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CLENARDO: A INFLUÊNCIA DO MESTRE NA EDUCAÇÃO DE D HENRIQUE

D. HENRIQUE E O HUMANISMO: O PENSAMENTO E A ACÇÃO

2.5. OS MESTRES HUMANISTAS E D HENRIQUE: FORMAÇÃO E INFLUÊNCIA AO LONGO DA VIDA

2.5.3. CLENARDO: A INFLUÊNCIA DO MESTRE NA EDUCAÇÃO DE D HENRIQUE

Clenardo não manifestava nos seus escritos reverência absoluta pelas letras latinas, que considerava instrumento indispensável ao humanista para consolidação da sua doutrina. Todavia, evidenciava alguma apreensão face aos exacerbados formalismos ciceronianos, cujo rigor era, não raro, estéril.

Era um humanista cristão, fervoroso católico, que não se esquecia nunca da confissão, nem de a recomendar aos seus alunos na Quaresma; "(...) Encomenda-se a todo o passo às orações dos seus correspondentes"92. Mas este fervor e piedade não o

impediam, antes pelo contrário, de troçar dos monges que punham em prática a corrupção de Roma.

Talvez o ponto de alto da actividade de Clenardo fosse a sua pedagogia, que nos interessa, uma vez que através dela ensinou e educou muitas personalidades influentes da época, incluindo D. Henrique que beneficiou das suas metodologias.

O primeiro aspecto a ressaltar é o carácter ameno do ensino. Abominava o rigor excessivo dos gramáticos, a quem chamava "carniceiros", e tentava implementar um ensino vivo, capaz de incentivar algum prazer, longínquo de uma disciplina demasiado severa. É claro que o fazia à custa dos escravos, levava os três para a aula e fazia-os alvo preferencial do divertimento e da zombeteria dos alunos, utilizando-os para conferir boa disposição à classe, dela aproveitando os discípulos.

A segunda característica da pedagogia de Clenardo, decorrente da primeira, era o ensino directo do latim, sem pressas não insistindo no "encaixe" ou à memorização à pressão das suas regras. No seu entender devia aprender-se latim como os negociantes aprendiam línguas, na e com a prática: "(...) Clenardo não desprezava nada que pudesse, variando-o, tornar o ensino interessante e completo, quadros para declinações e conjugações, cadernos para arquivo de palavras novas e frasezinhas vulgares, uso de diálogos sobre assuntos da vida ordinária ou acontecimentos do dia, leitura de bons autores, colecções de adágios, classes para despertar a emulação entre os alunos. Gramáticas não as tolera (...)"93 Tais doutrinas não deviam ser vulgares nessa época em

Portugal.

Manuel Cerejeira- O Humanismo em Portugal: Cleonardo. 1926. p. 228 Manuel Cerejeira - op. cit p. 235

Por outro lado, Clenardo evidenciava a preocupação da ordem, clareza e simplicidade. Quanto à primeira, não a desligava de certo sentido estético, expondo as matérias num quadro negro, com a preocupação de que fossem agradáveis. No que respeita à segunda, relacionada com a anterior, apelava ao encadeamento na compreensão dos assuntos, de modo a não ficar nenhum pendente ou mal percebido. No que respeita à simplicidade, Clenardo procurava falar sempre com linguagem simples, para que as crianças o entendessem e descodificassem o que pretendia ensinar-lhes com facilidade.

Para que a sua pedagogia pudesse ser posta em prática, Clenardo fazia apelo ao substracto intelectual e cultural, e à respectiva preparação, vertida no enorme conhecimento do latim, do grego, do hebreu do caldeu e até do árabe. Foi em Portugal que prosseguiu os estudos arábicos, tendo como mestre António Filipe.

As Gramáticas de Clenardo, nomeadamente a grega, eram muito afamadas à época. As obras da gramática grega de Nicolau Clenardo tiveram edição portuguesa, provavelmente após 1595, mas circulavam edições estrangeiras desde 1580, e impossível estabelecer uma sequência respectiva, uma vez que houve grande profusão a esse respeito atá meados de seiscentos 4.

Nunca como filósofo Clenardo se desligou de pedagogia, longe da pedanteria erudita ou do formalismo escolástico, inspirou enormemente a pedagogia jesuíta, patente na "Ratio Studiorum".

No que diz respeito à Reforma Protestante, segundo Cerejeira, Clenardo repercutia o espírito de Reforma Católica, verberando aquela tenazmente 5.

Mas cuidado, na carta a Látomo tinha que usar de taticismo e de uma política de não agressão, ao estilo erasmista. Todavia, a leitura que Cerejeira faz do posicionamento de Clenardo não pode desligar-se do tempo, dos condicionalismos e da atmosfera em que a profere, também ela propicia à imposição liminar e absoluta de uma ortodoxia.

Justino Mendes de Almeida: "Institutiones Gramaticae ex Clenardo". 1956. p. 177-186.

Por outro lado, nem sempre se destinguiam as "Absolutismae Institutiones in Graecam Linguam" das

"Meditationes Graecanicaem" e finalmente as "Institutiones in Linguam Graecam". Esta última obra

aparece com título diferente em várias edições. As "Absolutismae (...)"e as "Institutiones (...)" diferem apenas nos títulos e nos comentários. As "Institutiones (...)" aparecem edições isoladas ou com as

"Meditationes (...)" e por outro lado, aparece o texto emerge na totalidade ou em parte. A primeira edição

portuguesa da Gramática foi tardia, talvez pelo facto de na impressão em Portugal não haver "(•••) escassez do tipo grego (...) mas a verdade é que a tipografia grega não acompanhava o florescimemto dos estudos helénicos (...)".

A questão do Protestantismo é discutível. Mesmo autores como Fernão de Oliveira e, sobretudo, Damião de Góis, não deixavam de ser católicos no seu intimo e a sua adesão a certos reformismos seria pretensa, uma vez que no início da manifestação do seu pensamento eram favoráveis à Inquisição.

Diz ainda Cerejeira que a relativa aproximação de Gois à Reforma Protestante decorria da sua inteligência e do respectivo espírito inquieto. Estas posições são muito controversas, apenas não o sendo as observações quanto à inteligência dos visados. Lembre-se que só Roque de Almeida escapou por morte prematura à Inquisição. Algo do que nos outros dois é tido como católico não será fruto do cansaço nos processos inquisitoriais de que foram alvo e, por isso, aparentável com conformismo? Ou será, outrossim, convicção profunda? São questões difíceis, cada uma com alguma viabilidade, podendo ser conciliáveis.

Por outro lado, Clenardo não demonstrava ser completamente anti-luterano, como pensava Cerejeira, e nunca o manifestou de forma insultuosa. Todavia, era clara a antipatia e desagrado face às respectivas ideias. Mas, como último recurso, não repugnava a Clenardo a repressão inquisitorial, considerava, contudo, que o espírito de cruzada devia ser substimado, substituído pelo uso da inteligência, ao contrário do que sobre, ele defendia Cerejeira nesta matéria

Clenardo considerava mais proveitosa a existência e conversão dos Cristãos- Novos do que a sua morte na fogueira. O mesmo pensava em relação aos maometanos que urgia converter mediante a posse de três condições: saber a sua língua, conhecer bem a sua religião e fazer-se amado por eles. Era este o projecto de Clenardo, por ele partiu para África, tendo aí falecido.

Estabelecendo um nexo e uma relação entre Clenardo e D. Henrique poderíamos considerar que ambos foram tocados por um humanismo essencialmente instrumental e filológico, aparentado com o Classicismo, direccionado para a prática católica. O infante terá aproveitado as metodologias inovadoras do mestre, mas foi ainda mais ortodoxo do que ele no combate à heresia, através da máquina inquisitorial. Teriam em comum o que com excessiva bonomia diz Cerejeira de Clenardo: "(••■) uma ideia nele amadurecida era logo uma acção em marcha (...)"%. O que é certo é que Clenardo nunca

foi um adepto do espírito de cruzada ou um integrista, repugnando-lhe a união do temporal e do espiritual. Aqui residia a grande diferença em relação a D. Henrique, que

embora não a tenha concretizado totalmente, não, veria com absoluta antipatia uma ideologia com laivos integristas, difíceis, contudo, de comprovar a sua acção.

No seu pacifismo Clenardo era profundamente seguidor de Erasmo, já o mesmo não se pode dizer da prática de D. Henrique ou da grande maioria dos homens da Igreja e dos humanistas portugueses. Mas o príncipe inquisidor não era nesta matéria, diferente do das "Meditações (...)".

Para Silva Dias, e cremos que muito acertadamente, ao contrário do que pensava Cerejeira: "(...) um dos elementos novos introduzidos por Clenardo neste debate é, justamente, a recusa da instrumentalização do proselitismo ao serviço da política da conquista ou da submissão dos povos. A política de conquista dos agarenos pelos cristãos está fora (...) dos seus objectivos. O seu problema é o da conversão e não o da dominação do árabe: Clenardo serviu-se da linguagem bélica para enunciar ideias pacifistas (...)"97.

Corrobora Manuel Rodrigues: "(...) Clenardo manifesta-se (...) apologista constante do pacifismo no tratamento com judeus e muçulmanos: Está pois na linha do irenismo erasmiano e no pólo oposto dos fautores do cruzadismo (...)"98. Por outro lado

em síntese julgamos que Clenardo foi muito importante na educação de D. Henrique e na formação do seu espírito.

Silva Dias, "A Ideia de Cruzada: História e Crítica". 1982.p. 71 Manuel Rodrigues "Nicolau Clenardo Hebraísta". 1981-82. p. 54.

2.5.4. PEDRO NUNES E D. HENRIQUE: O PERCURSO DO MESTRE E AS