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Princípio da efetividade da jurisdição e tutela de evidência

3.1 Fundamento constitucional

3.1.1 Princípio da efetividade da jurisdição e tutela de evidência

O princípio da efetividade da jurisdição, também chamado de princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à justiça, está positivado no art. 5.º, inc. XXXV, da CF, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O novo CPC repete, em sede infraconstitucional, o comando da Constituição e dispõe em seu art. 3.º que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, estabelecendo, em seus parágrafos, exceções compatíveis com o referido princípio.

Como foi dito quando tratamos dos conceitos de tutela jurisdicional e ação, o direito fundamental à efetividade da tutela encerra não apenas o acesso ao Judiciário, mas a proteção integral do direito lesado ou ameaçado, que deve ser entregue ao titular como se não tivesse sido necessária a intervenção do Estado, ou seja, sem reduções qualitativas ou quantitativas.

A efetividade da jurisdição representa, desta forma, a redução do binômio “direito e processo”, e o reconhecimento do processo como instrumento voltado à realização concreta do direito material. Em razão desse princípio, o processualista deve, ao interpretar as leis processais em consonância com a Constituição, voltar os olhos para fora do processo e para busca de finalidades que são exteriores a ele, o que significa, entre outras coisas: a busca por um processo civil de resultados, o fortalecimento dos poderes do juiz, a adoção de técnicas de aceleração da prestação da tutela jurisdicional, a compatibilização entre a cognição e as diversas situações do direito material, e a ampliação da legitimidade ativa para a tutela de direitos e interesses coletivos.137

Nesse passo, percebe-se que o direito fundamental à efetividade encerra o direito à tutela diferenciada, que é aquela moldada conforme as necessidades específicas oriundas do direito material tutelado ou das circunstâncias especiais

137 BUENO, Tutela... cit., p. 10-11.

de cada conflito. A diferenciação da tutela, portanto, seja por meio da cognição parcial, seja por meio da cognição sumária, deve ser vista como um direito fundamental que integra o direito à jurisdição efetiva, exatamente na medida em que a atividade jurisdicional deve ser adequada às necessidades concretas de cada caso.138

Dado o conteúdo do referido direito, pode-se afirmar que a técnica da tutela antecipada deriva da Constituição, mais especificamente do aspecto substancial do direito de ação: o direito à ação adequada e o correlato direito à tutela jurisdicional efetiva. Como ensina Mitidiero, entre as várias técnicas processuais cabíveis para a adequada realização da atividade jurisdicional, a técnica antecipatória revela-se um “corolário essencial e inarredável da organização de um processo justo” e, desta forma, como uma “das posições jurídicas que integra o direito de ação como direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva mediante processo justo”.139

Tanto assim é que Nelson Nery Junior afirma que se a tutela jurisdicional adequada para o jurisdicionado é medida urgente o juiz deve concedê-la, independentemente de haver lei autorizando-o, e mais, ainda que haja lei proibindo a sua concessão, pois em qualquer uma das hipóteses haveria uma inconstitucionalidade a ser rechaçada no plano do processo.140

Como foi dito, a efetividade da jurisdição diz respeito à sua aptidão para alcançar resultados práticos equivalentes aos que a parte obteria com o cumprimento espontâneo ou ainda com a autotutela, caso fosse permitida. Nesse sentido, não se duvida da relação da efetividade com os institutos da tutela cautelar e da antecipação da tutela, com fundamento na urgência.

No caso da tutela cautelar, a atuação judicial é condição para garantir proteção ao resultado útil do processo, assegurando a futura fruição de um direito hipotético, pois sem a prestação dessa tutela, a tutela jurisdicional do direito acautelado não se revelaria efetiva.

No caso da técnica da antecipação pela urgência, por seu turno, permite- se que a parte frua do direito afirmado desde logo, pois já demonstrado que a manutenção do alijamento do direito está provocando prejuízos de difícil ou

138 MARINONI, Antecipação... cit., 2011, p. 133. 139 MITIDIERO, Antecipação... cit., p. 59-60. 140 NERY JUNIOR, Princípios... cit., p. 187.

impossível reparação. Assim, para que a tutela se revele efetiva, o bem da vida deve ser entregue de forma imediata ao suposto titular, antes de esgotadas as formalidades exigidas pelo devido processo legal. Como se vê, também aqui a tutela antecipada é forma de exercício do direito à efetividade da jurisdição.

A questão que se coloca, contudo, é se a tutela antecipada com base na evidência também presta efetividade à jurisdição. A resposta é afirmativa.

Como se verá adiante, a técnica da tutela antecipada de evidência se relaciona com a distribuição do ônus do tempo. O legislador infraconstitucional identifica particularidades circunstanciais e espécies de direito em que não há razão para impor ao autor o ônus da espera, seja em razão da intensidade da prova oferecida, da alta probabilidade de procedência da pretensão ou da sensibilidade do direito ao decurso do tempo.

Nesses casos, apesar de não haver prejuízo concreto e iminente ao direito ou à pessoa, a adoção da tutela padrão imporia espera desnecessária ao titular do direito, fazendo com que a tutela deixasse de ser tempestiva, e, por conseguinte, efetiva.

O que se quer dizer é que a efetividade abrange a exigência de que a tutela seja prestada no menor tempo possível, ou melhor, no menor tempo

necessário à formação de uma decisão justa. Tanto assim que parte da doutrina

afirma corretamente que o princípio da razoável duração do processo não demandava previsão expressa na Constituição, pois já estava contido no princípio do acesso à justiça.141 A tempestividade da tutela, no entanto, não se afere apenas pelo critério da utilidade (é tempestiva, enquanto for útil), mas pelo da economia processual.

Assim, conclui-se que enquanto nos casos de tutela de urgência a efetividade da tutela se realiza pela sua prestação imediata, em razão da verificação de uma necessidade, nos casos de tutela de evidência a efetividade se realiza em razão da verificação da desnecessidade de sua postergação.

Além disso, deve-se reconhecer que a entrega imediata da tutela ao seu provável detentor tem um inegável poder moralizante da vida jurídica, estimulando as partes, especialmente as recalcitrantes, a passar a cumprir espontaneamente suas obrigações, pois o processo não poderá mais ser usado

141 Ibidem, p. 326.

como forma de manutenção na posse e gozo de bens e direitos que, desde logo se sabe não lhes pertencer, mas apenas representará um ônus e um custo, a ser ao final, por si carregado.142 Nesse sentido, pode-se dizer ainda que a tutela de evidência possui uma carga de efetividade que extrapola os limites do processo individual e flui para todo o sistema judiciário e para fora dele.