as ofertas de serviços de consumo especiais para conterrâneo.

(2007, p.42).

Os chamados guettos de diversas cidades desde a

Chinatown em Londres, Little Brazil em New York, a bairros de judeus, árabes,

24 Os autores distinguem este capital do capital humano, aquele detido pela própria

pessoa no plano de suas competências e habilidades e aquele outro, o capital financeiro, realizável em operações patrimoniais e econômicas. Diz PORTES: ―enquanto o capital

econômico se encontra nas contas bancárias e o capital humano dentro das cabeças das pessoas, o capital social reside na estrutura das suas relações. Para possuir capital social, um indivíduo precisa de se relacionar com outros, e são estes — não o próprio — a verdadeira fonte dos seus benefícios”. (2000, p.138).

italianos, irlandeses e portugueses, nas Américas, ilustram claramente o que Sacomani e Truzzi exploraram, no estudo aqui referido.

Os conceitos mais importantes nesta corrente são os de grupo de referência, de rede de capital social e de imersão (Embeddedness), laços fortes (strong ties) e laços fracos (weak ties), e rede de capital social.

Com efeito, é baseado na imersão no acervo de informações confiáveis, do capital social do grupo, que ele, o empreendedor, saca e valida idéias para suas iniciativas. Seu comportamento será tanto ou mais empreendedor, quanto mais ou menos o grupo de referência lhe repassar desse capital intangível de informação.

Por fim, para melhor compreensão do emprego dos dois conceitos - empreendedor e empreendedorismo étnico - vale lembrar que as expressões não são excludentes, nem contraditórias. Pelo contrário, a compreensão da idéia de rede social e nela a existência de imersão é, por assim dizer, o invólucro intangível, no qual o imigrante circula e o local aonde ele vai buscar e trocar informações sobre sua visão, sua prática empreendedora e dados a respeito de oportunidades, concorrentes e outras informações relevantes do ambiente.

A seguir, o detalhamento da metodologia adotada.

2.3. METODOLOGIA

Como se trata de uma tese fortemente vinculada a história empresarial, o padrão da pesquisa segue, em grandes linhas, as sugestões de Vergara (2005) que, ao explanar a respeito de pesquisa histórica em Administração, sinaliza para a necessidade do olhar sensível e holístico do pesquisador acerca da história da administração, e pontua como baliza de conduta a feliz expressão de Fustel de Coulanges, a seguir: ”Onde o homem

passou e deixou marca de sua vida e inteligência, aí está a História”.

Na verdade, a abordagem metodológica adotada, deriva da Nova História que, como lembra Curado (2001, p.2), enfatiza a micro-história e a história da vida cotidiana associadas com a expansão do pluralismo histórico e o crescente interesse na chamada antropologia histórica. Para demonstrar a

diversidade dos recursos permitidos por esta nova metodologia, Curado apresenta o QUADRO 02 que compara a Nova História versus a História Tradicional.

QUADRO 02