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PROBLEMATIZANDO A DESDIAGNOSTICAÇÃO DO GÊNERO

DESDIAGNOSTICAÇÃO DO GÊNERO

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o intuito de serem reconhecidas socialmente com o gênero desejado, devem fazer terapia psicológica, vestir-se com as roupas do gênero que se identifica (teste de vida real) e realizar hormonioterapia. No novo DSM-5, como já citamos, o termo “transtorno” foi trocado por “disforia”. Segundo as notas explicativas que acompanham as classificações do DSM-5, isso foi feito visando retirar o caráter estigmatizante da tran- sexualidade para que essa categoria possa não mais ser vista como uma patologia, e sim, como uma inconformidade com os papéis de gênero, garantindo o acesso aos cuidados médicos graças à permanência de um diagnóstico psiquiátrico.

Disforia de gênero como termo descritivo geral, refe-

re-se ao amplo espectro de indivíduos que, de forma transitória ou persistente, se identificam com um gênero diferente do de nascimento. [...] Disforia de

gênero refere-se ao sofrimento que pode acompanhar

a incongruência entre o gênero experimentado ou expresso e o gênero designado de uma pessoa. Embora essa incongruência não cause desconforto em todos os indivíduos, muitos acabam sofrendo se as intervenções físicas desejadas por meio de hormônios e/ou de cirurgia não estão disponíveis. O termo atual é mais descritivo do que o terno anterior transtorno de identidade de gênero, do DSM-IV, e foca a disforia como um problema clínico, e não como identidade por si própria (APA, 2014, p. 451). Entretanto, o novo DSM oferece como critérios para a aplicação do diagnóstico a caracterização de um cenário que determina que uma pessoa para ser diagnosticada com disforia de gênero deve expressar por, no mínimo seis meses,

uma diferença marcante entre o gênero atribuído no nasci- mento com outro gênero alternativo diferente do assinalado e que aquele indivíduo deseja viver, ou seja, diagnostica uma forma de autoidentificação. Já, em crianças, o desejo de pertencer ao outro gênero deve estar presente e verbalizado. Segundo essa nota explicativa, o critério secundário para diagnosticar disforia de gênero é que essa condição causa sofrimento, clinicamente significativo, ou prejuízo no funcio- namento social, ocupacional ou em outras áreas da vida da pessoa. Outro aspecto importante é que disforia de gênero foi apresentada, no DSM-5, como um capítulo à parte separado do capítulo de disfunções sexuais e transtornos parafílicos como podia ser observado na versão anterior do Manual, o DSM-IV TR.

A publicação do DSM-5 provocou repercussões no movimento trans em várias partes do mundo, uma vez que, o manual é adotado por profissionais de diferentes países. Para fins de foco, recortaremos a análise sobre a resposta dada pela campanha Stop Trans Pathologization. A campanha

Stop Trans Pathologization é uma plataforma internacional

que incentiva o ativismo em favor da realização de ações pela despatologização das identidades trans em diferentes partes do mundo. Desde 2007 vêm ocorrendo algumas manifestações contra as imposições do DSM e do CID3 em cidades como Paris,

Madri e Barcelona. Em 2009, o movimento ganhou força com a realização da primeira Assembleia Trans Internacional, na cidade de Barcelona e, em 17 de outubro do mesmo ano, foram realizadas em 29 cidades de 17 países diferentes iniciativas pela eliminação do transtorno de identidade de gênero dos manuais internacionais de diagnóstico.

3 Código Internacional de Doenças, documento oficial da Organização Mundial de Saúde que define e classifica todas as doenças conhecidas e que merecerem tratamento pelo saber médico

ENTRE A IMPOSIÇÃO E A TRANSAUTONOMIA:

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O manifesto oficial da campanha afirma:

@s ativistas e grupos que firmam este documento e formam a Rede Internacional pela Despatologização das Identidades Trans denunciamos publicamente, mais uma vez, a psiquiatrização de nossas iden- tidades e as graves consequências do chamado “transtorno de identidade de gênero” (TIG) (STOP TRANS PATHOLOGIZATION, 2012).

Logo após a publicação do DSM-5, em maio de 2013, a STP publicou outro manifesto referente, especificamente, às mudanças oferecidas nas categorias trans-específicas, no Manual.

As modificaciones introducidas en el DSM-5 no suponen una despsicopatologización de las expresiones, trayecto- rias e identidades trans. Siguen clasificadas en el DSM-5, bajo las categorías diagnósticas ‘Gender Dysphoria’ (‘Disforia de Género’) y ‘Transvestic Disorder’ (STOP TRANS PATHOLOGIZATION, 2013).

Para o movimento, essas mudanças, nas categorias trans- -específicas, são insuficientes, pois continuam concebendo e perpetuando o tratamento da diversidade de gênero como transtorno mental. A STP até reconhece o esforço do grupo de trabalho em diversidade sexual do DSM-5 que trocou o termo “transtorno” por “disforia”, visando retirar o caráter estigmati- zante do termo, assim como o reconhecimento da diversidade de gênero – mesmo partindo de uma lógica binária – com a introdução do termo nos critérios diagnósticos: outro gênero

alternativo diferente do assinalado no nascimento. Entretanto, o movimento aponta o caráter problemático do conceito de “disforia de gênero”, por associar, diretamente, os processos de trânsito do gênero a um estado de sofrimento e descon- forto. Além disso, a STP argumenta que a garantia de acesso a cuidados médicos para pessoas trans pode ser conquistada com a classificação que a transexualidade é um estado de saúde que pode recorrer atenção médica, e não como uma doença mental categorizada em um manual diagnóstico.

Nesse manifesto, também é exposto a desaprovação da categoria “disforia de gênero na infância”, definida no DSM-5, por colocar as crianças em situações vulneráveis aos efeitos de um processo de psicopatologização da diversidade de gênero, incluindo-os ao risco de exposição a situações de discriminação social, terapias reparativas e outras formas de abusos. Sobre as alterações das categorias trans-específicas prescritas no DSM-5, o movimento STP afirma: “Por todos los argumentos

expuestos, nos gustaría expresar nuestro rechazo rotundo a la permanencia de la categoría de ‘Disforia de Género’ en el DSM-5”4.

Dito isso, podemos instigar ainda mais a nossa discussão com a seguinte pergunta: é realmente coerente diagnosticar o gênero?

4 Disponível em <http://www.stp2012.info/Comunicado_STP_agosto2013. pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.

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Sobre o ato de diagnosticar a identidade