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HOMILIAS DAS TRÊS "DOMINGAS DE CORESMA"

O CARDEAL D HENRIQUE: O PENSAMENTO DA ACÇÃO

AS "MEDITAÇÕES E HOMILIAS ( )"

4.2. ANÁLISE DO TEXTO: APROXIMAÇÕES

4.2.9. HOMILIAS DAS TRÊS "DOMINGAS DE CORESMA"

A homilia das tentações de Jesus, da "Primeira Dominga de Coresma" reforça e acentua uma vocação penitencial, que se prolonga nas restantes. Nela comparece "novamente a referencia à tentação do comer e da vã gloria as quais se combatem pelo jejum e pela docilidade".

O texto referente à Primeira "Dominga de Coresma" fornece as razões pelas quais o ser humano deveria jejuar, abstendo-se de alimentos. O caminho da virtude consistia em servir a Deus como o Redemptor fez, encetando um jejum de quarenta dias diferente e mais exigente do que o de Elias, que se muniu de mantimento prévio ou de Moisés, que se fortaleceu com a contemplação de Deus. Por seu turno, e apesar do combate contra as tentações do demónio - as da carne, mas também as da ambição e cobiça, simbolizadas estas numa imagem, a da torre, que se não devia subir inopinadamente - maior seria a queda e não haveria auxílio dos anjos.

Cardeal Infante D. Henrique - op. cit. fl. 46v

O jejuar tinha um significado físico - ligado à privação de alimentos, mas sobretudo espiritual, e só assim valeria a pena. O texto consignado à "Primeira Dominga de Coresma", acentua a dramatização do abismo entre o "Bem", Deus, e o Mal, o Diabo, figura que assoma com uma força que não havia sido de forma tão explícita até este andamento.

A recompensa que o ser humano podia ter para o jejum e penitência era a revelação de Deus Transfigurado. O episódio da transfiguração ocorre no texto da "Segunda Dominga de Coresma" e esse milagre é tão importante que aparece indicado no título.

De facto, o texto constitui a explicação, a resposta para o caminho encetado na consideração da "Coresma", e da "Primeira Dominga". Deste modo aplica-se o esquema causa / consequência, só quem se quisesse purificar e tivesse esperança nisso poderia lográ-lo.

O Redemptor escolheu aqueles que mais crença tinham na sua natureza dupla de Deus e Homem para simbolizar o efeito desejado. Os três apóstolos: Pedro, sobre quem recaía a fundação da Igreja - exemplo de amor a Deus; Moisés, representante e testemunha da lei; e, por fim, Elias, o mais perfeito dos profetas.

A transfiguração é, no texto, preparada com tanto cuidado que resulta meticulosa a série de oposições complementares e de antíteses, que se resolvem e superam, ligadas à dupla natureza de Jesus292. Por outro lado: " ao comentar a transfiguração do Senhor,

reportando-se aos textos da Segunda Dominga da Coresma o [Cardeal] faz alusão ao mistério dem Jesus feito homem e Deus" .

Esta série ocorre, convocando-se uma síntese das meditações. O episódio anterior, do "Monte Sinai", é central no texto do "Segundo Domingo". A escolha de um lugar alto é simbolicamente propícia à hierofania e consentânea com a estatura de Jesus

Redemptor.

O episódio de Sinai tem uma natureza eminentemente simbólica e demonstra como o Redemptor se tranformou numa pomba, símbolo do Espírto Santo e da divindade.

Aqueles que prostrados no solo foram eleitos para ver o milagre eram considerados dignos dele; e só os homens que confiassem na bondade do Redemptor e se comportassem como as testemunhas poderiam subir ao céu e usufruir da glória

Madureira Dias - op. cit. p. 84 Madureira Dias - Idem, Ibidem

extrema, apesar da sua natureza pecadora. A última página da segunda homilia é uma "revisão da matéria dada", um louvor ao Redemptor e ao valor do seu sofrimento.

O texto sobre a "Terceira Dominga" faz uma síntese da importância dos outros dois. "Mas ao terminar a alocucção litúrgica de novo liga a liturgia do dia ao tema das duas precedentes"294. Esta repetição permite dar conta do valor daqueles na liturgia

católica. O último trecho é o desfecho dos anteriores e representa a vitória definitiva contra o "Mal", só conseguida pelo "Bem", representado no Redemptor.

Convoca o Cardeal, para o efeito, um episódio descrito nos evangelhos: "(...) No falar o que se deve se mostra a boa vontade; e no ver, o entendimento; e no ouvir, a memória (...)295. Estas três virtudes não são, contudo, aprofundadas por D. Henrique no

seu esforço, sobretudo moral (texto da "Primeira Dominga") e ascético (textos das "Segunda e Terceira Domingas) ", mas constituiem reminiscências das potências da alma aristotélica, retomadas pelo Cardeal nas "Lembranças".

Na evocação da "Última Dominga" ressalta-se que Cristo apareceu a uma mulher pecadora, cuja redenção consistia em acreditar, contra opinião geral, nos milagres do Redemptor e, sobretudo, na sua mãe que O louvou acima de tudo. Por consequência Deus apareceu a Madalena e disse-lhe que o mais importante era acreditar na Palavra. Foi o que também fizera Maria e nela Deus se fez carne. Contudo, o Cardeal não exibe um tom pessimista antes pelo contrário "assim nos deixa (...) um profundo sentido de esperança que, a par com a contrição dos pecados, é elemento indispensável na atitude penitencial. A homilia da "Terceira dominga da Coresma" é ainda de carácter penitencial. O arcebispo de Évora faz uma boa exploração do texto, acentuando a figura do mudo, juntando-lhe a do cego e do surdo, para dar relevo à mudança que deve operar-se no coração dos homens, no decorrer do tempo da Quaresma.

Madureira Dias - op. cit. p. 85 Cardeal D. Henrique op. cit.fl.64

4.2.10. "MEDITAÇÃO SOBRE O CÂNTICO «DEMAGNIFICAT"

A "Meditação Sobre o Cântico De Magnificat" segue significativamente os textos sobre as "Domingas de Coresma" fora antecedido pelo da "Purificação de Maria" que, por seu turno, antecipa o da "Assumpção de Nossa Senhora"; é, de resto, uma preparação para tal.

A mãe de Deus fora "a Escolhida", conseguida a sua purificação e a da humanidade, em nome de Deus, Maria deveria pelo seu estatuto ser cumulada de honras que mais não fariam do que justiça à sua dupla condição, de mãe e escrava. Poderia ter- se contentado com o benefício que Deus lhe deu de forma superficial, mas entendeu que só com e pela humildade poderia atingir o céu. Fica implícito o exemplo e a valorização das boas obras, e a de Maria havia sido gerar Cristo e encomendar-se a Deus.

Antes dessa entrega atingir o seu ponto culminante, o Cardeal concentra-se no louvor a Maria, ressaltando-lhe a humildade como forma de um amor supremo a Deus, a Seu Filho e à humanidade. No cântico da serva do Senhor distinguem-se três coisas: "o cântico da vitória e de louvor (Lc I- 47-49, entre outros); "o cântico dos pobres de Javé (Lc 1-50-53, entre outros) e "o cântico de aliança com Abraão (Le 1-54-55; Gen 15, 5-6). Julgamos que o primeiro aspecto foi o que mais inspirou o Cardeal D. Henrique.

A tradição do "Cântico De Magnificat" não se restringe à Bíblia, dela encontram-se as ressonâncias importantes em filósofo tão eminente, nos finais da Idade Média, como Nicolau de Cusa .

4.2.11. "MEDITAÇÃO OU COLLÓQUIO SOBRE A

GLORIOSA FESTA DA ASSUMPÇÃO DE NOSSA SENHORA"

Por seu turno, a "Meditação Sobre a Assumpção de Nossa Senhora" também é denominada pelo Cardeal de "colóquio". Nela, as fronteiras com a oração estão uma vez mais extremamente diluídas.

Seguindo o exemplo mariano de encomendação ao Pai, Esposo e Filho, o Cardeal pretende fazer o mesmo, diringindo-se primeiro à Virgem. O tom do seu texto é apologético das virtudes de Maria e de Marta, que se entregaram ao Senhor, a primeira

Nicolau de Cusa desenvoveu temáticas que ajudam a iluminar as questões ligadas a Maria e a compreender a sua atitude louvada pelos homens da Igreja. Cf. Nicolau de Cusa - Douta Ignorância ou A

ouvindo a Sua Palavra; a segunda recebendo-o em sua casa e agasalhando-o. Neste texto, o caminho vertical entre o céu e a terra e entre a terra e o céu é muito vincado, ressaltando-se que só os humanos que tivessem atenção e devoção à graça, ao amor e à humildade de Maria, podiam chegar ao céu.

Esta piedade extremamente devota acentua-se à medida que a meditação henriquina caminha para o final, excedendo em dimensão e no tom o espírito do episódio da Assunção de Maria; técnica, aliás já muito utilizada pelo Cardeal, da qual já demos conta: "(••■) também nós como pobres e desterrados, com saudade, suspiros, lágrimas e orações vos seguiremos (...)"297. De novo as lágrimas, como traço de uma

piedade devota fervorosa e de uma vontade de exposição dos pecados e redenção do género humano. Estes valores são fundamentais para se perceber o texto que se segue.

4.2.12. MEDITAÇÃO "SOBRE A CONVERSÃO DE SANTA MARIA