• Nenhum resultado encontrado

Princípio da razoável duração do processo e tutela de

3.1 Fundamento constitucional

3.1.2 Princípio da razoável duração do processo e tutela de

O primeiro documento de alcance internacional a reconhecer o direito à efetiva e pronta prestação jurisdicional foi a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, em seu art. 6.º.143 A Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, também colocou a tutela jurisdicional tempestiva entre os direitos humanos nela previstos.144

Como o Pacto de San Jose foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n. 27/1992 e mandado executar pelo Decreto n. 678/1992, a

142“Demonstra-se, assim, que a tutela de evidência não serve apenas ao interesse da parte. Tem importância para a administração da justiça como um todo, pois constitui uma estratégia de ação para a melhora da qualidade da prestação jurisdicional. Também não é um simples expediente destinado a combater os atrasos da justiça. Muito mais que isso, é um instrumento de moralização da vida jurídica, um instituto destinado a promover verdadeira revolução cultural, um duro golpe para aqueles que lucram com a impunidade gerada pela lentidão do Judiciário. A tutela de evidência tem por escopo, além da proteção da esfera jurídica de um demandante específico, a salvaguarda da honra da justiça” (BODART, Tutela... cit., p. 151). Esse propósito parece ter sido amplamente alcançado na França, por meio da référé. Segundo Roger Perrot, citado por Marinoni, os resultados do sistema da provision foram benéficos, tendo sido desencorajados os maus litigantes que se esforçavam em fazer o processo durar muito tempo, esperando arrancar concessões de seus adversários: “Grace au ‘référé-provision’, ces méthodes détestables n’ont pas totalement disparu, mais du moins ont elles été sérieusement découragées. À cet égard, le ‘référé provision’ a constitué um immense progres et il n’est pas excessif d’y voir l’une des meilleures reformes judiciaires des dernieres années” (PERROT, Roger, Les mesures provisoires en droit français, in: TARZIA, Giuseppe, Les mesures provisoires en procédure civile, p. 168-169 apud MARINONI, Antecipação... cit., 2011, p. 275). Em tradução livre: “Graças ao ‘référé-provision’, estes métodos detestáveis não desapareceram completamente, mas pelo menos foram seriamente desencorajados. Neste sentido, a ‘référé provision' constituiu enorme progresso e não é exagero ver nele uma das melhores reformas legais dos últimos anos". 143 “Artigo 6.°. (Direito a um processo equitativo): 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil (...)”.

144 “Artigo 8. Garantias judiciais: 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

disposição tinha vigência interna. Para parte da doutrina, no entanto, a disposição previa apenas o direito de ser ouvido em prazo razoável, não implicando adoção do princípio para todo o processo.145

De toda forma, o direito à razoável duração do processo foi introduzido na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n. 45/2004), que incluiu no art. 5.º, o inc. LXXVIII, que assim, dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Seguindo tal diretriz, o novo CPC, além de prever em seu art. 1.º que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”, previu expressamente o direito à razoável duração do processo, nos textos dos seus arts. 4.º e 6.º.146

Como dito acima, o direito fundamental à razoável duração do processo está contido no princípio da efetividade da jurisdição, pois só se revela efetiva, justa e adequada a prestação tempestiva da jurisdição. É a conhecida lição de Rui Barbosa, datada do começo do século passado, de que “justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Inscrito na forma de princípio, tal direito se revela como “diretriz de

celeridade do julgamento e dos meios que a garantam”, mas “também influencia a racionalidade da atividade jurisdicional, temperando, portanto, os demais princípios constitucionais colocados em destaque”.147

Razoável duração do processo e celeridade, contudo, não se confundem. O direito fundamental deverá ter por resultado, ao fim e ao cabo, a celeridade processual, mas não se limita a ela. Com efeito, o princípio não proíbe a demora, mas sim a demora injustificada ou que importe perecimento ou o gozo

145 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 247.

146 No art. 4.º, o direito aparece contraposto ao Estado, tal como na Constituição Federal: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Já no art. 6.º, a previsão revela a dimensão horizontal de tal direito, que passa ser oponível a todos os sujeitos processuais, incluindo as próprias partes: “Art. 6.º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

incompleto do direito material. Contém mandamento de que a tutela deve ser efetiva e concedida enquanto for útil e no menor tempo necessário à sua conformação,148 o que deve ser feito por meio de técnicas processuais diferenciadas e da racionalização das atividades judiciárias.

O direito fundamental à duração razoável do processo obriga, enfim, os três Poderes do Estado, e em especial o Judiciário, a organizarem adequadamente a distribuição da justiça, a equipar de modo efetivo os órgãos judiciários, a compreender e a adotar as técnicas processuais idealizadas para permitir a tutela jurisdicional a tempo e a impedir a prática de atos omissivos ou comissivos que retardem o processo de maneira injustificada.149

Na linha do posicionamento jurisprudencial da Corte Europeia de Direito do Homem, são três os critérios que podem ser levados em consideração para apreciar a razoabilidade do tempo de um processo concreto: a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores e a atuação do órgão jurisdicional.150

Pode-se definir a duração razoável, portanto, como aquela adequada ao caso concreto, à complexidade do conflito e à dimensão dos bens jurídicos envolvidos, ou, como o “direito a um processo sem dilações indevidas”.151

Apesar de o texto constitucional mencionar que o processo deve ter duração razoável, entende-se aqui que a melhor interpretação é a que se preocupa com o tempo para a entrega da tutela do direito, finalidade para a qual

148 CIANCI, Razoável... cit., p. 56.

149 MARINONI, Curso... cit., p. 226. Deve-se, por exemplo, eliminar os tempos mortos do processo, aos quais se referem Andre Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte: “O maior problema dentro do processo não está propriamente na duração dos prazos legais ou no número de recursos existentes, mas sim nas chamadas ‘etapas mortas’ do processo, em que não há atividade processual por fatores estruturais da administração da Justiça. Enquanto que a parte tem apenas, por exemplo, 10 dias para se manifestar em réplica, sua petição pode demorar pelo menos uns 2 a 3 meses para ser juntada aos autos” (ROQUE, Andre Vasconcelos; DUARTE, Francisco Carlos. As dimensões do tempo no processo civil: tempo quantitativo, qualitativo e a duração razoável do processo. Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, v. 218, p. 352, abr. 2013).

150 COVIC; KIM, O direito... cit., p. 17.

151 MITIDIERO, Antecipação... cit., p. 123. “Com isto, há que se respeitar o ‘tempo fisiológico’, designativo do lapso temporal razoável para a tramitação do processo e impedir que ocorra o ‘tempo patológico’, consistente na procrastinação indevida e desnecessária até se chegar à decisão final, transitada em julgado” (COVIC; KIM, O direito... cit., p. 17).

o processo é meio. Assim, é a prestação da tutela que deve ser feita em tempo razoável, não apenas o processo respectivo.152

Nesse sentido, aliás, se encaminhou o novo CPC ao dispor, em seu art. 4.º, que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Ao dispor que a atividade satisfativa deve ser prestada em prazo razoável, o legislador se referiu à realização concreta do direito lesado ou ameaçado, ou seja, à tutela do direito. Se por um lado, isso quer dizer que a fase de execução, quando houver, também obedece aos ditames da razoabilidade da duração, por outro quer dizer que a satisfação pela tutela deverá ser prestada imediatamente sempre que houver algum fundamento para isso, o que justifica a tutela provisória de que aqui tratamos.

O princípio da duração razoável pode ser implementado, no processo civil, por diversas técnicas que aceleram a prestação da tutela, encurtando o curso processual, dispensando certas fases ou antecipando o que viria ao fim. Entre eles, podemos citar a execução de título extrajudicial, o procedimento monitório, o julgamento antecipado da lide e a antecipação da tutela.

Se, porém, o Estado se abstiver de prestar a tutela de forma antecipada, quando ela se faz necessária (tutela de urgência) ou quando não há razão para não o fazer (tutela de evidência), ele já está impondo ao titular do direito lesado ou ameaçado, que não pode realizar a autotutela, uma espera irrazoável, ou seja, uma demora que não se justifica em termos racionais, e estará violando, com isso, o direito fundamental à razoável duração do processo.

Diante do quanto exposto, conclui-se que a antecipação da tutela em razão da evidência tem por principal fundamento constitucional o direito fundamental à razoável duração do processo. Por meio dela, o Estado presta a tutela de forma imediata em determinadas situações em que não há razão

152 É o que ensina Nelson Nery Junior: “A garantia constitucional da celeridade e duração razoável do processo (CF 5.º LXXVIII) implica o direito fundamental de o cidadão obter a satisfatividade de seu direito reclamado em juízo, em prazo razoável. O conceito de satisfatividade envolve as tutelas de urgência, de conhecimento e de execução, de sorte que somente estará preenchido o preceito contido na norma comentada, se a sentença, os recursos, o cumprimento da sentença e a satisfação da pretensão estiverem findos em prazo razoável” (NERY JUNIOR; NERY, Constituição Federal... cit., p. 247).

suficiente para que o autor a espere, cumprindo, assim, o mandamento da razoabilidade da duração.

Didier Jr., Braga e Oliveira, nesse sentido, lecionam que o direito à duração razoável do processo trata da obrigação do legislador de gerir o ônus do tempo do processo com comedimento e moderação, “considerando-se não só a razoabilidade do tempo necessário para concessão da tutela definitiva, como também a razoabilidade na escolha da parte que suportará o estorvo decorrente, concedendo uma tutela provisória para aquela cuja posição processual se apresenta em estado de evidência e com mais chances de sucesso”.153

A razoabilidade da duração, portanto, dimensiona-se também pela razoabilidade na distribuição do ônus do tempo do processo. A parte que litiga de forma temerária, que se contrapõe sem lastro probatório a fatos demonstrados documentalmente, que se baseia em teses rejeitadas pelas Cortes Superiores ou que abusa do direito de defesa atenta contra o direito da parte adversária de obter a tutela do seu direito de forma célere. O Estado, ao imputar o ônus do tempo a essa parte, realiza o direito da outra de obter a tutela de forma tempestiva, sendo a tutela de evidência, portanto, técnica processual que se presta a essa finalidade precípua.154

Por fim, não se pode deixar de mencionar que o tempo, nos dias de hoje, é percebido de forma diversa do que fora em outras épocas, havendo um sentimento disseminado de urgência, em razão da globalização e da aceleração das comunicações ocorrida nas últimas décadas, em especial e de forma dramática, com o advento da internet. O tempo não é o mesmo de ontem e o conceito de razoabilidade da duração não pode ignorar essa característica contemporânea das demandas sociais: a sociedade exige cada vez mais prontidão nas respostas e nos serviços em todas as searas, incluindo a jurisdicional.

Não se pode ignorar, contudo, que há outros valores envolvidos na atividade jurisdicional, entre os quais o de que a decisão deve ser justa e de que

153 DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, Curso... cit., 2015, p. 618.

154 Como afirma Bruno Bodart, “referido princípio, cuja previsão expressa na Carta Magna adveio com a EC 45/2004, impõe a exata ponderação entre os valores em jogo, a fim de que o ônus dromológico processual recaia sobre a parte que possui menos chances de sair vencedora” (BODART, Tutela... cit., p. 69-70).

todos os envolvidos devem ser ouvidos e participar da construção da decisão judicial, valores esses, cujo implemento, em regra, envolve dispêndio de tempo, atuando contra a celeridade almejada. Assim, o Estado deve cuidar para que, sem prejuízo de estar atento às novas demandas colocadas pela sociedade, em especial, a de rapidez nas respostas, não atropele direitos históricos e fundamentais, como o do devido processo legal, o do contraditório e da ampla defesa, sob pena de colocar em risco o Estado Democrático de Direito.