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O CARDEAL D HENRIQUE: O PENSAMENTO DA ACÇÃO

AS "MEDITAÇÕES E HOMILIAS ( )"

4.1. INTRODUÇÃO AO TEXTO

No que respeita às edições das "Meditações (...)" convém seguir as indicações e fixar as observações de Idalina Rodrigues: "Do original português (...) devem ter circulado entre nós, pelo menos duas edições, uma de 1574 e outra de 1577"2 . Vamos

seguir esta última. Contém duas preces e três considerações inexistentes na primeira: uma oração ao menino, o pedido de amor de Deus, uma consideração sobre o

magnificat, outra sobre a assunção euma sobre a Madalena.

As "Meditações e Homilias (...)" do Cardeal D. Henrique foram publicadas na tipografia de António Ribeiro, em Lisboa, e também tiveram edição latina. É evidente que não foram alheias às orientações tridentinas que influenciaram, em graus e de formas diversas, outras obras que se inseriram no grupo vasto da espiritualidade no século XVI.

Em tradução latina a obra teve publicação, primeiro na Flandres, em 1575, e em Lisboa no ano seguinte, contendo alguns textos comuns à obra em português, de 77, "(...) o que permite supor a existência duma redacção intermédia perdida ou com a sua circulação avulsa, (...) pelo que respeita às meditações sobre o Pater sabe-se que elas foram passadas ao latim por Jerónimo Osório, provavelmente em 1576 e, nessa versão, aproveitadas pela academia eborense"

Não tivemos acesso a quaisquer informações que confirmassem a existência de livros impressos na tipografia de António Ribeiro, no que respeita à literatura da espiritualidade anteriores a 1574, data em que editou pela primeira vez as "Meditações e Homilias (...)", uma estreia, no duplo sentido, para editor e obra editada.

A edição que nos interessa da obra henriquina, tem no entanto antecedentes, obras de outros autores que, num período de três anos saíram da mesma tipografia.

A enumeração, tanto dos títulos como de quem os escreveu, é relevante na medida em que ajuda a situar a actividade do impressor em causa e a demarcar os seus interesses e áreas de actuação, de modo a inferir-se a respectiva coerência, os motivos explícitos e/ou implícitos que presidiram às publicações.

245 Maria Idalina Resina Rodrigues - Frei Luís de Granada: a literatura da espiritualidade em

Portugal. 1976. p. 1279

Ver também Maria Amélia Polónia da Silva - Cardeal D. Henrique: um prelado no limear da viragem tridentina. p. 57 e ss

Trata-se de esboçar, indiciária e embrionariamente, um itinerário ou percurso, para poder entender o lugar de Ribeiro na impressão portuguesa em quinhentos, mormente na segunda metade; aquilatando " o seu peso", aferível tanto em quantidade como na qualidade das obras impressas.

O primeiro indicador é mais fácil de apontar, numa leitura imediata. Entre 1574 e 77, Ribeiro imprimiu as seguintes cinco obras247: "Capítulo Veinte y Ocho de

Adiciones dei Manual de confessores" de Martin Azpilcueta (1575); "Segunda Parte da Imagem da Vida Cristã" de Heitor Pinto (1575); "Libro de Vanidad dei Mundo (Primera Parte) " de Diego Estella (1576); "Crónica dos Feitos, Vida e Morte do Infante Santo D. Fernando" de João Alvares (emendado e corrigido por Jerónimo Ramos) e "Vida do Muy Glorioso S. Bento" escrita no segundo livro dos seus diálogos e impressa com "O Processo da Vida Penitente e Milagres de Santo Amaro" de S. Gregório.

Todos os títulos remetem para as temáticas religiosas, como era usual e mais comum, à época, em Portugal .

247 Bibliografia Cronológica na História da Espiritualidade em Portugal. 1888. p. 104 - 107

248 Todavia, há especificidades a ter em conta: a primeira indicação aponta para um capítulo das

"Adições ao Manual de Confessores", uma das tipologias muito difundida em quinhentos, ligada à imposição da reforma de costumes católicos, e da liturgia, tornando-a efectiva e fazendo com que fosse cumprida por um clero que se queria mais habilitado intelectualmente. A confissão era um dos elementos fulcrais nessa prática. Azpilcueta foi, de resto, docente da Cátedra das Sagradas Escrituras em Coimbra, e nessa área era um dos mais reputados e respeitados especialistas da Escola de Salamanca e, nela, defensor do espírito de Trento.

O segundo título referido reporta-se à segunda parte da "Imagem da Vida Cristã", de Heitor Pinto, que era, talvez, o mais editado dos espirituais portugueses e procurava mostrar, as vantagens de uma vida humana segundo o exemplo de Cristo, à imagem das suas virtudes, da bondade e do sofrimento para redenção da humanidade pecadora.

Daí não ser estranho o título do terceiro obra impressa por Ribeiro, ainda que lhe não conheçamos o correpondente conteúdo. Os dois títulos impressos por Ribeiro até ao ano da 2a edição das "(...)

Meditações" datam também de 77 e parecem ter em comum uma narração de cariz eventualmente cronístico, elegendo personalidades que pelo seu exemplo se tornaram Santos: D. Fernando e S. Bento. Sobre esta última edição convém ressaltar que o autor do texto era um dos maiores da patrística medieval, S. Gregório. Ora, embora o texto das "Meditações (...)" não sejam cronísticos ou hagiográficos, não parecem ter ficado alheias ao espírito monástico de S. Bento, ou à influência de S. Gregório que não era um autor contemporâneo nem de Ribeiro, nem do Cardeal.

Não vamos neste espaço aprofundar questões que se prendam com a prospecção editorial das "Meditações (...)" e respectivas implicações técnicas, temáticas, simbólicas, nem nos deteremos nas eventuais diferenciações filosóficas provenientes da

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comparação entre o texto latino e os escritos em português .

As "Meditações (...)" são fruto de um contexto histórico pós-Trento, que implica uma matriz teológica e moral e acolhe outros textos e autores, pertencendo ao grupo que poderíamos designar por literatura religiosa e de espiritualidade - com cuidado, prudência e cientes do acolhimento de uma certa margem de generalização, inevitável e consequente - , visando traçar um perfil e itinerários da literatura religiosa e de espiritualidade em Portugal na Época Moderna, o que implica pertinentes questões de definição e identidade, na medida em que o universo que hoje pode entender-se como tal esteve, nos séculos em causa, imperfeitamente delimitado. Não era um género de contornos definidos e, pelo que respeita aos conteúdos, o religioso invadia praticamente todos os campos ditos literários, o que torna difícil, senão impossível, uma identificação

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precisa .

Sobretudo depois de 1640, a parenética251 aprofundou-se enormemente em

Portugal. Até aí assistiu-se ao desenvolvimento de uma literatura moralizante e catequética, tradutora de preocupações filiáveis nos movimentos da reforma e renovação espiritual, sobretudo na sequência das orientações normativas do Concilio de Trento. Os séculos XVII e XVIII acentuaram esta produção .

A segunda metade do século XVI teve a necessidade do recurso à literatura religiosa, que se acentuou pela conjugação de vários factores: "a fim de combater a falta de instrução e a baixa moralidade de conventuais e clérigos, acrisolando-os na prática da virtude que pela via da ascese conduz à união com Deus, religiosos e eclesiásticos e também leigos, necessitavam de livros de espiritualidade, mesmo que tivessem mestres de noviços experimentados, guias de almas zelosos e doutos directores de consciência. Decorrido mais de um século desde o advento da Idade Moderna e em altura de plena aplicação das directrizes tridentinas, entre o esforço para cimentar uma piedade renovada e a erupção do luteranismo, não era grande a circulação em Portugal de obras daquela natureza" .

249 A questão da edição merece um tratamento alargado e autónomo, não se confinando à enunciação

sumaria e genérica que entendemos proceder

250 Bibliografia Cronológica da Espiritualidade em Portugal. Idem, Ibidem 251 Cf. João Marques -A Parnética Portuguesa e a Restauração. 1989 252 Zulmira Santos - Literatura Religiosa em Portugal. 2000. p.125 253 João Marques - A Palavra e o Livro: o livro religioso. 2000. p. 418

Quanto às características identificativas da literatura religiosa do século XVI e seguintes, e modeladoras da sua identidade, cumpre destacar um quadro comum de que não se devem excluir "As Meditações (...)": "Nascida na sua maioria nos meios conventuais e destinada a quantos eram sensíveis à reforma da vida religiosa e desejosos de subirem a escada da perfeição, acusa esta literatura um travo medievistico na ascese voltada para um combate sem tréguas aos vícios, pelo refreamento dos sentidos corporais, constância de recta intenção e prática das virtudes cristãs. A doutrina de S. Bernardo e a presença de S. Boaventura no franciscanismo marcado pelo mistério da Paixão e o arrependimento musculam a caminhada para a fruição do amor divino, de cerne cristocentrico e de piedade interiorista" .

"As Meditações e Homilias" do Cardeal D. Henrique não foram alheias a um paradigma comum a outros textos: "A imitação de Cristo" de Kempis (1379-1471), inspirada pelo movimento dos «místicos do norte», nomeadamente Eckart (1260-1329) e seus continuadores como João Tauler (1290-1361); Pseudotauler; Ruysboeck (1340-

1384); o dominicano Suso (1295-1366); Geraldo Groote (1340-1384), com repercussões em Henrique Hárfio (1477) e seu discípulo Eskio (1507-1578), passando pela corrente francesa, de Jean Gerson (1363-1429), que se estende a Louis de Blois (1505-1560) e pela italiana de Santa Justina de Pádua e Ludovino Bárbaro .

Este conjunto de correntes místicas e de pensamento coloca as "Meditações(...)" numa encruzilhada a aprofundar, de molde a perceber a influência de cada um destes autores sobre o texto, que acabou por escolher o seu caminho, nem sempre identificável com precisão. Parece plausível uma primeira tentativa de aproximação: "o grupo que polarizava Luís de Montoya, Bartolomeu dos Mártires, Luís de Granada e o Cardeal D. Henrique, estimulado pelo beato Juan de Ávila, alimentava-se da seiva espiritual da mística renana, que convergia no moralismo ascético e na devoção afectiva" .

Compreende-se melhor o espírito que presidiu à realização das "Meditações (...)". Recenseá-lo-emos mais pormenorizadamente. Não é de estranhar que a "carta ao leitor christiano", de Luís de Granada, compareça como prefácio às "Meditações e Homilias". Tal situação explica-se pela conjugação de dois aspectos: Granada era confessor do Cardeal e seu amigo pessoal. É natural que o tenha influenciado na forma de pensar a Igreja Católica e respectivos dogmas, princípios e liturgias.

254 João Marques - op. cit. p. 419

255 Estas informações sumárias que aplicamos às Meditações foram recolhidas em João Marques. op. cit. p .420

Parece de afastar uma posição radical que afirme o abandono liminar e absoluto da "alta espiritualidade", veiculada pela mística renana, por parte do Cardeal D. Henrique, em favor de Trento e da Companhia de Jesus.

É evidente que a influência jesuíta e da mentalidade inquisitorial no texto das "Meditações (...)" existe, é dominante e não pode postergar-se, mas é, talvez, compatível com a "espiritualidade mística" e, com ela conjugada pelo Cardeal. Robert Ricard, prolonga a influência dos místicos renanos até ao século XVIII e radica-a na acção moderada da inquisição orquestrada pelo Infante.

O prolongamento sustentado é mais defensável do que a moderação aventada para a actividade inquisitorial, impulsionada pelo Cardeal, todavia a intuição da influência da mística no texto do Cardeal deve reter-se. É difícil de comprovar, mitigada e difusa, mas terá existido, convém aquilatar como.

O exame da "tavoada" de matérias versadas nas "Meditações e Homilias" passa, em primeira instância, pela sua descrição prévia, são os seguintes temas tratados: "o nascimento do nosso redentor" (foi 6); "a oração ao menino Jesus posto no presépio" (foi 9); "da circuncisão" (foi 13); "da adoração dos três reis magos" (foi 19); "das palavras do leproso domi ne fi vis, potes me mundare, e reposta de christo, volo:

mundare " (fol 30); "sobre o que disseram os apóstolos a nosso redentor" (fol 32); "da

purificação de nossa senhora" (fol 38); "da quarta-feira de cinza" (foi 43); "da primeira dominga da coresma" (foi 49); "da segunda dominga da coresma" (foi 55); "da terceira dominga da coresma" (foi 62); "meditação sobre o cântico da magnificat" (fol 71); "meditação ou colloquio sobre a gloriosa festa da assumpção de nossa senhora" (foi 76); "meditação sobre a conversão de S. Maria Magdalena" (foi 83); "meditação sobre a oração do pater noster" (foi 90); "oração a nosso senhor em que fé lhe pede o seu divino amor" (foi 116)257.

Numa primeira leitura, imediata, automática, e essencialmente baseada em critérios quantitativos, e de contagem, as homilias estão em relativa maioria no texto - estendendo-se por cerca de mais de cinquenta e sete folhas - enquanto as meditações se desenrolam nas restantes quarenta e quatro.

Por outro lado, uma Meditação inaugura o texto e uma oração encerra-o, deixando a primeira e a última impressão. Mas, a configuração da importância relativa dos géneros específicos do texto henriquino não se limita a estas considerações.

257 Cardeal Infante D. Henrique - Meditações e Homilias Sobre Alguns Mistérios da Vida do Nosso Redemptor e Sobre Alguns Lugares Evangelhos. 1577.

As conjecturas complicam-se, ou talvez não..., se tivermos em conta que termina com uma oração e que "as doutrinas intelectuais e especulações filosóficas são menos

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importantes do que a oração afectiva ou o ascetismo" .

Mesmo quando medita o Cardeal ora, ou seja, existe uma aceitação e glorificação apologética e acrítica de certos princípios bíblicos, através da alusão, plasmada na apresentação de determinadas imagens fortes e cristalizadas. Nesta medida, as "Meditações (...)" podem pertencer ao grupo das ar s orandi. Mas esta afirmação é discutível.

Convém não perder de vista que "os estudos de história da espiritualidade, dizendo, fundamentalmente, respeito, a este vasto campo da ars orandi permitem, porém, observar não só o que se reza, mas também como e quem..., isto é, permitem assistir à elaboração de um discurso e dos seus métodos, em privado ou em publico, com singeleza ou sumptuosidade...com simplicidade ou dramatismo..., que dadas as zonas profundas em que se tece, comove radicalmente os homens... A liturgia, a leitura pessoal e as consequências dos progressos das suas técnicas sobre a meditação e a catequese..."259. Eis o desiderato a que, de forma indiciária e em jeito de aproximação,

nos propomos.

Esta tendência é patente no tom do monólogo permanente que norteia a obra, no qual se forja um diálogo artificial com Deus através de Cristo Redentor e de Maria, que, dada a sua transcendência, não respondem, nem há necessidade disso, uma vez que são os inspiradores da retórica henriquiana, potencializando-a.

Parece inegável que a linha mestra da espiritualidade do infante manifesta-se através das "Meditações e Homilias". O texto, "(...) nas concepções segue de perto o ideal da piedade afectiva, divulgada no seu tempo e que vinha já de Ludolfo da Saxónia e da escola franciscana, o culto sentimental da humanidade de Jesus, especialmente do Cristo sofredor, deixa na sombra a piedade interiorista que os espirituais de vanguarda procuravam implantar, de uma forma ou de outra, na prática cristã. O formalismo, na sua concepção de culto, conserva o lugar de privilégio e quase de monopólio que a Idade Média lhe deu. Activa-o, acrisla-o, porém, com uma atitude penitencial diante dos imperativos éticos do cristianismo. E esse é, justamente, o elemento de actualização introduzido pelo infante na praxe religiosa tradicional" .

258 João Marques - op. cit. p. 419

259 José Adriano de Freitas Carvalho - Os Estudos Bibliográficos sobre a Literatura e a História da Espiritualidade em Portugal. 1989. p. 109 - 113

Estas pistas são valiosos indícios a desenvolver para compreender melhor a espiritualidade henriquina vertida neste texto, enquadrado num contexto épocal que o condicionou e que recebeu, em contrapartida, a sua influência.

Neste itinerário dialéctico, que implicou inicialmente a acentuação dos caracteres genológicos das meditações, estamos em condições de analisá-las com uma ressalva que resulta como hipótese a confirmar: "As Meditações e Homilias" constituem, essencial e primordialmente, um elemento de fixação da prática litúrgica e, em sentido lato, evangelizadora, em detrimento de uma reflexão teológica aprofundada.

Os textos bíblicos visados não são escorados numa referenciação directa e, mesmo quando tal se verifica, não é pormenorizada. Ao Cardeal Infante não interessava, certamente, um discurso dissertativo em que o argumento de prova suscitasse a discussão.

"As Meditações e Homilias" talvez não tenham na sua origem uma vocação textual assente e irrefutável. Serão, eventualmente, a transposição para o registo escrito da prática eucarística e das reflexões em seu torno, quase sempre superficiais, atendendo ao imperativo oralizante que as terá impulsionado, estruturando-as e que terá sido transfigurado na transposição para o registo escrito.

Contudo, o discurso oral é, por natureza, persuasivo, evidencia um pendor dramático, constitui uma encenação que actualiza problemáticas, tornando-as próximas das vivências das pessoas, mormente no tom utilizado, em geral empolgado e empolgante, propicio à exaltação dos sentidos e a uma adesão emocional directa, sem questionamento de ordem racional. Ora nas "Meditações (...)" nada disso aconteceu; prevalecia recorrendo a uma metáfora musical, um tom menor e confessional. Impressionar para doutrinar: o princípio que servirá de base exploratória à retórica barroca, parece arredado, mas a dotrinação não. Por outro lado é importante perceber se as "Meditações (....)" estiveram ligadas à oratória sacra mesmo não pertencendo inteiramente a esse género literário.

As "Meditações e Homilias (...)" do Cardeal D. Henrique não são alheias ao espírito persuasivo inerente à gestação e solidificação de um ideário católico centrado na piedade fervorosa e devota e na redenção incondicional, procurando vincular a prática cristã a uma pureza inquestionável, ligada a um adestramento de vontades e mecanismos mentais, tendo em vista o aperfeiçoamento dos dons espirituais e dos caracteres distintivas da alma..

coerência e validade metodológicas a confirmar, e, por outro lado, perceber melhor a índole de que o texto se reveste, a identidade que o distingue, a "personalidade" que, se não o diferencia absolutamente de outros, em direcção à originalidade - conceito além do mais profundamente discutível -, pelo menos lhe confere alguma estabilidade e permite vislumbrar a fixação de uma linha de exploração mais pormenorizada.

A busca da perfeição e de uma inatacável e irrepreensível conduta moral, afastando-se dos desvios, abastardamentos e das contaminações indesejáveis, visava um largo espectro de actuação de que a parenética ou oratória sacra constituíam formas de medição válidas, tendentes à persuasão e ao convencimento.

Em sentido geral, "as Meditações e Homilias (...)" participam desse espírito e de uma via afim à exposta. Precisando os conceitos, Vitorino Pina Martins integra-as num grupo que denomina de Teologia Parenética. Talvez tenha percebido que as "Meditações (...) não eram simplesmente nem uma coisa nem outra, situando-se a meio caminho".

O autor não refere expressamente, nem avança as razões para a escolha efectuada, dispensando-se de depurar terminologias, porque não era o momento de fazê- lo. Ainda assim, não deixa de dizer que "(...) entre a liturgia do perdão e a via do resgate insinua-se o mistério da palavra que, na teologia dos nossos dias assinala o núcleo da verdade cristã. A Teologia Parenética devia ficar (...) assinalada (...)"

Se a Teologia se compomete, ou parece envolver, com os dogmas e doutrinas que conduzem à "liturgia do perdão" e à via do resgate, teorizando-as e perurando sobre elas -, deste ultimo ponto as meditações estão muito afastadas... -, a Parenética é essencialmente um conjunto de mecanismos, metodologias, e uma arte que se familiariza com a retórica e se centra no valor e na importância da palavra. Pode atingir foros de requinte, apuro formal, estético ou literário, que parecem distantes das "Meditações (...)". Todavia, não deixam estas de estar próximas da oratória sacra, em ultima instância, sobretudo se tivermos em conta que "(...) na interpretação da Bíblia - que o evangelismo reformista defendia ser a única regra da fé e em que o magistério romano fundamentava as verdades teológicas e os preceitos morais a disseminar, por ser a palavra de Deus revelada - privilegiasse o sentido literal da Sagrada Escritura, ou seja

261 José Vitorino de Pina Martins - Introdução ao Catálogo da Exposição do Tratado de Confissão.islà). p. 3-4

aquele que ressalta de imediato do significado do termo e expressões dos textos. Porém, mesmo que a pregação, cujo fim é louvar a majestade divina e mover as almas à salvação, devesse assegurar a primazia do docere importaria não negligenciar o

delectare, num discurso ordenadamente elegante, comedido no ornato e natural na

forma (...)"262

Se por um lado é evidente que as "Meditações (...)" observam abnegada literalidade, ou perseguem certa contenção no ornato, nem sempre serão ordenadamente elegantes e naturais na forma; mesmo quando este aspecto é conseguido, conferindo- lhes espontaneidade, surge sempre por via de um tom centrado na oração pessoal.

Ora, para poderem pertencer inteiramente à parenética, às "Meditações (...)", não bastaria uma intenção que mimetizasse alguns preceitos do discurso com vocação oral e se dirigisse a público suficientemente identificado e identificável, mas idealmente vasto; seria necessário que, nalguns momentos, abandonassem a via da confissão subjectiva e individual.

Este último aspecto não foi salvaguardado, tal como os outros que constituiriam condições externas para que a pregação pudesse existir; é certo que as "Meditações (...)" também terão, eventualmente, em primeira instância, tido lugar no espaço da igreja e acontecido em sede de culto, como aliás não deixava de ser patente nos sermões, tantas vezes complementares à prática cultual, apesar de não lhe estarem estrimente vinculados.

Mas não possuímos indicações dos lugares onde as "Meditações (...)" se