• Nenhum resultado encontrado

2 Revisão da literatura

2.2 Atividade do turismo: visão geral

2.2.3 Cluster criativo de turismo

O rápido crescimento da indústria do turismo tem feito com que diferentes estratégias para capacitar o local sejam desenhadas. Neste cerne, encontra-se o turismo cultural e patrimonial, que vem sendo utilizado durante muito tempo como um instrumento de revitalização e regeneração de centros urbanos, rurais e históricos, e importante fator para o desenvolvimento econômico e social (WOMT, 2011). Segundo Gonçalves (2008), a cultura tem um relevante papel no turismo em virtude de ser uma das principais motivações que leva o turista a viajar e a visitar determinados destinos. Entrentanto, a excessiva exploração e proliferação de produtos de turismo cultural tem ameaçado a transformação desse tipo de turismo num mercado massificado, o que teria como consequência a perda da identidade da localidade e da ausência de controle sobre o patrimônio visitado.

Isso é bem verdade quando se observa que quase todas as cidades européias possuem monumentos e museus, assim como quase todas as cidades históricas no Brasil, como Olinda, em pernambuco, Paraty, no Rio de janeiro, Salvador, na Bahia, e Ouro Preto em Minas Gerais, possuem seus recursos patrimoniais (PRITCHARD; MORGAN, 2001; MTUR, 2011). Todas reconhecem que o seu patrimônio histórico e cultural deve ser conservado e preservado e todas apostaram em estratégias de regeneração dos bairros históricos e culturais que, muitas vezes, associam esse patrimônio ao turismo, como motores principais de desenvolvimento local, sendo possível encontrar a reprodução em série de museus e monumentos em diferentes destinos (WEIERMAIR; PETER, 2002).

Nesse sentido, há uma necessidade de uma melhor segmentação da oferta turística e a de gerar uma maior variedade de produtos de turismo cultural, que não se consegue apenas no uso da cultura ou do patrimônio que se detem (GONÇALVES, 2008). O turismo cultural e o patrimonial precisam re-criar seus espaços e seus produtos, buscando sua afirmação pela identificação e fortalecimento dos seus fatores de diferenciação, a criatividade, em relação aos outros locais, pelo que não seja imitável (BULICK et al., 2003). Essa perspectiva tem levado a integração entre turismo e criatividade, especialmente frente aos elementos difundidos da economia da experiência que expressam uma virada criativa (ANDERSSON; THOMSEN, 2008).

A criatividade tem sido empregada para transformar o tradicional turismo cultural para um turismo criativo, modificando heranças tangíveis para um modelo de cultura intangível e um

maior envolvimento na vida diária da destinação. Apesar de não ter uma definição clara, a criatividade é associada a habilidades e talentos com potencial para geração de riquezas por meio da exploração da propriedade intelectual (BRITISH COUNCIL, 2005). Representa o uso do turismo cultural e patrimonial de forma mais criativa, por isso a sua forte aproximação com a ideia de cultura, capaz de fortalecer a promoção de inovação e desenvolvimento de habilidade individual, onde cultura se torna um instrumento para crescimento e desenvolvimento, e o turismo sendo o campo onde cultura e criatividade se encontram (RAY, 1998; RICHARDS, 2011).

Dessa forma, alguns estudos têm surgido com foco em relacionar a criatividade ao turismo (RICHARDS, 1998; RICHARDS; RAYMOND, 2000; BINKHROST; DEN DEKKER, 2009), reposicionando de um restrito nicho de mercado, relacionado a artes e produtos de artesanato, para uma maior visualização do fenômeno que se aproxima de uma ampla variedade de atividades turísticas. Mencionado inicialmente por Pearce e Butler (1993), turismo criativo possui na sua essência a busca pelo aprendizado de experiências criativas, envolvendo os turistas, ofertantes de serviço e toda a estrutura disponível no local turístico. O quadro 6 (2) apresenta três definições mais usualmente apontadas pela abordagem do turismo criativo.

Quadro 6 (2): Definições de turismo criativo

Autor Definição

Richards e Raymond (2000) Turismo que oferece aos visitantes a oportunidade de desenvolver seu potencial criativo através de participação ativa em cursos e aprendendo experiências que são características de destinação de férias onde estão localizadas.

Criative City (2003) Uma variação de modelos tradicionais de turismo, que atrai turistas buscando a oportunidade de ter uma experiência cultural “mãos na massa” fora da normal experiência sightseing.

UNESCO (2006) Turismo criativo é a viagem direcionada para uma experiência autêntica e engajada, com aprendizado participativo nas artes, herança e/ou especial característica de um local, e provê uma conexão com aqueles que residem no local e mantem a cultura viva.

Raymond (2006) Perspectiva o turismo criativo como um desenvolvimento do turismo cultural, reconhecendo que o turista da atualidade procura um envolvimento ativo com as populações locais e os seus costumes e tradições, procuram também aprender fazendo.

Raymond (2007) A forma mais sustentável de turismo que prove um autêntico sentimento da cultura local, através da informação, participação em workshops e criativa experiência. Workshops toma lugar em pequenos grupos de tutores que residem e moram no local; eles permitem que visitantes explorem sua criatividade enquanto se aproximam das pessoas locais

Apesar da diferença existente entre as três definições, os elementos que os autores utilizam como base para a construção da terminologia são semelhantes: participação dos turistas, autêntica experiência, que permite que os turistas desenvolvam o seu potencial criativo, e suas habilidades, através do contato com pessoas e culturas locais (RICHARDS, 2011). Assim, o turismo criativo tem por base uma participação ativa do indivíduo naquilo que se designa por experiência turística (GONÇALVES, 2008). A produção e o consumo se tornam muito próximos e os turistas se tornam co-criadores das suas experiências quando estão desenvolvendo suas habilidades criativas (PRENTICE; ANDERSEN, 2003).

O turismo criativo deve oferecer espaços para os turistas expressarem o seu interesse com relação à vida cotidiana de quem compõe o local e a oportunidade de se tornarem efetivamente co-criadores das destinações turísticas, aumentando a vitalidade e vivacidade das cidades, abrangendo novas áreas de comunicação cultural e de criatividade (HAYLLAR; GRIFFIN; EDWARDS, 2008; MAITLAND; NEWMAN, 2009). É evidente que essa experiência autêntica deve estar relacionada ao desenho das características das atividades desenvolvidas num local.

Assim como Richards e Raymond (2000) comentaram, e que Prentice e Andersen (2003) reforçaram, a destinação em si precisa se tornar mais criativa para que os turistas sejam envolvidos. Na verdade, o turismo cultural e patrimonial por si só nem sempre consegue criar estas oportunidades, oferecendo uma experiência muito passiva e de contemplação. Isto significa apontar a necessidade de pensar cuidadosamente os aspectos criativos que serão ligados ao local a fim de criar uma motivação específica para turistas criativos o visitarem. O que também significa identificar um importante critério criativo que já esteja imerso na destinação para gerar a diferenciação. Exemplos podem ser apontados, tais como a produção de cerâmica de Icheon na Korea (UNESCO, 2010), o tango em Buenos Aires (MOREL, 2009), o desenvolvimento de uma cena particular como o movimento de arte em St Ives na Inglaterra (STEVENS, 2003) ou festivais, como o festival de Edinburgh (PRENTICE; ANDERSEN, 2003).

Essa observação implica apontar que os destinos precisam prover uma combinação entre conhecimento, habilidades, cenários físicos, capital social e uma atmosfera que identifique certas particularidades do local. segundo Florida (2002), os destinos turísticos criativos precisam ofertar os 4P´s criativos, que são: pessoas criativas, processos criativos, produtos criativos e ambiente criativo (tradução livre do inglês: creative person, creative process, creative product, creative

environment); fundamentados por: uma indústria criativa, que estimule o desenvolvimento de produtos criativos, como anúncios, arquitetura, artes, artesanatos, filmes, músicas, design, entre outros (BAGWELL, 2009; EVANS, 2009); cidade criativa, no qual problemas urbanos sejam resolvidos com o envolvimento de produção criativa e sistemas de governança que permitam que a criatividade floresça na cidade como um todo (LANDRY, 2006), e; classe criativa, pessoas que são engajadas na participação criativa e que são atraídas pela atmosfera do local (FLORIDA, 2002).

Segundo Mommaas (2009) e Evans (2009), a junção dos P´s criativos conduz a uma junção de conhecimento e oportunidades de um setor que, ao mesmo tempo, ajuda a promover uma rede de interesses com objetivo de gerar formas de atuação conjuntas, que pode ser considerado um cluster. Clusters tem sido referenciado na literatura tradicional como a aproximação de indústrias que produzem produtos e serviços complementares entre si, que ajudam na geração de uma vantagem competitiva por ser fonte de inovação e sinergia advinda da interação com os participantes (PORTER, 1998). Porter (1998) foi o principal preconizador da ideia que os clusters de interesses formam coligações de ação coletiva, que se constituem como pré-condição para a inovação e para a capacidade de construção da comunidade.

Cluster criativo, por sua vez, representa atividades que são executadas em uma proximidade geográfica de um mesmo setor que compartilham oportunidades e buscam sinergia nas habilidades e conhecimentos, reforçando a imagem e a identidade do local (HARVEY, 2002; PRATT, 2008). Os clusters criativos podem englobar organizações sem fins lucrativos, instituições culturais e artistas individuais, além de empresas privadas, estimulando o desenvolvimento de uma indústria criativa, assim como agem como atração para o consumo de classe criativa e turistas criativos (RICHARDS, 2011).

Gonçalves (2008) ressalta que não há um modelo indicativo de como um cluster criativo de turismo pode ser desenvolvido, até mesmo porque a padronização inibiria o que está na essência do seu pressuposto, a diferenciação. Entretanto, esse autor sugere que algumas estratégias podem ser utilizadas, como a criação de estruturas para atrair o visitante, a promoção de espetáculos criativos, a criação de espaços criativos, a criação de atividades criativas culturais, e a exploração do patrimônio. Após uma revisão teórica, Richards (2011) propôs um modelo de turismo criativo que condensa as orientações dos outros autores com relação a criatividade no

turismo, mas que pode facilmente ser adaptada para clusters turísticos criativos em virtude das categorias que envolvem. A figura 4 (2) apresenta a composição do autor.

Figura 4 (2): modelo de turismo criativo

Fonte: Adaptado de Richards (2011, p. 1239)

Segundo o modelo proposto por Richards (2011), o ambiente turístico deve oferecer uma estrutura para dar suporte a participação do turista na construção da experiência, conforme Florida (2002) e Gonçalves (2008) apontaram, por meio dos produtos, processos, pessoas e meio ambiente, que formam o espaço de oferta de produtos e serviços (o background) e o espaço para desenvolvimento da criatividade (atividades). O turista, por sua vez, pode usufruir do que o background ofecere, apenas vendo e comprando, e/ou participando das atividades criativas (aprendendo e experimentando). Apesar do modelo indicar que o background também contempla uma participação, subentende-se que na interação com as atividades (aprendendo e experimentando) é que o turista pode desenvolver sua participação mais ativa na construção da experiência.

Apesar da decisão de se envolver nas atividades ser do próprio turista, cabe ao cluster criativo oferecer o espaço adequado para que isso ocorra (RICHARDS, 2011). Nesse sentido, cluster turístico criativo, mais do que ser representado por características produtivas de um lugar,

Criatividade como atividade Criatividade como background Aprendendo Workshops Cursos Experimentando Experiências Ateliês abertos Vendo Itinerários Comprando Janela de compras Experiências e produtos Aumento do envolvimento Suporte da criatividade

tal como o artesanato ou moda, conforme Fillis (2009) e Chilese e Russo (2008) comentaram, pode ser interpretado como um espaço de encontro compartilhado por diferentes grupos de indivíduos (CUNHA; CUNHA, 2005). Ao mesmo tempo em que direciona o turista para maior participação, a atmosfera do lugar tende a atrair uma classe de pessoas com esse objetivo, os turistas criativos (pessoas criativas, segundo Floria (2002)). Turistas criativos não estão passivamente consumindo cidades, mas ativamente engajados com a produção das suas próprias experiências e as destinações devem encorajar ativamente o envolvimento dos turistas no turismo criativo (RICHARDS, 2011).

Os clusters turísticos criativos são, dessa forma, o meio pelo qual a indústria criativa e as pessoas criativas podem trocar conhecimentos, imagens e poder em um especifico local, que ajuda a fortalecer a vitalidade criativa e a imagem de um lugar. Como Mommaas (2009) ressalta, clusters criativos com relação ao turismo podem proporcionar uma infinidade de resultados, entre eles: o fortalecimento da identidade de um destino, um poder de atração e uma posição de mercado; estimular uma aproximação mais empreendedora da arte e da cultura; estimular a inovação e a criatividade; encontrar um novo uso para construções e lugares antigos, e; estimular a diversidade cultural e a democracia cultural.

Relacionado a sustentabilidade, cluster criativo turístico parece ser o local apropriado onde a junção de atividades dos ofertantes pode encontrar as demandas por sustentabilidade. A criatividade é um processo pelo qual os recursos criativos são mais sustentáveis e renováveis porque estão intrínsecos no ambiente de onde é originário (RICHARDS, 2000). Em face a desordem que a atividade turística pode ocasionar, pela elevada movimentação de turistas e problemas de conflito e exclusão social, a cultura pode assumir-se como um elemento de equilíbrio (UNWTO, 2009). Ao mesmo tempo, por ser considerado um fator para a sustentabilidade no turismo, clusters criativos turísticos que utilizam a cultura como fonte de diferenciação ajudam a promover a sua continuidade e manutenção a longo prazo (MAITLAND; NEWMAN, 2009; UNWTO, 2009), o que Wilson (2002) denominou de “cultura viva”. Gonçalves (20008) cita, como exemplo, o crescimento de festivais culturais e de arte por toda a Europa como forma de preservar elementos históricos e culturais.

Ofertar um espaço no qual turismo, consumo e estilo de vida estejam conectados aos objetivos sustentáveis é um elemento central para experiência sustentável ser vivenciada

(ZUKIN, 1995; CERNAT; GOURDON, 2007; RICHARDS, 2011). Dessa forma, esse estudo utilizou como lócus de investigação do fenômeno o turismo criativo, em virtude da sua relação com a sustentabilidade cultural e patrimonial, tomando por referência a definição de Raymond (2006, 2007), mas a partir da perspectiva de cluster, por considerar que o conjunto dos elementos apontados por Florida (2002), Mommaas (2009) e Evans (2009) formam o espaço criativo defendido por Gonçalves (2008), no qual o turista pode desenvolver todo o potencial participativo na construção da experiência. Para aplicação dos critérios utilizados por esses autores, na operacionalização da pesquisa, foi utilizado o modelo de turismo criativo proposto por Richards (2011). Na seção lócus de pesquisa, do capítulo metodologia, foram definidos os critérios utilizados para cada um dos elementos propostos no modelo do autor.

Na seção seguinte serão abordadas a imagem da destinação e sua importância para o fortalecimento e propagação da identidade de um destino, nesse caso, de um cluster turístico criativo.