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Classificação do pronunciamento jurisdicional: decisão

5 REGIME JURÍDICO DA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA:

5.2 Aspectos em que não há distinções na disciplina das tutelas

5.2.1 Classificação do pronunciamento jurisdicional: decisão

A fixação dos critérios para classificação dos provimentos judiciais em sentença e decisão interlocutória é questão polêmica. Em sua redação original, o art. 162, § 1.º, do CPC de 1973 elegia como critério diferenciador o da finalidade do ato. Segundo o dispositivo, já revogado, “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Assim, se o ato importasse a extinção do processo, seria sentença; se decidisse questão incidente, sem extingui-lo, seria decisão interlocutória, e se apenas promovesse o andamento do feito, seria despacho.355

A Lei n. 11.232/2005 modificou o sistema de execução de título executivo judicial, transformando-o em fase do processo, que, portanto, não era mais extinto com a sentença, mas prosseguia com o cumprimento dela. Em razão disso e atendendo a reclamos de parte da doutrina,356 foi alterada a redação do art. 162, § 1.º, para prever que sentença é “o ato do juiz que implica alguma das

355“Nenhum outro parâmetro anterior ao da lei, por mais importante e científico que seja, poderia ser utilizado para estabelecer a natureza e a espécie do pronunciamento judicial. O critério, fixado ex lege, tinha apenas a finalidade como parâmetro classificatório. Toda e qualquer outra tentativa de classificação do pronunciamento do juiz que não se utilizasse do elemento teleológico deveria ser interpretada como sendo de lege ferenda” (NERY JUNIOR; NERY, Comentários... cit., p. 715- 716).

situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. O critério para distinção entre os provimentos teria passado, assim, a ser material, ou seja, o conteúdo do ato. Parte da doutrina, contudo, continuou entendendo que o critério teleológico não foi excluído da classificação, tendo apenas a ele sido agregado o critério material. O principal fundamento para essa interpretação seria a manutenção da redação do § 2.º do art. 162, que define decisão interlocutória como o “o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”, ou seja, a classificação de decisão interlocutória continuaria vinculada à sua função não extintiva do processo, já que seria decisão tomada no curso do feito.357

A classificação dos provimentos, portanto, teria passado de um critério único para um critério misto, combinando finalidade e conteúdo. Nesse sentido, sentença seria o ato judicial que implica alguma das situações dos arts. 267 e 269 e que põe fim à fase de conhecimento do processo em primeiro grau, enquanto decisão interlocutória seria o provimento que resolve questão incidente, de qualquer conteúdo, e não põe fim a essa fase, que prossegue.358

O novo CPC adotou e explicitou esse posicionamento doutrinário, dispondo em seu art. 203, § 1.º, que sentença é “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. O conceito de decisão interlocutória, por sua vez, é o de provimento judicial que não se encaixe no conceito de sentença e que tenha natureza decisória, ou seja, resolva questão, sendo apto a causar gravame a uma das partes (art. 203, § 2.º, do novo CPC). Os despachos, por fim, são classificados por exclusão, sendo os demais provimentos que não sejam sentença ou decisão interlocutória, praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte (art. 203, § 3.º, do novo CPC).

357 NERY JUNIOR; NERY, Comentários... cit., p. 716. No mesmo sentido: ARRUDA ALVIM, Direito... cit., p. 673; NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 130.

358 Parece-nos, contudo, que o critério preponderante na divisão entre sentença e decisão interlocutória continua sendo o da finalidade extintiva. Com efeito, não pode haver extinção da fase de conhecimento por outros fundamentos que não os elencados nos arts. 267 ou 269 (ou 485 e 487 no novo CPC), razão pela qual todos os provimentos que extingam a fase de conhecimento serão necessariamente sentenças, independentemente da análise do conteúdo de que disponham. Se houvesse ato que extinguisse a fase de conhecimento sem o conteúdo dos arts. 267 e 269, então, poderíamos dizer que o conteúdo seria relevante para a definição do conceito. Como, contudo, não há essa espécie de ato, o conteúdo deve ser visto mais como um anexo à função extintiva do que um critério efetivamente determinante na classificação.

Na sistemática adotada pelo novo CPC, portanto, pode haver decisão interlocutória que resolva o mérito ou importe extinção de pedido sem resolução do mérito. Dessa forma, as sentenças e decisões interlocutórias podem ser definitivas e terminativas, devendo-se classificá-las conforme extingam ou não a fase de conhecimento na instância originária.

A partir dessas considerações, pode-se concluir que o provimento judicial que defere ou que indefere a tutela antecipada deve ser considerado decisão interlocutória, pois não põe fim à fase de conhecimento do processo, não se tratando, portanto, de sentença, e tem natureza decisória, sendo apto a causar gravame a uma das partes, não se tratando, portanto, de despacho.

Havia alguma divergência a respeito da natureza do provimento previsto no art. 273, § 6.º, do CPC de 1973, pois, como se viu, parte da doutrina vislumbrava nele julgamento parcial de mérito, que teria conteúdo de sentença, nos termos do anterior art. 162. Dessa forma, se combinássemos os entendimentos de que o provimento do art. 273, § 6.º era tutela definitiva e o de que a sentença se define pelo conteúdo, e não pela função, teríamos que esse tipo de provimento seria sentença e não decisão interlocutória. Porém, nessa hipótese específica, já não se trataria de tutela antecipada, a qual é essencialmente provisória.

No novo CPC, como já foi dito, essa questão ficou superada, pois o pedido incontroverso passou a ser pressuposto do julgamento parcial de mérito (art. 356, inc. I), com a adoção expressa pelo legislador da tese de que se trata de provimento definitivo. De toda forma, continua se tratando de decisão interlocutória, em razão da adoção da concepção funcional de sentença.359

Deve ser ressalvado, contudo, que as considerações acima delineadas não se aplicam aos casos em que a tutela antecipada for deferida ou denegada no bojo da sentença, hipótese em que sua natureza será de sentença, em razão do caráter indivisível da decisão, em termos classificatórios.

Como afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Nery:

A decisão judicial de primeiro grau não pode ser cindida em capítulos para efeitos de recorribilidade (Nery. Recursos 6, n. 2.4, p. 120 et seq.). Ainda que nela o juiz resolva várias questões, recebe classificação única. Se o ato do juiz resolve

questões preliminares, concede tutela antecipada e extingue o processo, é classificado pelo seu conteúdo mais abrangente (Nery. Recursos 6, n. 2.4, p. 121), isto é, como sentença (CPC 162 § 1.º).360

Disso decorre que, se for proferido fora da sentença, o provimento antecipatório (ou denegatório) será considerado decisão interlocutória, recorrível por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, inc. I). Se for proferido no bojo da sentença, por sua vez, será considerado capítulo da sentença, recorrível por meio de apelação (art. 1.013, § 5.º), a qual, contudo, não terá efeito suspensivo, em relação a esse capítulo, por expressa disposição legal (art. 1.012, § 1.º, inc. V).361