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O CARDEAL D HENRIQUE E A INQUISIÇÃO: A ACÇÃO E O PENSAMENTO

3.1. ANTECEDENTES

Em 1534, através da bula Divina Disponentia, D. Henrique foi incumbido da administração do Arcebispado de Braga, o mais insigne de Portugal e um dos maiores da Península, a par de Santiago de Compostela. Dois anos bastaram para o surgimento de proposta para Arcebispo de Braga. Em 1537 o processo ficava finalmente concluído. D. Henrique ascendia à mais alta dignidade bracarense, tornando-se arcebispo e entrava solenemente na sua diocese.

Entre 1534 e 1537, o. Infante não foi a Braga depois de ter tomado posse do Arcebispado. Talvez tal se explique recorrendo ao seguinte acontecimento : nas vésperas das Cortes de Lisboa, exactamente dois dias antes, no dia 11 de Junho de 1535, D. João III queria fazer jurar a seu filho D. Manuel, na presença de seu tio D. Afonso, Arcebispo de Lisboa a Administrador do bispado de Évora e Comendatário do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

O destino antecipou-se e a morte de D. Manuel - no mesmo ano - obrigou a uma alteração de plano. Toda esta conjuntura terá levado o príncipe a permanecer na corte.

Em 1537, em carta enviada a 3 de Julho, em Évora, o Infante preparou a recepção de que iria ser alvo em Braga, avisando os regedores da cidade e prevenindo- os de que não era necessário fazer as populações pagarem com despesas exageradas tal recepção. Escreveu a 27 de Julho, do Porto, ao seu aposentador Diogo da Fonseca para que lhe aposentasse os moradores de sua casa.

Como se refere na carta: "(...) ordenou logo o arcebispo constituições aprovadas por homens muito doutos (...), foram lidas e publicadas com acordo e conselho do Cabido desta Sé e dos Beneficiados e Cleresia do Arcebispado, em presença de todos eles no Synodo que o Infante celebrou na Igreja Metropolitana, aos catorze dias do mês de Setembro de 1537 e foram impressas em Lisboa por Germão Galharde (...) em trinta do mês de Mayo de 1538 e todo dinheiro que lhe rendeu o Synodo, ordenou que o gastasse em casamentos de órfãs e na fábrica de escholas publicas que mandou

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continuar e pôr nelas bons mestres" .

A citação é longa mas elucidativa. A iniciativa revestia-se de relevância e realizou-se com a solenidade exigida. O texto teve editor renomado, dada a sua

importância. Por outro lado, era claro o investimento do Sínodo em iniciativas respectivamente de índole assistencial e cultural, duas apostas quase permanentes do Infante, como teremos oportunidade de demonstrar mais adiante.

Do ponto de vista de definição, tomada sob uma perspectiva genérica, independente das épocas, as constituições diocesanas - e a de Braga de 1538 não fugiu à regra - "(...) eram igualmente designadas por ordenações, (...) instrumento juridico- pastoral formado pelas leis, decretos ou disposições que serviam para regulamentar a vida de uma diocese. Serão aqui entendidas como o conjunto de disposições de Direito, posturas disciplinares, orientações litúrgicas e doutrinais fundadas no Direito Canónico, na tradição da igreja e nas práticas consuetudinárias locais e que eram impostas pelos prelados sobre eclesiásticos e leigos. Poderiam ser sinodais, se resultavam de uma determinação oriunda da autoridade do bispo" . As de Braga, como aliás a generalidade das constituições, pertenciam, como se disse, ao mesmo grupo.

As constituições, mesmo as que, como a de Braga, se realizaram antes de Trento, tinham como objectivos comuns a reforma dos costumes do clero, a fixação de resisdência, por parte deste, a necessidade de intensificação do culto por parte dos fiéis e o respeito a impor nos locais sagrados.

No entender de José Pedro Paiva havia, em meados do século XV e durante o século XVI, cinco modelos para as três dezenas de constituições entretanto publicadas. As de Braga filiar-se-ão nas de Lisboa de 1537 que: "(...) constituem, do ponto de vista de organização interna dos textos, um marco, embora pela temática as da Guarda de

1500 já tocassem todos os assuntos que estas abordam. Nestas, um grande número de artigos ainda tem por destinatário o pessoal eclesiástico, o que corresponde à interpretação que se fazia de que a Reforma passava pela própria Igreja e não tanto pela abertura aos leigos, aqui ainda ligeiramente referenciados" "9.

117 Rodrigo da Cunha - op. cit.. p. 313

'l 8 José Pedro Paiva - Costituições Diocesanas.2000. p. 9 119 José Pedro Paiva- op. cit.. p. 14

3.2. A INQUISIÇÃO

O Tribunal da Inquisição existia em Portugal desde 1531, pela bula Cum ad

Nihil Magis, e actuou com moderação devido à personalidade de D. Diogo da Silva, ao

inconformismo da coroa face à debilidade e à pressão para a sua extinção junto de Roma exercida pelos cristãos novos.

Em 1539, D. Henrique tornou-se Inquisidor Geral, após um longo processo, no qual D. João III, seu proponente, contou com a resistência de Paulo III, que acabou por ceder, a 22 de Julho, e devido à renúncia de D. Diogo da Silva: "as circunstâncias desta nomeação, as vicissitudes dela resultaram já profusamente estudadas, um facto parece ser, todavia de realçar; a posse da nova atribuição nada teve de pacífica. O provimento do Infante não só se deparou com a relutância do núncio, mas também enfrentou a indagação da cúria romana, mercê, por um lado de não ter Henrique idade canónica suficiente para o desempenho do cargo, por outro, o seu parentesco com D. João III não lhe garantia isenção no julgamento dos casos."I20

O futuro cardeal nomeou um Conselho Geral. Davam-se os primeiros passos no sentido da instititucionalização do Santo Oficio Português, marcada por lutas entre o temporal e o espiritual, tentando D. João III intrometer-se neste último, fortalecendo, deste modo, aquele.

A nomeação de D. Henrique garantiu ao monarca o controlo, no seio da sua família, de tão importante instituição, e permitia vigilância apertada do rei que, simultaneamente, procurava alicerçar prestígio internacional, agindo como instância paralela à papal.

Pode ajustar-se a D. João III o papel de impulsionador da transfiguração do espectro de poder em quinhentos: "o campo dos poderes em Portugal sofre uma profunda transformação durante o «longo» século XVI, que passa pela reorganização da coroa - desenvolvimento da burocracia régia e criação de um sistema de conselhos, saldando-se no alargamento das competências e da esfera de intervenção - pela Reforma da Igreja - reconstituição da hierarquia, controlo do clero (...).I21 Esse

controlo, essencialmente interno, podia ser, como no caso em análise, externo.

O período de 1536 a 1547 foi de avanços e recuos no estabelecimento da Inquisição. A acção do Infante para dar andamento à efectivação prática e

Amélia Polónia - op.cit. p. 12

operacionalização do Tribunal de Santo Ofício, como estrutura em funcionamento, também se baliza e situa em dois planos complementares. No internacional continuavam os conflitos com os representantes da cúria romana; no nosso país foram, quiçá, agravados pelas pressões intensificadas dos Cristãos Novos que se queixavam ao Papa de serem perseguidos.

A nível interno, as dificuldades não eram menores e para que o Santo Ofício fosse realidade empiricamente demonstrável foi necessário conferir-lhe legitimidade, veiculada por um conjunto de normas com validade jurídica.

Até 1541 a actividade inquisitorial seguia o direito comum e agia com relativo desequilíbrio e parcimónia: as denúncias não eram secretas; havia um conselho de apelação, interditando-se o confisco de bens durante dez anos.

Entretanto, em 1540, e paralelamente à sua actividade inquisitorial, D. Henrique renunciou ao arcebispado de Braga, tornando-se arcebispo em Évora. Nessa data votou no conselho do Rei pela expulsão do reino de pessoas acusadas de desrespeitarem os decretos apostólicos.

Apesar de o primeiro auto-de-fé se ter realizado em 1540, em Lisboa, anteriormente já havia processos despachados e concluídos. Começava-se a impor uma filosofia do medo, mas eram necessárias três denúncias para haver prisões e as faltas eram alvo de punição rigorosa. Para aumentar a severidade e efectivar a nova pedagogia, as instruções de 1541, de inspiração medieval, inseriam-se no corpus júri

canonici.

Do ponto de vista administrativo, e tendo em vista uma acção mais rápida e eficaz, foram criados quatro tribunais: Porto, Coimbra, Lamego e Tomar.

Eram as seguintes as vicissitudes processuais que o documento ditava: as instruções não especificavam o número de testemunhas acusatórias que podiam conduzir à prisão; uma vez consumada decorriam três sessões - a genealogia, a sessão

in génère e a sessão in specie - após o que se pronunciava o libelo acusatório, o réu

tinha direito a um procurador que não fosse pessoa suspeita, ou seja, um Cristão-Velho. Salvo algumas excepções, a bibliografia sobre a Inquisição do Porto é dispersa e reduzida, denuncia um campo aberto a novas investidas que completem os esforços anteriores.

Em 30 de Junho de 1541, D. João III escreveu uma carta ao bispo do Porto, pela qual se instituiu, pelas ordens de D. Baltasar Limpo, um tribunal de Santo-Ofício "(•••) albergando não só o respectivo bispado como o arcebispado de Braga. Após

dificuldades de vária ordem, nomeadamente os obstáculos que o próprio bispo sentia com o alargamento da sua missão (...) o estabelecimento efectiva-se em 13 de Outubro do mesmo ano (...)" .

A câmara acedeu, uma vez que a zona ribeirinha estava a receber um afluxo de pessoas incomportável ao normal, profícuo e próspero desenvolvimento dos negócios.

Em 1542, D. Henrique tornou-se Administrador Perpétuo de Alcobaça. No ano seguinte foram tornados públicos vários breves, isentando da jurisdição inquisitorial cristãos novos junto da Santa Sé. Paralelamente, iniciou-se um ciclo de visitas inquisitoriais.

Em 1544, o Infante procedeu, em nome do monarca, a um inquérito às doutrinas do padre Simão Rodrigues e aos "exercícios espirituais de Loyola," reiterando-se a acusação de desrespeito dos decretos apostólicos123. No entanto, Paulo III suspendeu a

actividade inquisitorial, que denotava falta de uniformidade, albergando diversidade regional, permeável às personalidades dos inquisidores.

Apesar da diversidade, em 1545, para enfrentar as dificuldades, debelando-as, D. João III, concedeu um alvará de mercê à Inquisição de dinheiros que saíssem sem registo dos portos de Lisboa e Setúbal, que certamente movimentavam somas consideráveis em virtude das actividades comerciais aí desenvolvidas.

O ano de 45 foi particularmente importante. Começou o Concílio de Trento e D. Henrique foi nomeado Cardeal pelo consistório de 22 de Dezembro. Em 1547 foi posta em prática a primeira "proibição de livros defesos"124.

Sebastião Silva Dias traçou um arguto e pertinente paralelo entre a actividade inquisitorial e um dos seus aspectos específicos: a censura. "(...) A actividade censória do Santo-Ofício nasceu, por assim dizer, como a própria instituição: Esporádica e limitada no controle sistemático da vida literária e política (...)"

É curiosa e pertinente a conjugação destes dois campos: o quotidiano quinhentista e inquisitorial, abrindo caminho à consideração de possível injunção, dependendo da área de análise e interesse em que a consideremos.

O enquadramento social que estimulou e tornou possível a censura inquisitorial, impulsionando-a, não deve ter sido alheio à elite universitária parisiense, nomeadamente

Elvira Mea — A Inquisição do Porto. 1979. p. 215

123 Cronologia da Inquisição em Portugal (1536-1821): catálogo da exposição organizada por ocasião

do Io Congresso Luso-Brasileiro sobre a Inquisição, p. 18

1 4 Cronologia da Inquisição em Portugal (1536-1821) — op. cit..p. 15 e ss

aos mestres portugueses que dela faziam parte, criando uma "cadeia" mais ou menos identificável.

Continua a este propósito Silva Dias: "(...) estimulou-a (à censura) nesse caminho a militância dos teólogos de Paris e Lovaina contra os livros escritos pelos porta-vozes do humanismo cristão e das confissões evangélicas. Um dos mentores da falange reaccionária portuguesa, o velho doutor Diogo de Gouveia, tinha tomado parte directa nos claustros sorbónicos para discussão e julgamento doutrinal das obras dos autores suspeitos na fé. Ele próprio se encarregou de transmitir à corte de D. João III as indicações necessárias para os responsáveis pela orientação política cultural do país se esclarecerem sobre o pendor do alto magistério francês, o seu testemunho foi depois abonado em uma conversa ou relatório oral, pelos antigos «bolseiros d'el rei», pouco a pouco elevados a dirigentes e assessores do Santo Ofício .

Durante os estudos na Sorbonne, entre 1530 e 1545, puderam, de facto, observar o activismo contra-revolucionário e o crescendo zelo censório, de que as figuras cimeiras da teologia parisina davam prova. Ficou bem claro, através destas palavras, o circuito de que Diogo de Gouveia terá sido o primeiro e decisivo mentor"

Convém não esquecer que, do ponto de vista político, a Europa da época vivia problemas que se repercutiam na vivência religiosa. Com o fracasso do colóquio de Ratisbona (1541) ruiu a possibilidade de unidade na Igreja. De tal modo que as Inquisições romana e espanhola reacenderam a sua acção. A Inquisição portuguesa também não foi imune a esse movimento, ainda que com menor dureza ou aspereza iniciais: "(...) como na Itália, como na Espanha, como na França sorbónica, as suas setas atingiram ao mesmo tempo a literatura social de inspiração protestante. Mas, o critério foi aqui, nesta primeira fase, menos severo do que noutros lugares. O conjunto (...) entre

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o índice português e os parisienses mostra a benevolência relativa do nosso (...)" . Antes de aprovar o primeiro rol de livros proibidos, o Cardeal D. Henrique teve em conta um parecer pedido a professores da Faculdade de Teologia de Coimbra que constituíram uma comissão: avultavam nela os lentes Marcos Romeiro, Paio Rodrigues de Vilarinho e Álvaro Gomes128. Rastreemos os antecedentes da comissão e do Rol (...).

Sebastião Silva Dias - Idem, Ibidem

127 Sebastião Silva Dias - op.cit. 232

128 Álvaro Gomes terá nascido em 1510. Em 27 era já bacharel, supõe-se que em Artes em Salamanca, para onde

tinha ido após ter cursado a universidade de Lisboa, sua terra natal. A saída da cidade de Tormes ter-se-á devido a dois factores: a derrota de Margalho ante Vitória para a cátedra de Teologia e a política cultural joanina. Ver também Moreira de Sá - Introdução à Apologia de Álvaro Gomes, 1981

Após a estadia salamantina, Gomes foi para Paris, licenciando-se em Teologia na Sorbonne, no ano de 32. Continuou estudos nesse âmbito e na biblioteca da universidade teve acesso aos registos repectivos, dos quais se apossou ilegitimamente, de molde a poder passar informação a outros que, como ele, eram bolseiros na capital francesa por iniciativa de D. João III. Entre Outubro e Dezembro de 36, ou mais provavelmente no início do ano seguinte doutorou-se em Teologia.

Após as provas, Gomes regressou a Portugal e foi convidado por D. João III para um importante acto solene: a pregação de um sermão na igreja de S. Francisco, no qual reiterou a tese que defendera em Paris. Movidos pela inveja de se ter doutorado tão precocemente, ou de ter sido convidado para a pregação, alguns teólogos coimbrãos reagiram com desconfiança em relação a Gomes e com hostilidade, que talvez constituíssem manifestação do espírito corporativo daqueles.

Havia mal-estar entre o decano Diogo Gouveia e Gomes, ou pelo menos deste em relação àquele. Nas suas provas ficara em oitavo e julgava que o responsável disso era Gouveia, membro do Júri, que em carta a D. João III recusou essa responsabilidade e a considerou caluniosa.

Foram solicitados cinco pareceres, quatro favoráveis à retratação pública de Gomes e um, o de João Petit, desfavorável. Aliás este enviou o seu parecer a Gomes, demarcando-se da posição dos seus colegas.

Ainda em 1537, Álvaro Gomes enviou um emissário pedindo o parecer dos teólogos de Salamanca acerca do seu caso e do conteúdo das suas proposições. Viria a publicá-los, anos mais tarde, antecedendo a sua "Apologia" no mesmo volume.

A primeira censura académica foi publicada e resultou de uma reunião realizada no convento dos Agostinhos em Salamanca a 2 e 8 de Abril.

Sigamos Moreira de Sá: "(...) A redacção das duas censuras mostra, porém que elas são complementares, a segunda alinha maior número de argumentos, frases extraídas dos Testamentos e é mais técnica; a primeira é mais formal e diplomática. Por esta razão Álvaro Gomes transcreveu em primeiro lugar a segunda censura e em segundo lugar a primeira censura; (...)" .

Mas como já referimos nem todos os teólogos de Coimbra se opunham a Gomes: Diogo de Murça demonstrou-lhe todo o apoio, apesar dos mal-entendidos, dirigindo-se

a D. João III que, reiterando ao mais alto nível esse suporte, insistiu com Gomes para que voltasse a pregar o seu sermão repetindo os mesmos argumentos.

Em 1537, ou já em 1538, tornou-se censor de livros a convite do Arcebispo de Lisboa D. Afonso, que o convidou para seu preceptor130. D. João III cumulou-o com

outros privilégios; convidou-o para Prior de S. Nicolau (1538) e Capelão Régio (1539). No ano de 42, Lippomano foi escolhido para Núncio Apostólico em Portugal, onde chegou no início do ano seguinte, no qual foi publicada a "Apologia", procurando angariar o apoio da autoridade representante de Roma em Portugal, Gomes dedicou-lhe o seu texto, o que demonstra que as discussões com os teólogos coimbrãos estavam longe de terminar, de serem cabalmente sanadas.

A publicação da "Apologia" em 1543 estava intimamente relacionada com a vontade do seu autor em lançar-se definitivamente na docência universitária e aí afirmar-se, realizando-se numa carreira que o preenchia e lhe dava sentido amplo e profundo às suas aspirações profissionais.

Em 1545, quando a cátedra de Teologia vagou, por ausência de Ledesma, Gomes quase ficou com o lugar chegando mesmo a ocupá-lo, mas no último momento foi substituído. Anteriormente já dera aulas em dois colégios em Coimbra e daí o seu recrutamento.

A súbita escolha de Paio Gomes para o lugar de Gomes poderá relacionar-se com pressões de figuras como Afonso do Prado e Diogo de Gouveia. Este último continuaria como "sombra" indesejável do "Doctor Sorbonicus", e longe de desistir ou "desarmar"...

Não tivemos acesso ao texto em que Prado e Gouveia plasmaram as suas posições. Este problema já havia sido notado e enunciado por Silva Dias, que por outro lado salientou a existência de um outro documento, na Biblioteca Nacional contendo fragmentos da autoria de Álvaro Gomes, sobre a actividade censória da Sorbonne.

Uma primeira certeza parece estabilizada; as outras orientações da Faculdade de Teologia de Paris constituíram a principal fonte do rol português. Mas terão havido fontes secundárias como o índice espanhol de 47, provavelmente o de 45 e, talvez o de 40.

Não nos cabe aprofundar a procedência das fontes secundárias, mas tentaremos acompanhar o perfil dos teólogos que pertencem à comissão dos livros proibidos.

É importante destacar um ponto comum: as questões doutrinárias, dogmáticas e ideológicas foram, no sentido afirmado, preponderantes e comuns no trajecto da comissão, mas nem sempre se fundiram com os aspectos pedagógicos e teóricos na abordagem à teologia às Sagradas Escrituras.

Manuel A. Rodrigues é peremptório nesta matéria: "(...) também em Sagrada Escritura se veio alterar o quadro primitivo: em 1545 a cadeira foi desdobrada em duas, uma de tertia para o Novo Testamento, de que era lente Paio Rodrigues de Vilarinho, e outra de noa, em que se ensinava o Antigo Testamento, confiada a Marcos Romeiro. A influência doutrinal do tomismo é uma nota dominante nos mestres de teologia deste período para o que muito contribuiu Martinho de Ledesma, discípulo de Vitória em Salamanca; excluíam-se assim as ideias e os métodos de outros escolásticos. Havia um contraste em relação a Paris e Alcalá, onde dominavam o escotismo e o nominalismo. As directrizes renovadoras da exegese bíblica suscitadas pelo humanismo influenciaram enormemente os teólogos e exegetas de então" .

É relevante perceber quem eram e o que fizeram até 45. Sobre Marcos Romero não se sabem as datas em que nasceu ou morreu, mas era natural da diocese do Funchal. Em 1524 encontrava-se em Paris como bolseiro de D. João III naquela universidade, entretanto residia no colégio de Santa Bárbara, onde se tornou mestre de artes, em data que ignoramos.

Em 1526 constava entre os "incipientes" da Faculdade de Teologia, tendo-se licenciado em Março de 38. Foi bibliotecário da Sorbonne. O regresso a Portugal terá ocorrido, a convite de Frei Brás de Barros, pouco antes do ano lectivo de 1540-42, e começou a 1er e a leccionar escrituras no mosteiro da Costa. Foi professor de D. Duarte,