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4.3 Tese firmada em precedentes ou súmula

4.3.1 Linhas gerais sobre precedentes

O sistema de precedentes vinculativos se destina à uniformização e à estabilização na intepretação dos textos legais pelos tribunais, por meio do estabelecimento da competência de alguns deles de fixarem o sentido que as normas devem conter e a obrigação dos outros órgãos judiciais de observarem esse sentido no momento da prolação de suas decisões judiciais individuais.285 Não se trata, contudo, de estabelecimento de uma hierarquia propriamente dita entre os tribunais e órgãos judiciais, mas de divisão de funções entre eles. Com efeito, a atribuição de força vinculante a determinadas decisões nada mais é do que concessão de competência aos órgãos que as prolatarão de fixarem a intepretação que deve prevalecer.286

Dessa forma, ao decidirem os casos concretos, os órgãos judiciais deverão tomar como fundamento não somente os textos legislativos em vigor, mas o sentido que lhes conferiram os tribunais que têm a função de fixação de precedentes.

Importante notar que a norma é o produto da interpretação construído a partir do texto e que com ela não se confunde, tratando-se de construção que agrega “algo novo que se coloca ao lado da lei, integrando uma ordem jurídica mais ampla”.287 Assim, a existência de um órgão que tenha a função de fixar o produto final dessa construção revela-se não só legítima, como essencial para

285 “A ideia motriz seria a da possibilidade de se estabelecerem ‘standards interpretativos’ a partir do julgamento de alguns casos: um Tribunal de maior hierarquia, diante da multiplicidade de casos, os julgaria abstraindo-se de suas especificidades e tomando-lhes apenas o ‘tema’ a ‘tese’ subjacente. Definida a tese, todos os demais casos serão julgados com base no que foi predeterminado; para isso, as especificidades destes novos casos também serão desconsideradas para que se concentre apenas na ‘tese’ que lhes torna idênticos aos anteriores” (NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, v. 199, p. 55-56, set. 2011).

286“Note-se, portanto, que o fato de os precedentes do Superior Tribunal de Justiça obrigarem não tem qualquer relação com a liberdade de interpretar ou com o dever de o juiz contribuir para a realização da justiça. A função do Superior Tribunal de Justiça não se sobrepõe a dos tribunais de apelação e juízes e, por essa simples razão, não há como pensar que os precedentes interferem sobre a tarefa dos últimos. Se cabe apenas ao Superior Tribunal de Justiça definir o sentido da lei federal, não há como alegar que um precedente viola a liberdade de o juiz inferior julgar e a sua tarefa de colaborar para a realização da justiça” (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da Corte Suprema. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 160).

conferir unidade ao direito, concretizando os valores da igualdade, imparcialidade, coerência e segurança jurídica. Não há, portanto, razão para se reconhecer inconstitucionalidade das normas que preveem a vinculatividade de algumas espécies de decisões judiciais.

Em termos práticos, os precedentes nada mais são do que “decisões anteriores que funcionam como modelos para decisões futuras. Aplicam-se as lições do passado para resolver problemas do presente e do futuro, constituindo uma parte fundamental da razão prática humana”.288

Em termos estruturais, por sua vez, são compostos de duas partes, as circunstâncias fáticas e a tese ou princípio jurídico assentado na motivação (ratio

decidendi).289 A ratio decidendi é o elemento vinculante da motivação, ou o precedente, em sentido estrito, que engloba “apenas as considerações que representam indispensavelmente o nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão”. As demais observações, advertências ou aspectos que não guardem essa relação de causalidade consubstanciam-se o obiter dictum, chamado de elemento persuasivo do precedente.290 A ratio decidendi, assim, é o que transcende ao precedente que a origina,291 às particularidades e especificidades do caso decidido, ou como sintetiza Teresa Arruda Alvim Wambier, a ratio decidendi é a rule.292

Para aplicação dos precedentes, portanto, o juiz deverá identificar os fundamentos determinantes (ratio decidendi) do precedente utilizado e demonstrar que o caso sob julgamento se adequa ao caso que deu origem ao precedente, ajustando-se aos seus fundamentos.

288 MaCCORMICK, Nel; SUMMERS, Robert S. Introduction. In: ______; ______. Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Ashgate, 1997, p. 1 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2015. p. 292.

289 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 12.

290 NUNES, Processualismo... cit., p. 69. 291 MACÊDO, Antecipação... cit., p. 526.

292 “A ratio decidendi equivale a rule. Uma rule é criada para futuros casos quando ocorre de chegar ao Judiciário um case of first impression, ou seja, um caso que deve ser decidido sem que se lhe aplique precedente algum: um caso novo. O que será a ratio decidendi neste caso (= rule) pode ser determinado expressamente na decisão. Mas o que usualmente ocorre é que a rule é definida na decisão subsequente” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes e evolução do direito. In: ______ (coord.). Direito jurisprudencial. 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2012, v. 1, p. 44).

O novo CPC estabeleceu todo um sistema de formação, revisão e eficácia dos precedentes, disciplinado especialmente em seu Livro III.

Além disso, mantiveram-se e estabeleceram-se diversos modos de sua atuação, entre os quais podemos citar o julgamento liminar de improcedência (art. 332); a dispensa de reexame necessário, quando a sentença estiver fundada neles (art. 496, § 4.º); a dispensa de exigência de caução para levantamento de depósitos ou atos de alienação e transferência de bens, em execução provisória (art. 521, IV); permissão de julgamento monocrático de recurso (art. 932, IV e V); afastamento do prolongamento do julgamento de apelação, sucedâneo dos embargos infringentes (art. 942, § 4.º); e, por fim, o cabimento de antecipação de tutela de evidência do inc. II do art. 311, de que aqui tratamos.

Conjugando o art. 311, inc. II, com o art. 1.012, § 1.º, inc. V, que prevê o efeito meramente devolutivo para a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória, pode-se concluir que se estabeleceu também a exequibilidade imediata das sentenças que estiverem em conformidade com a jurisprudência vinculante293 (desde que os fatos estejam amparados em prova documental). Tratar-se-á, contudo, de forma ainda mais efetiva de execução provisória, pois, conforme mencionado, a parte estará dispensada do depósito de caução para levantamento de depósito em dinheiro, em razão de a decisão estar em conformidade com “súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos”, nos termos do art. 521, inc. IV, do novo CPC.294