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5 REGIME JURÍDICO DA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA:

5.2 Aspectos em que não há distinções na disciplina das tutelas

5.2.5 Necessidade de requerimento

Outro elemento comum a todas as formas de tutela antecipada, independentemente do fundamento, é a necessidade de requerimento da parte interessada. Trata-se de exigência que decorre do princípio do dispositivo e tem relação direta com a responsabilidade processual da parte beneficiária da tutela, em caso de sua não confirmação.

O art. 273 do CPC de 1973 é expresso nesse sentido, dispondo que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar os efeitos da tutela pretendida.383 O

380 Em sentido contrário: NERY JUNIOR; NERY, Comentários... cit., p. 864. Um panorama completo da questão pode ser encontrado em: REDONDO, Estabilização... cit., p. 183-189. 381 A dinâmica da estabilização é bastante similar à existente no procedimento monitório, no qual o provimento inicial é proferido com cognição sumária e pode se tornar definitivo, em caso de inércia do réu. A doutrina, contudo, tem assentado que a decisão liminar do procedimento monitório não é apta à formação da coisa julgada, em razão das mesmas razões acima referidas. Nesse sentido, conferir: TALAMINI, Tutela... cit., p. 85-86; MEDINA, Novo Código... cit., p. 968. 382 Em sentido contrário, admitindo a tutela provisória de evidência antecedente: BODART, Tutela... cit., p. 145; MEDINA, Novo Código... cit., p. 503.

383 No sentido de que não cabe a concessão de tutela antecipada de ofício, conferir: STJ, REsp 1.178.500/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3.ª Turma, julgado em 04.12.2012, DJe 18.12.2012; TRF-4.ª Região, AI 2001.04.01002929-5/PR, Rel. Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu, 6.ª Turma, julgado em 08.05.2001, DJ 06.06.2001, p. 1857; TRF-1.ª Região, AI 1997.01.00.018994-8/DF, Rel. Desembargador Federal Velasco Nascimento, 1.ª Turma, julgado em 18.08.1998, DJ 24.09.1998.

art. 299 do novo CPC, de forma oblíqua, mantém a exigência de requerimento, ao dispor que a tutela provisória será requerida ao juízo da causa.384

Em função da redação do art. 797 do CPC de 1973, parte da doutrina defendia a possibilidade de deferimento de tutela de natureza cautelar ex

officio.385 Tal permissão poderia ser compreendida como fruto da concepção de que a tutela cautelar visa a proteger o próprio processo e não um direito da parte, entendimento que, como foi dito, considera-se superado, o que altera a conclusão a respeito da dispensa de requerimento. “Compreendida a tutela cautelar como uma tutela do direito da parte, no entanto, seu pedido submete- se à regra geral que exige requerimento. Nessa perspectiva, não pode o juiz conceder tutela cautelar de ofício”.386

Diante do novo CPC, parte da doutrina já defende a manutenção de vedação da concessão de tutela antecipada de ofício, salvo expressa autorização legal.387 Contudo, há autores, como Humberto Theodoro Júnior, que entendem que a concessão de ofício continua sendo possível, desde que se verifique situação de vulnerabilidade da parte e risco sério e evidente de comprometimento da efetividade da tutela jurisdicional.388 A exigência de comprometimento de efetividade a que alude o doutrinador, contudo, revela que, mesmo para ele, somente seria possível a concessão de ofício, em caso de tutela de urgência, e não na de evidência, na qual não se vislumbra a presença de riscos.

384 THEODORO JÚNIOR, Curso... cit., 2015, p. 624.

385 ARRUDA ALVIM; ASSIS; ARRUDA ALVIM, Comentários... cit., p. 1427-1428. Com base nisso e na proximidade que vê entre os institutos da tutela antecipada e cautelar, José Roberto dos Santos Bedaque defende inclusive a possibilidade de concessão da tutela antecipada de ofício, em casos excepcionais. Para o professor da USP: “Nesses casos extremos, em que, apesar de presentes os requisitos legais, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional não é requerida pela parte, a atuação ex officio do juiz constitui o único meio de se preservar a utilidade do resultado do processo. Nessa medida, afastar taxativamente a possibilidade de iniciativa judicial no tocando à tutela antecipatória pode levar a soluções injustas” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Arts. 270 a 273. In: MARCATO, Antonio Carlos (coord.). Código de Processo Civil interpretado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 843).

386 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, Novo curso... cit., p. 205. 387 DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, Curso... cit., 2015, p. 593.

388 THEODORO JÚNIOR, Curso... cit., 2015, p. 624. Vale notar que o art. 277 do primeiro projeto do novo CPC aprovado no Senado Federal (PLS 166/2010) dispunha que, "em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício", o que autorizaria, em regime excepcional, a dispensa do requerimento, tal como sugerido pelo autor mineiro.

Bruno V. da Rós Bodart, por outro lado, sustenta o cabimento da tutela provisória de ofício, pois ela não serve apenas ao interesse da parte, mas à administração da justiça como um todo, constituindo ferramenta para melhora da qualidade da prestação jurisdicional e instrumento de moralização da vida jurídica, não se podendo submeter a sua aplicação ao desejo da parte contrária.389 Não concordamos com a conclusão do processualista fluminense, por entender que a função sistêmica da antecipação fundada na evidência não se sobrepõe à de proteção de um direito individual. São funções que convivem e se complementam, como fazem na tutela cautelar e na antecipada em razão da urgência. Tanto assim que o sistema não dispensou a parte que dela se beneficia de responsabilidade em caso de sua revogação. Dessa forma, ainda que o legislador pudesse dispensar o requerimento, o fato de não o ter feito, mantém-no como necessário.390

Daniel Mitidiero parece encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas posições. Inicialmente afirma que, com a propositura da ação visando à tutela do direito, a liberdade e a autonomia privada já se encontram devidamente resguardadas. Nesse caso, o deferimento da tutela antecipada não se situa no plano da iniciativa, mas no da condução do processo, a qual cabe ao juiz em colaboração com as partes391. Com base nisso, o autor sustenta que, vislumbrando a presença dos requisitos e ausência de requerimento, deve ser admitido que o juiz consulte a parte se ela deseja ou não a sua concessão, deferindo a medida, caso haja interesse dela.

Com isso, equilibra-se a iniciativa judicial, inspirada na promoção da igualdade entre os litigantes e a na adequação da tutela jurisdicional, e o respeito à liberdade da parte, que pode não ter interesse em fruir de decisão provisória ao longo do procedimento, notadamente em face do regime de responsabilidade objetiva a ela inerente (art. 302).392

389 BODART, Tutela... cit., p. 151.

390 O mesmo autor defende ainda o cabimento da concessão de ofício nos casos de abuso de direito de defesa, argumentando que por se tratar de uma sanção por comportamento desleal, não poderia ficar condicionada ao desejo da parte (BODART, Tutela... cit., p. 117). Contudo, a conclusão não deve ser adotada, por não considerarmos válida a premissa de que essa hipótese de tutela antecipada se trata de sanção.

391 MITIDIERO, Daniel. Antecipação... cit., p. 93.

A solução parece consentânea com as disposições legais do novo CPC, especialmente a que estabelece o dever da cooperação entre o órgão jurisdicional e as partes (art. 6.º), e com os valores constitucionais envolvidos, especialmente o da efetividade da tutela e da igualdade, em sentido substancial. Conclui-se, assim, que a tutela antecipada, qualquer que seja, deve ser deferida apenas mediante requerimento da parte, especialmente em razão das consequências relacionadas à responsabilidade civil que dela decorrem. De toda forma, diante dos princípios da igualdade material e da colaboração, o juiz está autorizado a consultar a parte respectiva, quando perceber estarem presentes os requisitos legais e não ter havido requerimento, já que isso pode ter se dado em razão de questões outras que não a falta de interesse pela medida, entre as quais a deficiência técnica do advogado. A concessão, de toda forma, continuará condicionada à manifestação positiva da parte.393