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D. HENRIQUE E O HUMANISMO: O PENSAMENTO E A ACÇÃO

2.5. OS MESTRES HUMANISTAS E D HENRIQUE: FORMAÇÃO E INFLUÊNCIA AO LONGO DA VIDA

2.5.2. ANDRÉ DE RESENDE (1500 1573): DADOS BIOBIBLIOGRÁFICOS

2.5.2.1. RESENDE E O ERASMISMO

O "Erasmi Encomium" e o "Oratio Pro Rostris" são tidos como grandes marcos do humanismo literário de Resende, em contacto com as novas ideias europeias.

O Erasmismo de Resende tem sido debatido pela literatura especializada, nomeadamente através dos esforços sistemáticos e organizados de José Vitorino Pina Martins e Odette Sauvage, respectivamente nos finais dos anos 60 e princípios da década seguinte. Convém destacar também o trabalho de síntese de J.S. Silva Dias, no qual aflora o assunto. Depois de um certo interregno foi retomado por Américo Costa Ramalho, numa pequena mas significativa nota de investigação, e, no quadro de trabalhos específicos mais recentes, por Ivo Carneiro de Sousa e Virgínia Soares Pereira, que nos oferece uma sintética e actualizada visão de conjunto.

Pina Martins, cujo pioneirismo é intocável, fez um estudo de fundo no qual conclui que André de Resende foi erasmista, pelo menos em parte da vida e grande parte da obra. Para este autor, e não é caso único, o ano de 45, data de início do Concílio Trindentino, marca instrumentalmente a cisão entre um Resende ligado ao humanismo sociológico, de matriz italiana, e um homem aparentado à Ortodoxia Católica, acomodatício, conformado. Mas esta barreira não deve ser lida mecanicamente, pelo contrário, admite premanencias e transferências.

A análise sistemática do Erasmismo resendiano radica num ponto prévio. Alguns notaram que herdou o platonismo e o Classicismo dos humanistas italianos. Mas para Pina Martins, mais forte terá sido ainda o apego à filosofia medieval tomista, opondo-se à escolástica rígida que, ao contrário do humanista, ao espirito preferia a letra . Pina Martins divide em quatro aspectos a análise do erasmismo de Resende: o "Erasmi

Encomium"; o erasmismo filológico; o erasmismo teológico e a poesia de temática

erasmiana.

No "Erasmi Encomium ", Resende concretiza a admiração por Erasmo, assumida numa altura em que Erasmo era muito lido por erasmistas portugueses. O elogio comporta a apologia do método humanista e da sua aplicação às letras sagradas, aos textos clássicos e à patrística. O propósito de Resende é atacar o espirito formalista e escolástico. Mais do que mestre, Erasmo era modelo a seguir, a "imitar" no sentido

humanístico do termo. Nas "Meditações (...) do Cardeal D. Henrique não se faz, formal ou tematicamente, elogio semelhante.

Quanto ao Erasmismo filológico no "Oratio Pro Rostris", Resende, ao jeito de Erasmo, diz que a gramática não é menos importante do que a filosofia; permite tripla operação: compor, compreender e pensar ordenadamente. Embora ambos os autores respeitassem Cícero e contraditassem o pensamento vazio, Erasmo era menos sensível aos aspectos estéticos de Cícero do que o Resende88. Por outro lado, este era mais

flexível quanto à apologia do sentido literal dos textos. Todavia para ambos, a modo de Quintiliano, a gramática era ciência metodológica universal. Nas "Meditações (...)" , O Cardeal não confere tão grande importância ou estatuto a esta disciplina.

No que respeita ao Erasmismo teológico, para Resende a teologia não devia, como a escolástica, submeter-se à filosofia. Erasmo e Resende conjugavam humanitas (textos clássicos) e divinitas (escritura). André de Resende é adepto da crítica de fontes como ponto prévio à consideração da palavra. A influência de Erasmo na teologia resendiana situa-se na defesa de uma "Philosofia Christt, de uma "doctapietas", contra superstições ou formalismos escolásticos. Ambos eram cristocêntricos, defendiam o homem no centro do mundo, à imagem de Deus e do seu filho, contrariando o pessimismo antropológico luterano, criticado por ter rompido a unidade da igreja, por ter encorajado a interpretação individual das sagradas escrituras, por haver, para isso dispensando a autoridade papal, por não o poder fazer pois Lutero só era frade, e ainda pelo facto de os reformadores não terem assistido ao Concílio de Trento, que demandavam. Resende e Erasmo eram contra o sacerdócio universal, mas mais o primeiro. O Cardeal D. Henrique não renegou totalmente a matriz escolástica e também se opunha ao sacerdócio universal.

Em suma, no apoio ao conciliarismo, Rsende era mais rigoroso do que Erasmo, ambos combatiam a idolatria - em maior grau que o Cardeal - e a iconoclastia. Erasmo era mais iconoclata. Na questão da guerra, Erasmo era mais radical no pacifismo.

No que se refere à temática Erasmiana da poética de Resende, para Pina Martins, se não há erasmismo doutrinário na poesia de Resende, é pelo menos temático, Resende era importante mais e melhor poeta do que Erasmo e ambos partilhavam o gosto pela exemplaridade e comunicação cívica presente nos epigramas, epistolas e elogios.

Para Pina Martins, os poemas citados de 1567 comprovam a permanência da influência de Erasmo sobre Resende .

Para o quadro posterior a 1537, aventado por Sauvage, contribuíram, naquele ano, a morte de Erasmo e, no ano anterior, o surgimento da Inquisição.

Todavia, talvez outros factores tenham a sua lógica e sejam de ponderar, como a questão da guerra justa contra o turco, a aceitação resendiana de alguns formalismos das práticas religiosas.

Contudo, a intuição de Pina Martins não parece desprovida de sentido, primeiro porque Resende e Erasmo defendem a unidade da Igreja contra a proliferação de seitas, ainda que não tenha sido plenamente concretizada como refere Virgínia Soares Pereira. J.V. Pina Martins tentou prolongar até 1567 a ligação de Resende ao ideário de Erasmo (...). Todavia, não muito convicto das consequências de tal paralelo, considerou mais prudente fixar-se no ano de 1565, por entender que a oração que Resende proferiu no sínodo de Évora contém indícios erasmianos

Num outro passo, Soares Pereira escreverá: "os estudos que até hoje se fizeram sobre o erasmismo de André de Resende não tiveram em conta o contributo indispensável do "Aegidius Scalabitanus" até há pouco desconhecido e que convida o que problema seja revisto (...). Neste texto, o autor trata uma figura da igreja católica, Frei Gil de Santarém. O texto tem resonancias humanistas, mas o tema configura a luta pela reforma católica, tão cara ao Cardeal D. Henrique.

As datas referidas de 1565 e 1567 aproximam-nos do tempo em que Resende terá construído o "Aegidius (...) " e a autora concretiza: "(...) há que ter presente, contudo, que a existência de alguma homologia de ideias com o presente de Erasmo não basta para determinar o grau de erasmismo de um autor. É preciso que haja semelhanças fraseológicas, pois são estas que denunciam uma leitura e o seu grau de adesão. Ora,

89 Odette Sauvage - L'Itinéraire Erasmiens d'André de Resende. 1971, p. 13-15 O pensamento de

Odette Sauvage se distancia do expandido por Pina Martins, e limita a influência erasmiana em Resende a datas próximas de 1537, após o que se anuncia "Crépuscule de L' Erasmisme de Resende", como o titulo da sua obra denuncia. Para a especialista francesa, o itinerário erasmiano de Resende compreende os poemas: "Elogie de la Ville et la Université de Louvaine", o "Elogio de Erasmo" já referido; "As Disputas contra os Detractores de Erasmo, 1532 - 37"; os poemas a A. Quatrinuus e a Damião de Gois, sobre a morte de Erasmo.

Nestes limites temporais, o erasmismo resendiano passou por várias fases: "d'abord 1' admiration juvenil (...) à Erasmo (...) puis son militantisme dans le champ des partisans d' Erasme (...) sa nostalgie retrouva à la cour de Jean III la compagnie des nobles ignorants (...), enfin sa douleur lorsque la nouvelle de la morte d' Erasme lui parvient".

situações destas foram detectadas no "Aegidius (...)". Reflexos do erasmismo poderiam ainda observar-se no tratado da questão aeropagitica, a respeito da qual Erasmo é invocado (...)• Mas esta possibilidade é fortemente cerceada pela circunstância do texto resendiano ter sido sujeito a censura por parte do editor".

Esta citação é longa, mas evidencia originalidade na defesa de um critério, se não inovador, pelo menos relativamente pouco frequente para aquilatar do grau de erasmismo ou influência erasmiana em André de Resende. Contrariando, até certo ponto, a ideia de que após Trento, Resende postergou a influência erasmiana, Soares Pereira conclui: "seja como for e à parte o reflexo, mais ou menos visível, do pensamento de Erasmo na abordagem de certos temas é inegável no "Aegidius (...)" a presença de sinais de alguma "liberdade" no tom irónico de certas intervenções".

Também em jeito de síntese diríamos que, mesmo que, eivados de um pendor por vezes excessivamente estruturalista, ainda que nem sempre declarado, são importantes os estudos que nas últimas décadas operaram a sistematização de uma problemática complexa de forma competente, estribada em rigorosa análise de textos com recurso à filologia, relacionando-o com a história da cultura da época.

Esta simbiose, mais ou menos equilibrada ao longo do tempo, é cada vez mais presente, à medida que penetrantes estudos específicos têm aparecido. " (...) Não pode, por isso, por outro lado esquecer-se e deve continuar a relevar-se que os estudos da história religiosa do Renascimento procuraram, nas últimas décadas, reanalisar criticamente a omnipotência social e cultural, de Reforma Católica, a qual constitui uma dinâmica compósita que se não limita à edificação de programas e respostas defensivas e alternativos às renovações protestantes. De facto, quando se exorbita esta última ideia, surge, de imediato, a 'tentação' de, sobrevalorizando a dimensão desestruturante das fracturas do céu cristão renascentista, tratar de passar a filiar todos os debates culturais nos afrontamentos intelectuais, antitéticos das reformas"91. Por exemplo, mesmo antes

da Contra-Reforma havia movimentos reformistas na igreja católica.

2.5.3. CLENARDO: A INFLUÊNCIA DO MESTRE NA EDUCAÇÃO DE D.