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Natureza do provimento previsto no art 273, § 6.º, do CPC de

4.7 Pedido parcialmente incontroverso: a separação pelo novo CPC da

4.7.2 Natureza do provimento previsto no art 273, § 6.º, do CPC de

controvertidos, encaminhando o processo para a fase instrutória. Cassio Scarpinella Bueno adota interpretação semelhante, conceituando pedido incontroverso como “aquele que não depende de prova complementar” ou “que já foi suficientemente comprovado”.342

Com o devido respeito aos brilhantes doutrinadores, a interpretação não parece a mais correta. A controvérsia surge da ausência de impugnação aos fatos alegados. Se o ponto for impugnado surge a questão, a qual somente será dirimida mediante a análise das provas. A controvérsia não se desnatura porque as provas utilizadas para sua solução são pré-constituídas, em vez de produzidas na fase instrutória. O legislador, portanto, ao eleger a ausência de controvérsia como pressuposto valorizou a convicção que se origina da presunção de veracidade e não a que decorre da análise do conjunto probatório. O novo CPC bem percebeu essa distinção e criou uma segunda hipótese de cabimento do julgamento parcial de mérito (art. 356, inc. II), na qual ele é autorizado quando um ou mais dos pedidos ou parcela deles estiver em condições de imediato julgamento. Dessa forma, apesar de separar a ausência de controvérsia da dispensa de dilação probatória, o legislador do novo CPC valorizou ambas as situações igualmente, permitindo que, diante de ambas, o juiz profira decisão parcial de mérito.

4.7.2 Natureza do provimento previsto no art. 273, § 6.º, do CPC de 1973

A partir do conceito de ausência de controvérsia, pode-se perceber que estruturalmente o provimento que nela se baseia não é proferido com base em

341 MARINONI, Antecipação... cit., 2011, p. 286. 342 BUENO, Tutela... cit., p. 54.

cognição sumária, pois não se funda em mera aparência, mas em convicção plena a respeito dos fatos conhecidos.

Por isso, apesar de previsto no art. 273, a caracterização do pronunciamento do § 6.º como antecipação de tutela não era pacífica, havendo parcela considerável da doutrina que a considerava hipótese de julgamento parcial do mérito, e, portanto, de tutela definitiva. Para além da questão da cognição, Marinoni e Arenhart sustentam que a conclusão a respeito da definitividade da tutela do pedido incontroverso decorreria também do princípio da razoável duração do processo.343

Dessa forma, para essa parcela da doutrina, o provimento fundado em ausência de controvérsia não se sujeita ao regime característico das tutelas provisórias, do que deflui que se reveste dos efeitos da coisa julgada, sendo apto à emanação de certeza jurídica, não pode ser revogado ou modificado posteriormente, não se sujeita à confirmação na sentença e pode conceder efeitos irreversíveis.344

Partindo-se do referido posicionamento, o novo CPC não teria operado a exclusão de uma das hipóteses da tutela antecipada de evidência, pois ela não se caracterizava como tal no anterior. Teria apenas procedido à correção topológica e terminológica do instituto, dando tratamento legislativo adequado à natureza dele, concluindo-se, assim, que o pedido parcialmente incontroverso nunca deu origem a uma tutela de natureza provisória e continuaria, a partir do novo CPC, não o fazendo.

Para outra parcela da doutrina, entretanto, a hipótese se trata efetivamente de tutela antecipada.

Teori Albino Zavascki, por exemplo, apesar de reconhecer que seria melhor ter dado tratamento de tutela definitiva à hipótese, afirma curvar-se à

343 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 235.

344 ARRUDA ALVIM, José Manoel de; ASSIS, Araken de; ARRUDA ALVIM, Eduardo. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 552. No mesmo sentido, confira-se: MEDINA, José Miguel Garcia; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Processo civil moderno. Parte geral e processo de conhecimento. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 229; THEODORO JÚNIOR, Curso... cit., 2014, p. 419; BUENO, Tutela... cit., p. 62. Em termos jurisprudenciais, esse posicionamento foi acolhido em notável voto proferido no AI n. 0044712-08.2005.8.26.0000, de relatoria do Desembargador José Luiz Gavião de Almeida, do TJSP, de 07.06.2005 e registrado em 24.06.2005.

opção legislativa, entendendo que o regime aplicável ao caso é o de tutela antecipada.345

Para José Roberto dos Santos Bedaque, por sua vez, a opção do legislador pela tutela provisória não é somente cabível, como a mais conveniente, tendo em vista que “produz os efeitos práticos pretendidos, sem retirar do juiz a possibilidade de revogar a antecipação, por haver concluído, à luz dos elementos dos autos, pela inexistência do direito, mesmo em relação aos fatos incontroversos.”346

No mesmo sentido, Athos Gusmão Carneiro defende “que nem sempre a questão relativa à ‘amplitude’ da contestação se ostenta com suficiente nitidez, e podem surgir controvérsias sobre se (ou qual) determinada parcela do pedido realmente não mereceu contradita, ou se talvez teria sido impugnada implicitamente”.347

Teresa Arruda Alvim Wambier, por sua vez, encontra solução intermediária bastante interessante. O juiz deve decidir em que caráter decide o pedido parcialmente incontroverso, com base no grau de convicção por si alcançado em função quadro processual. Se plenamente convencido, concederá a tutela em caráter definitivo; se entender que, diante do quadro probatório, poderá posteriormente ser necessária a reanálise da questão, deverá decidir, em caráter provisório.348

Nelson Nery Junior e Rosa Nery, por sua vez, em sentido semelhante, defendem que o sistema permite a adoção das duas vertentes, mas que será o requerente que definirá a natureza da medida e, por conseguinte, seu regime jurídico: se pretender a tutela definitiva, o pedido será baseado no art. 269, II, se a provisória, no art. 273, § 6.º. Ao juiz, por seu turno, caberá a análise do cabimento da medida requerida pela parte.349

345 ZAVASCKI, Antecipação... cit., p. 113-114. Nesse sentido também: NERY JUNIOR; NERY, Código de Processo Civil... cit., art. 273, nota n. 4.

346 BEDAQUE, Tutela cautelar... cit., p. 362-363. 347 CARNEIRO, Da antecipação... cit., p. 54.

348 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. O juiz aplica a lei à verdade dos fatos? Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, v. 216, p. 429, fev. 2013.

349Dizem os autores: “Nada obstante a decisão que adianta os efeitos da parte não contestada da pretensão tenha alguns dos atributos de decisão acobertada pela coisa julgada material parcial e, consequentemente, de título executivo judicial, reveste-se do caráter da provisoriedade. Não há óbice no seu enquadramento dentro da sistemática do processo civil brasileiro, ainda que o meio processual para alcançá-la seja o do instituto da tutela antecipada do CPC 273. Falamos em meio processual porque, na essência, ontologicamente, essa situação

O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, decidiu, em sede do REsp n. 1.234.887/RJ, que a hipótese do art. 273, § 6.º, possui natureza de tutela antecipada. Após longa e detalhada análise doutrinária e jurisprudencial, o Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, conclui que a natureza provisória da medida deve se impor, em razão da evidente opção legislativa:

Ao que se tem, portanto, a decisão que antecipa a tutela da parte incontroversa da demanda, a bem da verdade, é de natureza meritória e satisfativa, porém, por questão de política legislativa, foi mantida no rol do artigo 273 do Código de Processo Civil, relacionando-se, erroneamente, com o juízo de cognição sumária.

[...]

Em vista do quanto exposto, não se discute que a tutela prevista no § 6.º do artigo 273 do CPC atende aos princípios constitucionais ligados à efetividade da prestação jurisdicional, ao devido processo legal, à economia processual e à duração razoável do processo, e que a antecipação em comento não é baseada em urgência, nem muito menos se refere a um juízo de probabilidade (ao contrário, é concedida mediante técnica de cognição exauriente após a oportunidade do contraditório). Porém, como já dito, por questão de política legislativa a tutela acrescentada pela Lei nº 10.444/02 não é suscetível de imunização pela coisa julgada.350

A nosso ver, essa é a posição que deve realmente prevalecer.

Com efeito, apesar do brilhantismo teórico, as considerações doutrinárias em contrário acabavam por conflitar com o texto expresso da lei. Em primeiro lugar, porque se trata de um parágrafo do art. 273, cujo caput dispõe sobre a tutela antecipada. Veja-se que, nos termos do art. 11, inc. III, alínea c, da Lei Complementar n. 95/1998, os parágrafos devem conter aspectos complementares à norma enunciada no caput ou as exceções à regra por este estabelecida. Assim, ainda que não se trate de regra com conteúdo absoluto,

seria equiparável ao reconhecimento jurídico parcial do pedido, que, entre nós, enseja a extinção do processo com resolução do mérito, em favor do autor (CPC 269 II), ou seja, o nosso direito já contém guarida para a pretensão do autor quando ocorre a admissão parcial do pedido condenatório. Há, portanto, duas soluções possíveis para a hipótese: a) caso o autor pretenda a antecipação parcial da tutela, haverá decisão interlocutória sobre o tema, provisória, segundo o regime jurídico da tutela antecipada; b) caso o autor alegue que o réu reconheceu parcialmente o pedido (CPC 269 II), o juiz, acolhendo a alegação, proferirá decisão interlocutória definitiva de mérito: o processo (conjunto de todas as pretensões deduzidas pelo autor e pelo réu, quando, por exemplo, reconvém) não será extinto. V. Leonardo José Carneiro da Cunha. O § 6.º do art. 273 do CPC: tutela antecipada parcial ou julgamento antecipado parcial da lide? (RDDP 1/109). V. coments. CPC 162 §§ 1.º e 2.º e coment. 4 CPC 273” (NERY JUNIOR; NERY, Código de Processo Civil... cit., art. 273, nota n. 45).

350 STJ, REsp 1.234.887/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 19.09.2013, DJe 02.10.2013.

não há dúvida de que a topologia da disposição tem carga de sentido que não deve ser ignorada.

Não fosse isso, tem-se também que o texto da regra refere-se literalmente ao cabimento de tutela antecipada: “§ 6.º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Não há, portanto, como sustentar um deslize topológico do legislador ao situar o dispositivo no art. 273. Houve, sim, uma opção inequívoca pela tutela antecipada, a qual, ainda que não fosse a mais conveniente ou precisa em termos jurídicos, não parece padecer de nenhum vício de constitucionalidade que impeça sua aplicação.

Conclui-se, assim, que o legislador de 2002 quis permitir o adiantamento da eficácia da tutela quando o réu não se insurgisse contra todos os pedidos, mas não quis afastar a provisoriedade desse provimento, deixando em aberto a possibilidade de sua modificação. Entende-se aqui, portanto, que o art. 273, § 6.º, do CPC de 1973 prevê uma hipótese de tutela antecipada de evidência, ainda que contenha em si todos os elementos necessários à formação de uma tutela definitiva, salvo a autorização legal, para tanto.