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2 Revisão da literatura

3.6 Coleta dos dados

3.6.1 Entrevista individual

Na pesquisa desta tese, a coleta de dados foi realizada essencialmente pelas entrevistas individuais, em consonância com as pesquisas qualitativas (SEIDMAN, 2013). Segundo Fetterman (1998), a entrevista é uma importante prática de coleta de dados para as pesquisas qualitativas porque possibilita a compreensão daquilo que foi observado e experimentado pelos consumidores num conjunto de consumo mais amplo. Possui como propósito acessar o conteúdo presente na mente dos indivíduos sobre suas interações (e os componentes que agem sobre e partir deles) construídos pela interpretação daquilo se vivenciou. Nesse sentido, elementos como crenças, atitudes, valores e motivações, relacionados ao comportamento das pessoas em contextos sociais específicos podem ser compreendidos por intermédio desse modelo de investigação (GASKELL, 2007)

Ao mesmo tempo em que as entrevistas são consideradas importantes práticas na coleta de dados da pesquisa qualitativa, o critério epistemológico que direciona o estudo pode levar a questionamentos sobre a forma de condução do método. Godoi e Mattos (2006) apresentam duas

concepções distintas, mas não excludentes entre si, a que se propõe o uso das entrevistas. A primeira, esses autores citam como o formalismo técnico-instrumental, que garante a ênfase sobre os aspectos formais na condução da entrevista, como fonte de informação, que leva a ideia básica da entrevista como transação, conforme Brown e Yule (1993). A segunda, identifica a entrevista como um evento de intercâmbio dialógico, de encontros interacionais no qual a dinâmica social se reflete na comunicação humana, onde se presta mais atenção ao contexto, as particularidades, as nuances, ao comportamento e ao envolvimento das pessoas que atribuem significado aos fenômenos circunstancialmente situados (GODOI; MATTOS, 2006).

Por entender que o conteúdo transacional permanece imprevisível e submetido às regras não fixadas de formação da interpretação, adicionado aos critérios ontológicos e epistemológicos desta pesquisa, a perspectiva utilizada neste estudo seguiu a concepção da entrevista como intercambio dialógico, como eventos discursivos que se alinham com o método da análise do discurso. De outra forma, tratar aqui a entrevista como técnica ou instrumentos de coleta de dados poderia incorrer no risco de empobrecer a pesquisa por excluir as dimensões humanas da interação. Os dados, então, foram mais relacionados ao como do que ao o que2.

Por outro lado, considerar a perspectiva interacional da entrevista para construção do conteúdo discursivo implica em relacionar o envolvimento do pesquisador como ponto fundamental dessa prática. A entrevista por si só é um acontecimento, não sendo possível ignorar o efeito da presença e das situações criadas pelo entrevistador ao entrevistado, dos procedimentos de pesquisa, da conversa, do que está sendo ouvido, as perguntas levantadas e a permissão da livre expressão dos interlocutores (SEIDMAN, 2013), a partir do qual o indivíduo revela a sua interpretação sobre o que foi vivenciado. Nesse sentido, a entrevista pode ser entendida como um processo e não como uma decisão pronta, onde significados tomam forma por intermédio da linguagem (na explicação de Gadamer (2003), entrevista como acontecimento linguístico), o que garante o caráter dinâmico, de intercambio dialógico, das entrevistas (GODOI; MATTOS, 2006).

Diante disso, compreende-se na entrevista que (ALONSO, 1998, p. 77):

a) Não existe nenhuma regra fixa, nem sobre a forma de realizar a entrevista nem sobre a conduta do pesquisador;

2 Ênfase dos autores Godoi e Mattos (2006).

b) Toda entrevista é produto de um processo interlocutório que não se pode reduzir a uma constatação de hipóteses e ao critério de falseabilidade;

c) Os resultados da entrevista por si mesmos não retêm a possibilidade de generalização indiscriminada nem tampouco de universalização.

Entretanto, mesmo para os estudos de cunho interpretativo, a entrevista, inevitavelmente, deve passar por um trabalho preparatório, indissociável da organização e da agregação de informações, envolvendo algum tipo de padronização das ações, especialmente para os pesquisadores que estão se introduzindo a análise do discurso como método (OUCHI, 2000) (essa observação reflete o motivo de ter escrito em parágrafos acima que as concepções em torno das entrevistas não são excludentes. Ou seja, as entrevistas não são feitas integralmente de eventos dialógicos nem de formalização técnico-instrumental). Ademais, desenvolver a entrevista de acordo com procedimentos padrões pode tornar defensável o discurso analisado quando suscitados questionamentos em torno da sua validade, que incorre na maioria das investigações qualitativas interpretativas (OUCHI, 2000).

Para definir o critério formal a ser utilizado na preparação do roteiro de entrevista, seguiram-se as observações de Godoi e Mattos (2006, p. 304), que apontam três modalidades principais de entrevista qualitativa:

a) Entrevista conversacional livre em torno de um tema, caracterizada pelo surgimento das perguntas nos contextos e no curso naturais à interação, sem que haja uma previsão de perguntas nem de reações a elas;

b) Entrevista baseada em roteiro, caracterizada pela preparação desse roteiro e por dar ao entrevistador flexibilidade para ordenar e formular as perguntas durante a entrevista; c) Entrevista padronizada aberta, caracterizada pelo emprego de uma lista de perguntas

ordenadas e redigidas por igual para todos os entrevistados, porém de resposta aberta. Nesta pesquisa, foi utilizada a entrevista baseada em roteiro, apresentado no Apêndice A, levando-se em consideração as perguntas essenciais para o estudo, mas garantindo uma formulação flexível sobre o seu conteúdo com base nos construtos apresentados no referencial teórico. Por conta da flexibilidade, também pode ser denominada de entrevista semi-estruturada,

onde sua sequência e enunciado ficam a cargo da pesquisadora no momento da entrevista, conferindo autonomia para ajustes e redirecionamentos quando for necessário (PATTON, 2002).

Para ter acesso ao conjunto de operações realizadas pelo consumidor para produzir a sua experiência, seguiu-se a orientação de Caru e Cova (2007) de escolher um processo especiífico para análise. Nesse sentido, as entrevistas foram conduzidas sobre a experiência de consumo dos artefatos do sitio histórico de Olinda, no qual se incluem artesanato, quadros, esculturas, que compõe o produto de um cluster criativo de turismo (RICHARDS, 2011), e que torna possível entender o que o consumidor mobilizou no curso da experiência (LADWEIN, 2003).

Para auxiliar na elaboração do roteiro de entrevista, que é chamado por Godoi e Mattos (2006) como aspecto instrucional (para fugir da formalização excessiva a que se propõe o roteiro), foram utilizados os mesmos passos apresentadas em Ouchi (2000). O primeiro, está relacionado ao objetivo do estudo, quais os tópicos que se deseja aprender, os principais construtos que se deseja investigar. Em seguida, identificou-se a subdivisão conceitual desses construtos e suas manifestações, as linhas de investigação para cada tópico abordado no estudo. E, por último, desenvolveu-se as perguntas, que serviram de auxílio para os questionamentos suscitados durante a entrevista.

No primeiro passo, a lista de tópicos foi composta pelos construtos apresentados na revisão da literatura: as experiências, a co-criação, sustentabilidade e a imagem de sustentabilidade do destino, importantes para compreender o fenômeno estudado. O passo seguinte foi identificar os aspectos centrais extraídos dos principais conceitos adotados a partir dos construtos teóricos: a experiência foi delimitada pela perspectiva hedônico/utilitária do consumo, utilizada como argumento central da tese; a co-criação teve o seu enfoque baseado no valor em uso (RANJAN; READ, 2014), a participação ocorra no momento da interação, que pressupõe a) a alocação de recursos pessoais na tarefa (tangíveis e intangíveis) e b) que gere um aprendizado como resultado (CHATHOTH et al., 2013).

A linha de investigação da sustentabilidade foi aqui estabelecida pela perspectiva da proteção e conservação dos recursos culturais, sociais, ambientais e patrimoniais, representados pelo modelo de cluster criativo de turismo para estudo do fenômeno, e; com relação a imagem do destino, foi destacada a linha de investigação que determina a imagem formada após a experiência, intitulada de imagem orgânica por Gartner (1993), no qual os elementos dispersos no

ambiente e as atividades desenvolvidas fornecem a base para essa formação. Entretanto, com o intuito de identificar a relação da experiência com a imagem de sustentabilidade formada após a atividade de consumo ter sido vivenciada, a imagem foi investigada em dois momentos: o primeiro relacionado a representação mental antes da visita, formada por intermédio da mídia e das informações de parentes e amigos, e; a imagem definida após a experiência. Tanto para avaliar a experiência de consumo quanto para identificar a imagem de sustentabilidade, optou-se por estabelecer o critério da interpretação da experiência do consumidor.

Para finalizar o roteiro de entrevista, foram elaboradas possíveis questões, seguindo as orientações das linhas de investigação, as quais serviram de base para a realização das entrevistas (Apêndice A). No entanto, ressalta-se que no decorrer da entrevista, a formulação e a ordem das perguntas não seguiu um padrão rígido, sendo adaptado ao diálogo estabelecido entre o pesquisador e o entrevistado (GODOI; MATTOS, 2006).

Ressalta-se que o roteiro de entrevista semi-estruturado foi aplicado junto aos consumidores do cluster que realizaram atividades em Olinda, especificamente durante as atividades de consumo realizadas no Alto da Sé, que contempla uma igreja, feiras de artesanato, casas de artistas e artesãos, feiras de comida típica e outros restaurantes e a visita a residência/atelier do artista plástico Sílvio Botelho, no período de fevereiro e março de 2014 (fevereiro aos fins de semana e março durante os dias 01 e 05) e durante a copa do mundo (durante o período dos jogos que ocorreram no estado, em junho de 2014). Estão sendo consideradas nesta pesquisa 22 entrevistas válidas, coletadas pela pesquisadora, em função desta possuir conhecimento sobre a teoria que dá suporte a esse estudo. Como se trata de uma pesquisa qualitativa, foi importante a presença da investigadora nas diversas situações que as entrevistas ocorreram, para poder montar uma base de dados consistente que fornecesse um melhor suporte para o estudo.

Para avaliar as potenciais atividades que as experiências fossem co-criadas pelos consumidores, envolvendo suas escolhas e recursos empregados, foram considerados os momentos de encontro de serviço nos quais as oportunidades estabelecidas pelas ofertas estivessem de acordo com as dimensões definidoras de um cluster criativo de turismo, conforme Richards (2011), mas que se relacionassem com a sustentabilidade definida neste estudo (de preservação e conservação). Nesse sentido, ficou assim determinado: produtos - a aquisição de

produtos locais relacionados ao artesanato; processos – participação de workhops ou oficinas e visita ao ateliê dos artistas locais; pessoas – interação e relacionamento com outros turistas, com a comunidade e guias turísticos; atmosfera – elementos que tangíveis e intangíveis que influenciam a interatividade e a socialização (a estrutura do ateliê, a arquitetura, cores, formas).

Quanto ao número de pessoas entrevistadas e o tempo de duração das entrevistas, seguiram-se as orientações de Seidman (2013), no primeiro caso, e as de Godoi e Mattos (2006), no segundo. Nesse sentido, o número de pessoas não foi determinado no começo da pesquisa mas sim no decorrer da investigação, quando novas entrevistas não ofereciam diferentes insights para o conhecimento do fenômeno, de acordo com o critério de saturação das respostas. Com relação ao tempo de duração, as entrevistas foram conduzidas até o momento em que o pesquisado não apresentava mais informações além das que já tinha comunicado ou quando o entrevistador não conseguia estimular a narração de novas informações. O tempo médio das entrevistas no total foi de 45 minutos, variando de um mínimo de 20 minutos até o máximo de 1h45m de duração, incluindo o período de entrevista realizada antes da visita (por abranger poucas perguntas, voltadas apenas para a motivação, expectativa e imagem do sítio histórico, o tempo de duração foi curto variando de 5 minutos a 10 minutos).

Todas as entrevistas foram gravadas por meio de gravador digital e transcritas pela pesquisadora, para constituírem um melhor banco de dados para análise (MERRIAM, 1998). Afim de minimizar questões relacionadas as limitações da utilização das entrevistas como técnica de coleta de dados, seguiu-se a triangulação de dados com outras técnicas de pesquisa. Nesta tese, foi utilizada a observação direta, conforme apresentada na seção seguinte.