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PEDRO NUNES E D HENRIQUE: O PERCURSO DO MESTRE E AS BASES DE UMA RELAÇÃO

D. HENRIQUE E O HUMANISMO: O PENSAMENTO E A ACÇÃO

2.5. OS MESTRES HUMANISTAS E D HENRIQUE: FORMAÇÃO E INFLUÊNCIA AO LONGO DA VIDA

2.5.4. PEDRO NUNES E D HENRIQUE: O PERCURSO DO MESTRE E AS BASES DE UMA RELAÇÃO

O percurso de Pedro Nunes pode comparecer, no imediatismo de um raciocínio simplificado, como secundário, sobretudo se considerarmos o seu pensamento, expresso na bibliografia que escreveu e publicou. A conjugação de ambas as vertentes deve ser suscitada com vantagem, para melhor se apreciar e avaliar a pertinência do contributo cientifico de Pedro Nunes.

Esta constatação amplifica-se e adquire foros de necessidade, se destacarmos a influência e importância de D. Henrique na vida de Pedro Nunes e vice-versa, inseparáveis ambas de uma instância biográfica iniludível e fundamental: Pedro Nunes foi professor do príncipe e dos seus irmãos D. Luís e D. Afonso, a partir de 1530. Estas informações recolheu-as a Joaquim de Carvalho na dedicatória do De Crepusculis a D. João III, na qual Nunes refere que há uma década começara a ensinar os infantes .

As matérias versadas e aprofundadas pelo Humanista, cosmógrafo, astrónomo e cartógrafo, prendiam-se com as "artes reales", exceptuando apenas a música. Formalmente clássico, o programa era ensinado de forma dinâmica e moderna, apelando a incidências práticas.

A duração das aulas de Pedro Nunes não é facilmente determinável. Também no que se refere ao aproveitamento de D. Henrique não dispomos de muitas informações. De qualquer modo, aceita-se a lógica de aproximação cuja a conveniência se acolhe: "É de crer que se não tivesse dedicado ao estudo das ciências exactas com o interesse e afinco que lhe votou o Infante D. Luís e também é de crer que não tivesse ficado como D. João pouco menos que ignorante delas. A meio caminho do saber daquele e da ignorância ou incompreensão deste, alcançou, pelo menos, os conhecimentos suficientes para notar dificuldades e até para propor ao seu mestre dúvidas ou problemas na sequência das aulas que versavam os princípios mais gerais da Aritmética, os elementos da Geometria de Euclides, a teoria da esfera, a teoria das plantas, parte do Almagesto de Ptolomeu, a mecânica de Aristóteles, a cosmografia e a prática de alguns instrumentos, antigos e modernos, relativos à arte de navegar de invenção do próprio Pedro Nunes" 10°.

Joaquim de Carvalho - Pedro Nunes Mestre do Cardeal D. Henrique. 1950. p. 3-12.

Mas uma das questões que mais terá preocupado D. Henrique prende-se justamente com a variabilidade da duração dos crepúsculos consoante as zonas do

globo, tendo em conta duas situações: A parte habitável da terra comporta sete climas, extremados por paralelos que tem diferenças horárias entre eles de meia hora.

Por outro lado, o crepúsculo começa ou acaba quando o sol atinge uma posição constante, abaixo do horizonte: O "De Crespusculis" aborda, com originalidade, estas

considerações, é dedicado ao rei, D. João III, como era costume na época e quem

melhor do que o monarca para ser erigido como figura tutelar de uma obra, conferindo- lhe, e ao seu autor, prestigio e notoriedade, alicerçando-lhe a legitimidade, mas talvez tenha sido inspirado pelo convívio de Pedro Nunes com D. Henrique e seus irmãos.

A prova da proximidade e do carácter profícuo da relação entre o mestre e o infante, pode encontrar-se na dedicatória a D. Henrique do "Libro de Algebra em

Aritmética e Geometria ", cuja a edição espanhola, aliada a uma vontade humanista de

alargamento da sua difusão, data de 1567.

A dedicatória foi escrita três anos antes e nela Nunes refere que terminou de compor a obra trinta anos antes. Ora, terminado em 34, o texto terá sido começado e continuado pelos anos 31-33, datas coincidentes com o período lectivo do mestre junto de D. Henrique, situação que pode ter sido inspiradora.

Duas hipóteses se configuram: "o Infante viu o manuscrito como discípulo ou como confidente da actividade científica do mestre"101. A confirmar-se o primeiro caso

terá aprendido nele alguns rudimentos de geometria e aritmética que constituíam o início dos "estudos reales". Deste modo não será de estranhar a feição pedagógica e didáctica da primeira parte do trabalho. Mas a segunda possibilidade parece mais plausível e defensável, ganhando "corpo" de forma nítida, uma vez que em 1540 o infante já estudava teologia com Clenardo, o termo viu encaminha-se mais no sentido de expressão de uma confidência do que para a docência, como sublinha Joaquim de Carvalho: "Seja ou não exacta esta hipótese é incontestável que Pedro Nunes não só ficou afeiçoado ao Infante D. Henrique, se não que lhe era grato como testemunha o teor dedicatória do "Libro de Algebra'" .

De resto, a actividade mecenática de D. Henrique para com o seu mestre manifestou-se na tença anual que lhe dispensava entre 1538 e 43, no valor de trinta mil reis anuais, talvez metade da conferida a Nunes pelo seu irmão D. Luís.

1 Joaquim de Carvalho - Idem, Ibidem.

Simultaneamente recebia um montante anual muito elevado pelo seu serviço docente na Universidade de Coimbra .

A escolha de Pedro Nunes para docente dos príncipes, nomeadamente de D. Henrique, terá decorrido na sequência do reconhecimento da fama e prestigio do mestre, granjeados ao longo da sua vida e obra que em seguida abordaremos, desde o nascimento até à morte, considerando o antes e depois dessa docência tomada como referência, entendida como marco ou pólo indicador, não porque mais importante do que outros foros ou momentos, mas pela ligação a D. Henrique, um dos eixos aglutinadores da sua trajectória104.

A confirmar os méritos de Pedro Nunes, encontra-se a sua nomeação para cosmógrafo do Reino; sendo então bacharel em Medicina, a 16 de Novembro de 1520. Cerca de quinze dias volvidos foi encarregado da cadeira de Filosofia Moral da Universidade de Lisboa. A 15 de Janeiro do ano seguinte passou para a de Lógica e, nos dois anos seguintes, a de Metafísica105.

Nesse mesmo ano terminou o curso de Medicina, o que não deixa de ser revelador, lógico e consequente: "Nesta época os saberes de médico confundiam-se com os saberes do matemático106".

Em 1531 deu-se o convite de D. João III para ensinar os seus irmãos e decide deixar a docência universitária, para se dedicar a tempo inteiro ao cargo de Cosmógrafo do Reino. Auferia de grande prestígio pela conjugação e sucesso de tarefas que foi desempenhando. Em 37 saiu, em vernáculo, uma das suas obras maiores, o "Tratado de Esfera" que reunia os seguintes trabalhos e traduções: 1- tratado de certas dúvidas de navegação; 2- tratado em difusão da Carta de Marear com o regimento de altura; 3- Tradução do Tratado da Esfera de Sacrobosco; 4- Tratado Teórico do Sol e da Lua de

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Purbáquio, 5- Tradução do Io livro de Geografia de Cláudio Ptolomeu .

Em Janeiro de 1542, Pedro Nunes publicou o De Crepusculis, que lhe valeu uma enorme reputação científica. A 16 de Outubro voltou à Universidade, encarregue por D.

Joaquim de Carvalho - Idem, Ibidem.

104 Pedro Nunes nasceu em Alcácer do Sal, em 1502. Muitas vezes a sua biografia foi envolta em

pontos de ignorância e ambiguidade, como denota a confusão com homónimos, nomeadamente um funcionário da Inquisição de Lisboa ou um outro, vendedor de fazenda da índia e reitor da Universidade de Lisboa em 1536 Em 1522 foi estudar para Salamanca, onde se licenciou em artes três anos depois, também teve aulas em Alcalá. D. João III escreveu-lhe solicitando os seus préstimos para a cadeira de matemática na Universidade Portuguesa.

105 Manuel Sousa Ventura - PedroNunes: vida e obra. 1973. p. 167-170 106 Manuel Sousa Ventura Idem, ibidem.

João III da regência do cadeira de Matemática e Astronomia da Universidade de Coimbra, a funcionar desde 1537. Pedro Nunes manteve-se 18 anos no lugar, o que comprova a sua envergadura académica e científica. Em 1544 foi impresso em Coimbra

"De Erratis Orontii Finei, Regii Mathematicarum Lutetiae Professons ".

A 22 de Dezembro de 1547, Pedro Nunes foi nomeado de Cosmógrafo do Reino,

numa época coincidente com o fim das grandes descobertas geográficas dos portugueses. Nesse cargo recebia mais dez mil reais do que como cosmógrafo. Com um prestígio cada vez mais consolidado, foi acumulando com um título importante: o de Cavaleiro do Hábito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O ano de 1555 foi de especial turbulência no duplo sentido do termo, pela positiva, tendo sido eleito para a importante Reforma dos Estatutos Universitários, justamente com o licenciado Baltazar de Faria, nomeado pelo Rei. Em Novembro morreu o Infante D. Luís suposto seu discípulo dilecto. Mas, por decisão régia, que consubstanciava no ano seguinte a 26 de Novembro uma atitude de reconhecimento e gratidão, manteve a pensão que recebia como professor particular do infante e que orçava os 40 mil reais e quatro moios de trigo.

Um ano depois, a 11 de Junho de 1557, morreu o monarca que cumulava Nunes de tantos privilégios, todavia, as mudanças no governo não o afectaram nem lhe foram desfavoráveis no plano científico .

O Cosmógrafo continuou a auferir, em paralelo, de privilégios directos. Pelo espaço de 4 anos foi autorizado a ausentar-se da Universidade, a começar a contar em Janeiro de 58, mantendo oitenta por cento do ordenado: 80 mil reais. Mas Pedro Nunes, digno do mais elevado apreço, foi consultado e ouvido aquando da sua substituição,

108 Naquela ocasião, a Rainha D. Catarina fez merece de um ofício no Reino da índia à pessoa que

para sobre ela se pronunciar. Nessa sequência, apresentou, a 12 de Fevereiro de 1558, carta da regente ordenando nesse sentido109.

Ainda nessa data foi convidado por D.Sebastião a fixar-se em Lisboa, de modo a encetar a reforma dos pesos e medidas, concretizada legitimamente em 1575.

Em 1571 foram de novo publicados, em Coimbra, o "De Crepusculis" e a

"Errati orontii", esta reedição editorial prendeu-se eventualmente com o sucesso e a

especificidade daqueles trabalhos. A 11 de Setembro de 1572, D. Sebastião encarregou Pedro Nunes de organizar a cadeira de Matemática, para a instrução de pilotos e mareantes.

Esta vertente empírica revela o interesse da Universidade pela experiência de molde a acompanhar o desenvolvimento das descobertas portuguesas, não se fechando sob si própria, insensível às inovações e às exigências do projecto ultramarino português, dotado para os seus contemporâneos de originalidade e sentido de oportunidade, conjugados e inquestionáveis.

O sucesso das edições de Pedro Nunes deve ter sido apreciável, prova disso a impressão, através de António Muniz, de trabalhos publicados em Basileia em 66.

Em 1574, a 12 de Agosto, a comprovar a proximidade de Nunes em relação à corte, foi publicado com Alvará Régio, protegendo o seu legado, nomeadamente os vencimentos que auferia e assim passaria aos seus filhos. A 6 de Setembro, D. Sebastião prorrogou por dois anos os efeitos do alvará de 80 mil reais de ajudas de custo para pagar despesas da residência em Lisboa. Mesmo reformado, Pedro Nunes continuava,

A 10 de Março de 62, na iminência de finalizar o prazo concedido pela Rainha a Pedro Nunes, encetou o processo de sua aposentação, pedindo ao Cónego Álvaro Nunes da Costa, aproveitando o facto de serem amigos, que apresentasse à Rainha o pedido explícito da sua aposentação que constituía, desde 1558, fito de Pedro Nunes, excluindo-se a luta entre a Universidade de Coimbra e os Jesuítas: o que é de estranhar é o largo período que antecipadamente se diz que duraria a ausência de Pedro Nunes. E, se entendermos que a duração possível da sabática que se lhe entregava era exactamente o tempo da regência, que lhe seria necessário para jubilação, teremos de concluir naturalmente que a ordem real tinha por fim afastar Pedro Nunes do conflito aberto entre a Universidade e a Companhia de Jesus, salvaguardando-lhe ao mesmo tempo todos os direitos à jubilação e assegurando-lhe o futuro, o que era para esse tempo a preocupação deste ilustre professor, tão carregado de anos e dos filhos.

A 12 de Abril de 1561, D. Sebastião providenciou mercê para que casasse com uma das filhas do Cosmógrafo Mor, o titular do ofício de contador na Comarca de Elvas, em troca do oficio que D. Catarina havia prometido em 57.

Entretanto, foi finalmente concedida jubilação ao professor Pedro Nunes, no último acto da regente enquanto tal. Dois anos volvidos foi a vez do Cardeal regente lhe conceder a possibilidade de legar à sua esposa o que recebia como mestre do Infante D. Henrique.

Em 1566 saiu em Basileia o volume Petri Nonii Salaciensis Opus, trabalho que reunia obras publicadas em 1537, modifïcando-as e aumentando-as. Aqui foi publicada uma novidade, em conjunto com o De Crepusculis, o de "Arte ataque Ratione Navigandi". Nesse mesmo ano a filha de Pedro Nunes Briolanja casou com Manuel da Gama Lobo. A pensão dos Cosmógrafo de reforma no valor de 50 mil reais começou a autor a recebê-la a 19 de Maio, a partir de receitas de Coimbra onde fixara residência.

pelo prestígio acumulado, a ser solicitado e protegido pelas mais altas dignidades nacionais.

Em 1576 foi levado pelas circunstâncias a regressar a Coimbra pelo falecimento da sua mulher. Ficou a viver com a filha Guiomar e em 1577 recebeu o honroso convite do papa Gregório III, confirmando-se ao mais alto nível a sua repercussão internacional, reflectida em tal reconhecimento, para se pronunciar sobre a reforma do calendário.

A 17 de Janeiro de 1578, Pedro Nunes recorreu ao bispo de Coimbra, D. Manuel de Meneses, para sanar o litígio entre a filha Guiomar e o noivo Heitor de Sá. Este episódio ficou conhecido por "escândalo da cutilada".

O recurso ao bispo prova a importância de Pedro Nunes em Coimbra, e a nível nacional, bem como as relações de presumível proximidade que mantinha com os sectores mais relevantes da igreja católica.

O ano de 78 foi afectado pela tragédia de Alcácer Quibir. O país mergulhou em crise, acentuada, na área do conhecimento e de cultura, pela morte de Pedro Nunes, uma semana após aquele acontecimento.