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Coélet um pessimista, otimista? Críticas ao seu estilo literário?

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1. A GÊNESE DA CONSCIÊNCIA EXISTENCIALISTA A PARTIR

2.5 Gêneros literários em Coélet? O existencialismo, um subgênero?

2.5.1 Coélet um pessimista, otimista? Críticas ao seu estilo literário?

A condição de se projetar pessimista84 ou otimista não se enquadra na singu- laridade de Coélet. Ele se propõe a ser um ser relacional com o mundo que o cir- cunda e, neste mundo, propõe-se a manifestar no aqui e no agora; expõe-se para defesa da ideia de que o homem deve buscar a felicidade em suas relações com o outro e com o mundo.

Sendo assim, esta singularidade de ser pessimista ou otimista atribuída a Coélet não se sustenta.

A razão para tanto é que não há mundo sem ser sapiencial ou ser sapiencial sem mundo. Coélet está no mundo. O mundo em si mesmo é positividade, e a cons- ciência por si só, também é positividade; ambos já estão postos, estão aí.

Conquanto, a singularidade coeletiana, por ser neutra em relação ao visto e sentido, não é determinante, ela não se constrói isoladamente, não é fixa. Ela se dá em constante construção, no momento em que há uma dissolução entre a pré- reflexão da consciência sapiencial com o que é perceptível, mediante a reflexão, que é o momento em que a consciência entre em contato com o que se encontra exterior a ela mesma.

Os fatos que acontecem fora da consciência coeletiana e dentro dela só te- rão sentido se houver um reencontro entre consciência sapiencial e mundo, mundo - consciência sapiencial. É por esse aspecto que se diz que Coélet não escolhe ser pessimista ou otimista, ele procura sapienciar o seu momento presente de forma situada, evidentemente, no contexto de total opressão acometida pelo poderio pto- lomaico.

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Compreende-se nas entrelinhas desta tese este subgênero.

84 Porém, “para Schoupenhauer, Coélet é um filósofo genial. Anna Tauber afirma que os primeiros capítulos do livro são um catecismo de pessimismo, e que o pessimismo de Jó, Jeremias, e o Eclesi- astes não difere essencialmente do pessimismo de Schoupenhauer” (COLUNGA, 1962, p. 863).

Ademais, optar por dizer que Coélet é pessimista ou otimista é reduzi-lo à vi- são determinante às coisas manifestas, algo contrário ao pensamento em sapiencia- lidade.

Apesar dessas constatações, alguns autores denominam Coélet de pessimis- ta, partidário desta opinião estão Perdesen, Rankin, Burkitt e de um suposto otimista se encontra Michel (VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 29-58).

Atribuindo a Coélet o rótulo de pessimista, em razão do sucesso não alcança- do no relacionamento com a economia, política e religião, comum ao homem deposi- tário da própria felicidade na realização do observável, Perdesen (apud VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 24) relata que este sentimento, sentimento de pessimismo, é co- mum aos homens e, provavelmente, foi experimentado pelo autor do Eclesiastes. Embora o autor esteja envolvido sentimentalmente, o cerne da mensagem coeletia- na não estabelece nada para o homem.

A esse respeito, realizando uma análise crítica da realidade, em que o ser humano é menosprezado, Coélet se faz pessimista porque se entrega a esta reali- dade, totalmente desfavorável ao exercício do ser sapiencial do homem; segundo Schmid, na mesma direção de Pedechard (apud VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 24), “[no] mundo, tal como vê [Coélet], mal há lugar para o homem, nem sequer um lugar limitado”. Não há lugar definido justamente porque ele se faz e se refaz em uma en- trega projetada e sabe onde quer chegar. Seguramente, a realidade econômica, po- lítica e religiosa influencia as reflexões coeletianas.

Há quem afirme que o pessimismo coeletiano se dá por conta da língua, acentuando que há um negativismo exagerado, sem nenhum valor literário, porque há incoerência com o real. O livro começa a apresentar uma singularidade de estilo coeletiano por não ter um valor literário seguro, um estilo apoucado, sem expressão inovadora e repetitivo.

O.S. Rankin aduz dois testemunhos bastante significativos: “Segundo Adol- fo Schlatter, a língua Qohélet ‘prova’, por sua obscuridade e cunho pesado, que o autor não falava o hebraico, mas só lia e escrevia’. A opinião de F. C. Burkitt é ainda mais mordaz; segundo ele, o estilo do Eclesiastes não é ‘cor- reto’ nem ‘natural’; tem ‘a dureza pouco elegante de uma tradução’. Sua lin- guagem é jargão indecifrável e anormal, e o livro parece tradução do ara- maico” (VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 58).

As críticas ao texto de Coélet acentuam o seu estilo tacanho de escrever, mas elas não invalidam os argumentos de que as mensagenscoeletianas refletem uma visão pessimista da realidade. Aqui se faz jus afirmar que:

Uma leitura detalhada de todo livro permite descobrir numerosas críticas ao sistema e uma denúncia de opressão (por exemplo 5,7-8; 7,15; 8,9; 10,20 etc.). O livro em si é uma crítica contínua à riqueza e ao enriquecimento, daí a sensação negativa que o livro causa (STEPHANUS, 1993, p. 66).

Mas, para Pautrel (apud VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 58), Coélet expressa um estilo resistente e medíocre sem poesia semítica e prosa grega; não se encontra em seu escrito uma estética literária.

Sendo assim, as reflexões coeletianas não deixam de salientar os problemas da condição humana, registrados, portanto, em um língua diferente do contexto onde estes problemas vieram à tona. Talvez, aqui, resida a falta de um estilo próprio coe- letiano unívoco, ou, sem exagero, permitindo que se trate de um texto pessimista ao situar os problemas da existência humana.

Por outro lado, o livro de Coélet possui um estilo literário refinado e dado a is- to se exala um otimismo situado, porque não é ingênuo.

[...] sua grande originalidade o elevou muito acima do nível literário do seu tempo. Impelido pela intensa decepção e indignação pelos males do mundo, conferiu a seu estilo ‘sarcasmo mordaz, tendência ao epigrama, tom de queixa, único na literatura hebraica”(RANKIN apud VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 59).

O estilo de Coélet é uma reação ao ambiente hostil em que viveu, um ambien- te contraditório à realização plena do homem, portanto, contraditório à condição hu- mana em sua busca de resposta aos problemas do ser sapiencial do homem em favor do encontro com a felicidade.

Para D. Michel (apud VÍLCHEZ LÍNDEZ, 1999, p. 29), “[se] lhe [a Coélet] qui- ser pôr a etiqueta de ‘pessimista’, deve-se falar ao mesmo tempo de seu otimismo”, compreendido como um otimismo de inserção, um otimismo de enfretamento às con- tradições da realidade, contrário ao otimismo ingênuo.

As reflexões coeletianas têm a função de assegurar ao homem que se ele é um ser que está no mundo, por conta disso, necessariamente ele precisa descobrir- se a cada momento.

Sendo assim, não há dúvidas de que o pensamento de Coélet está situado no mundo; mas, mediante a sua escrita, cogitar que ele é um pessimista ou otimista é improcedente.

Para Coélet, o homem se descobre se deslizando pelo mundo, constituindo- se em um ser sapiencial de relações com o que lhe é perceptível (TAMEZ, 1998, p. 179), procurando viver a vida em meio à hostilidade política anti-humana dos Ptolo- meus. Crítico, ele não é pessimista e nem otimista, apenas não se deixa levar pela realidade frustrante de sua época. Ele é um ser que se projeta no mundo porque é um ser existencial, em sapiencialidade, que sapiencia a sua realidade.

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