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Com a eleição do casal legítimo quem precisa se confessar? Implicações sobre

sexualidades dissidentes (periféricas)

Quando Guacira Louro diz que

uma forma de sexualidade é generalizada e naturalizada e funciona como referência para todo o campo e para os sujeitos. A heterossexualidade é concebida como ‘natural’ e também como universal e normal (LOURO, 2000, p. 17). Ela está sintetizando algo que Foucault constata e descreve detalhadamente. O autor propõe que, no início da colocação do sexo em discurso, a incitação à confissão sobre o sexo se deu igualmente para todas as condutas sexuais, mas logo esse mecanismo se desenvolve e chega o momento em que é definido o casal legítimo, o heterossexual monogâmico, que passa, a partir desse momento, a ser o modelo de relação natural e legítima, passando, portanto, a ser interrogado com menos força. Essa definição modifica ou resume, o foco da incitação aos discursos sobre o sexo, sendo, a partir de então, direcionado apenas aos sujeitos de sexualidades dissidentes.

A esse respeito, podemos notar que, segundo Foucault, a explosão discursiva que circundou as práticas sexuais, desde o fim do século XVI, mas que tem seu aceleramento e se desenvolve como mais força no século XVIII, gerou duas

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principais grandes modificações fixadas desde então na história da sexualidade moderna. São elas: em primeiro lugar, a eleição da monogamia heterossexual como modelo legítimo de sexu- alidade, o que gera, por conseguinte, a segunda modificação que consiste em um constante interrogatório voltado para as sexualidades irregulares, ou como o próprio Foucault nomeia: as sexualidades periféricas. Para compreender detalhadamente essa questão, observemos o que o autor propõe ter ocorrido:

Em primeiro lugar, um movimento centrifugo em relação à monogamia heterossexual. Evidentemente, o caminho das práticas e dos prazeres continua a apontá-la como sua regra interna. Mas fala-se nela cada vez menos [...] o casal legítimo, com sua sexua- lidade regular, tem direito a maior discrição” [...] em compensação o que se interroga é a sexualidade das crianças, dos loucos, dos criminosos; é o prazer dos que não amam o outro sexo. Todas estas figuras, outrora apenas entrevistas, têm agora de avançar para tomar a palavra e fazer a difícil confissão daquilo que são. Sem dúvida não são menos condenadas. Mas são escutadas; e se novamente for interrogada, a sexualidade regular o será a partir dessas sexualidades periféricas, através de um movimento de refluxo (FOUCAULT, 1997, p. 39). Com a definição do casal legítimo são muitas as impli- cações sobre os sujeitos de sexualidades dissidentes. Eles passam a ser alvo de diversas violências e constantes chamadas à norma, mas, sobretudo, têm estabelecida a obrigatoriedade de formular discursos sobre sua sexualidade. Isso ocorre porque, ao se colocar uma sexualidade como legítima, natural

e auto justificada, determina-se, consequentemente, que as sexualidades dissidentes precisam ser reveladas, assumidas e explicadas. Ao se definir a heterossexualidade monogâ- mica como a única expressão sexual legítima, atribui-se aos heterossexuais e suas representações o protagonismo do espaço público sem a necessidade de assunção ou explicação da sua sexualidade. Com isso, consequentemente, se lança a homossexualidade ao campo privado, de onde só é possível sair assumindo (confessando, discursando sobre) sua sexualidade.

Sedgwick (2007) é outro autor que escreve sobre esse aprisionamento e obrigatoriedade de discursar sobre sua sexu- alidade quando dissidente. Ele desenvolve um trabalho, que traz como título “Epistemologia do Armário”, no qual também irá abordar a questão da definição da sexualidade legítima que cria com ela a necessidade de revelação das sexualidades dissidentes. O autor irá trabalhar o armário como símbolo desse aprisionamento e o discurso sobre a própria sexualidade como a maneira de sair desse armário e se tornar visível.

O armário, segundo Sedgwick, é uma figura central na vida dos homossexuais, porque, ao se definir a heterossexuali- dade como única expressão legítima de sexualidade, os gays e as lésbicas são lançados em um universo secundário e por não estarem exercendo a sexualidade “natural” devem assumir sua condição, falar sobre ela, sair do armário. A saída do armário da qual fala Sedgwick pode ser compreendida no mesmo sentido apontado por Foucault, isto é, como uma espécie de confissão sobre as práticas sexuais do sujeito, como um discurso sobre o seu sexo que ele formula porque é impelido a tal.

Entretanto essa saída do armário não ocorre apenas uma vez e uma das características desse processo é a sua constância. Existe uma espécie de condição permanente do armário que

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acarreta a constância dos discursos sobre o sexo. Sedgwick aponta que os homossexuais sempre estarão no armário para determinadas pessoas, por mais “assumido/a” que ele/ela seja, sempre haverá alguém com alguma importância para ele/ela que não saberá da sua orientação sexual. Ademais, cada entrada em um novo ciclo social, nova turma escolar, grupo de amigos, colegas de trabalho etc., sempre pressupõe uma nova saída do armário, pelo fato de que a pressuposição inicial sobre todos os sujeitos é a de heterossexualidade, assim toda dissidência é impelida a ser confessada e não apenas uma vez, é por esse motivo que os sujeitos de sexualidades periféricas necessitam com constância discursar sobre sua sexualidade, confessar-se, assumir-se, mesmo que o “assumir-se” não finde as relações com o armário (SEDGWICK, 2007), isso finda apenas naquele contexto específico, mas deixa em aberto diversos outros contextos, que nunca findarão enquanto a heterossexualidade for vista como obrigatória.

Tendo em vista os aspectos observados neste trabalho, percebemos que o modelo que temos hoje, do sexo enquanto um discurso permanente, é válido apenas para aqueles que destoam do que foi definido como normalidade e resulta de uma produção histórica. Como propõe Foucault com a hipótese da colocação do sexo em discurso, esse modelo começou a se constituir quando o sexo foi colocado em discurso e impelido a ser confessado através de diversos mecanismos de poder, no desenvolvimento da confissão foi definido o casal legítimo e com isso a obrigatoriedade do discurso sobre o sexo, que antes era imposta igualmente a todos, recaiu apenas sobre os sujeitos de sexualidades periféricas.

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