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O conceito de habitus e capital no contexto escolar

Os sistemas simbólicos se caracterizam pela existência de diferentes práticas sociais nos mais diversos tipos de sociedades e culturas. Nesse sentido, a noção de habitus se enquadra como um dispositivo de distinção entre elas, trazendo a concepção de que as estruturas são incorporadas por meio da reprodução destas práticas no seio coletivo, ou seja, segundo Loyola:

A exposição repetida às condições sociais definidas imprime nos indivíduos um conjunto de disposições duráveis e transferíveis, que são a interiorização da reali- dade externa, das pressões de seu meio social inscritas no organismo [...] O habitus constitui um sistema de esquemas de percepção, de apreciação e de ação, quer dizer, um conjunto de conhecimentos práticos adqui- ridos ao longo do tempo que nos permitem perceber, agir e evoluir com naturalidade num universo social dado (LOYOLA, 2002, p. 68).

PIERRE BOURDIEU E EDUCAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA BOURDIEUSIANA NO ESPAÇO ESCOLAR

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No contexto do sistema de ensino, a noção de habitus, no debate teórico acerca da educação, é concebida como um instrumento de mediação entre as práticas individuais e as condições sociais de existência (SETTON, 2002). A relação entre dominação e reprodução de classe é evidente dentro do contexto escolar na medida em que a escola impõe os ideais da classe dominante exercida pela ação pedagógica. Desse modo, o arbitrário cultural exercido pela relação de autoridade nas instituições de ensino, pela inculcação ou exclusão, ou através da subordinação às disciplinas escolares, se legitima em uma determinada formação social pela adesão às hierarquias cultu- rais da classe dominante (BOURDIEU; PASSERON, 1992).

Em entrevista com o diretor escolar de uma ZEP (Zona de Educação Prioritária), Gabrielle Balazs e Abdelmalek Sayad (2008, p. 571), dois sociólogos, se atentaram em observar o modo como o diretor, enquanto também educador, se viu na situação de desconstruir para reconstruir novos hábitos rotineiros em busca da manutenção da ordem na escola. Ao descrever as mudanças nos âmbitos pessoal e profissional, o diretor revela a aquisição do habitus que transforma e acrescenta novos elementos à sua experiência, condicionando para a reprodução das estruturas sociais a qual está inserido.

Dentre o habitus adquirido pelo diretor, tem-se a cons- trução do capital social contínuo envolvido com as autoridades da cidade para conseguir adaptar-se às demandas e o que o seu público prioritário exige.

Bourdieu define o capital social como:

[...] o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento

ou, em outros termos, a vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passiveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Segundo Ferreira (2013, p. 51), a existência de

redes de relação não é algo natural, é um produto do trabalho de instauração e manutenção que é necessário para produzir e reproduzir relações duráveis e úteis, com vistas a proporcionar lucros materiais e simbólicos. Na entrevista, o diretor deixa clara a relação com os funcionários da escola, caracterizando o capital social, que consiste na “reprodução de relações sociais diretamente utili- záveis” com a finalidade de se garantir a organização agregando ganhos materiais e simbólicos para a instituição pautada em estratégias de trocas entre ambos, como por exemplo, a oferta de extensão dos dias de férias dos funcionário sem compen- sação na realização de trabalhos de supervisão dos alunos que está fora dos limites das suas atribuições de trabalho.

Bourdieu (2008, p. 35) descreve que, “a reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural se manifesta na relação entre as estratégias das famílias e à lógica específica da instituição escolar”. Nessa citação, a família aparece como um importante transmissor do seu ser social que, quanto mais investe em educação escolar, maior será o capital cultural em relação a seu capital econômico.

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No capítulo intitulado Os excluídos do interior (2008, p. 481), o autor faz referência ao “mal estar nas escolas” que pode ser traduzido como a diversificação e dispersão do público escolar onde a relação entre os níveis de escolarização e hierarquia social são evidentes. Ao se construir essa análise, o conceito de capital cultural se constitui como o mais central em sua teoria, demonstrando que aquele aluno advindo de famílias reconhecidas por meio de diplomas e títulos, tendo acesso à cultura fora das disciplinas escolares e passando a adquirir esse conhecimento herdado por sua família, tem mais chances de obter sucesso escolar do que aqueles oriundos de famílias pobres e com baixa instrução escolar e cultural. Assim sendo, as escolas são conduzidas a se tornarem exclusivas para aqueles que possuem poder econômico e político, tornando vaga a ideia da escola como espaço democrático e libertador.

O contexto socioeconômico e familiar dos alunos passa despercebido e ignorado pelas instituições escolares, em que a escola além de reproduzir desigualdade acaba por reprimir a conduta, as atitudes dos alunos em prol de um padrão domi- nante de ensino. Diante disso, Bourdieu afirma que as relações pedagógicas são dotadas de poder simbólico e funcionam a favor de mecanismo ideológico da classe dominante não se inserindo na realidade socioeconômica e cultural dos educandos e afirma:

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favo- recidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos de ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as

desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura (BOURDIEU, 1998, p. 53).

Do ponto de vista metodológico, a noção de habitus se relaciona com o conceito de campo para um melhor entendi- mento da teoria bourdieusiana. A noção de campo está vinculada ao espaço de dominação e conflito, em que, segundo Bourdieu (2004, p. 23), cada espaço apresenta certa autonomia, possuindo regras próprias de organização e hierarquia social, determi- nando o que eles podem ou não fazer através da estrutura das relações objetivas determinada pela distribuição do capital científico entre os diferentes agentes engajados nesse campo.