• Nenhum resultado encontrado

A Teoria da Reprodução (1970), de Bourdieu e Passeron, ampara-se nas relações de força existentes entre as relações simbólicas e de comunicação, em que, por intermédio da ação pedagógica, o sistema educacional reproduz as relações de dominação por meio da violência simbólica.

Os autores da obra Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (1970), obra que aponta os mecanismos de dominação, produção e reprodução das desi- gualdades sociais, compreendem por violência simbólica

PIERRE BOURDIEU E EDUCAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA BOURDIEUSIANA NO ESPAÇO ESCOLAR

182

a ruptura com todas as representações espontâneas da ação pedagógica como ação não violenta, seja imposto para significar a unidade teórica de todas as ações caracterizadas pelo duplo arbitrário da imposição simbólica (BOURDIEU; PASSERON, 1992, p. 13). Segundo Pedro Abrantes (2011), a violência simbólica se sustenta em quatro proposições fundamentais:

1. Qualquer ação pedagógica – seja comunitária, fami- liar, religiosa, política, militar ou especificamente educacional – constitui uma violência simbólica. 2. Qualquer ação pedagógica implica uma “autoridade

pedagógica” e uma “autonomia relativa” da instância que a produz.

3. Sendo produto das estruturas de poder, o trabalho pedagógico é orientado para a formação de um habitus (o mais duradouro, transferível e exaustivo possível). 4. Qualquer sistema educativo (re)produz as condições

necessárias a uma ação pedagógica institucionali- zada, nomeadamente através da validade jurídica dos diplomas, formação de um corpo legítimo de especialistas e controle permanente sobre o trabalho pedagógico.

Nesse desenho teórico, a violência simbólica, enquanto poder exercido em uma relação comunicativa, denota a uma violência sem o uso da força bruta, mas sim com a represen- tação de uma autoridade que silencia os subordinados. Alba Zaluar (2003), no seu artigo O contexto social e institucional da violência, reforça a teoria de Bourdieu com a seguinte afirmação:

A escola opera a violência simbólica na medida em que reforça o habitus primário, ou seja, a socialização familiar que, entre outras tarefas, repassa o capital cultural de classe daqueles destinados a ocuparem posições médias e altas na hierarquia social. Além disso, ao excluir, selecionar e manter por mais alguns anos nos bancos escolares alguns representantes dos estratos dominados, a escola garante a credibilidade da ideologia do mérito e contribui para a reposição dos estratos domesticados dos dominados (ZALUAR, 2003). Nos artigos supracitados no início do texto, Bourdieu evidencia, na entrevista, o conceito de violência, seja ela simbó- lica ou institucional. Segundo o autor, a própria ação pedagógica se fundamenta em uma violência simbólica enquanto imposição do poder arbitrário, do arbitrário cultural do professor por meio da comunicação. Dessa maneira, o ensino se reproduz e se perpetua através do poder de uma classe dominante sobre outra.

Segundo o trecho da entrevista realizada por Balazs e Sayad (2008), que segue, nota-se a relação de poder verbal entre professores e alunos:

[...] Há uma professora de ginástica que tem um relacio- namento difícil com alguns alunos da sua classe. Ela já está aqui há 12 anos, ela está cansada... Além disso, os alunos consideram a ginástica como extravasamento; ao passo que ela considera que a ginástica é uma aula como outra qualquer e tem um nível de exigência que é muito elevado [...]. Então ela veio muito brava e me disse um certo número de coisas, que havia seis alunos na classe que a incomodavam profundamente e veio me pedir algumas sanções (BALAZS; SAYAD, 2008, p. 580)

PIERRE BOURDIEU E EDUCAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA BOURDIEUSIANA NO ESPAÇO ESCOLAR

184

Na entrevista com o diretor, é explícita sua aversão pela violência dos alunos (ataque a estrutura escolar, agressão física e material a professores e funcionários, insultos entre os próprios alunos etc.) e mais ainda pela violência institucio- nalizada, mesmo utilizando-a, indo contra a sua idealização funcionalista da escola e de educador.

A esta relação de dominação e de assujeitamento entre os agentes caracteriza a violência institucional:

[...] que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de composição das classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos ou racistas...) (CHARLOT, 2002, p. 435).

A violência institucional, exercida pelas instituições de ensino escolar, ocorre de modo silencioso como estratégia de poder, a fim de manter a disciplina através de regras, normas e respeito à hierarquia. A repressão escolar praticada pelos gestores escolares e professores constitui a violência institu- cionalizada na reprodução dos arbitrários culturais, violência que dá poder ao uso das palavras não podendo ser alterada nem dialogada democraticamente..

Áurea Guimarães (2006) caracteriza a escola como um espaço de violência e indisciplina e que está planificada para que as pessoas sejam iguais e que essa homogeneização é imposta aos corpos – de alunos, professores e diretores – como uma atitude de submissão e docilidade.

A disciplina como forma de dominação na violência institucional dispensa a reação violenta e cria uma relação de

docilidade-utilidade imposta e estabelecida pela domesticidade dos corpos, isto é:

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado [...] O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. (FOUCAULT, 1983, p. 163) Outro ponto a chamar a atenção está na representação do professor. A relação entre os agentes – aluno e professor – se reflete nas técnicas de distanciamento que a instituição dota entre eles através das palavras, ou seja, a linguagem se torna o principal instrumento cuja principal função é atestar e impor a autoridade pedagógica de comunicação e do conteúdo comu- nicado (BOURDIEU; PASSERON, 1992, p. 123). Na perspectiva dos autores, a ação pedagógica produz uma autoridade peda- gógica que impõe a legitimação de significações que variam ao longo da história.

Considerações finais

Os artigos e a entrevista utilizados como base para a organização deste trabalho se comunicam com a teoria de Bourdieu e a prática nas vivências relatadas pelos seus entre- vistados, fornecendo assim um olhar mais compreensivo, tanto social quanto metodológico, dos estudos de caso em questão.

PIERRE BOURDIEU E EDUCAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA BOURDIEUSIANA NO ESPAÇO ESCOLAR

186

Na construção deste trabalho, desde o momento da leitura à escrita, percebe-se o quão atual e presente a teoria bourdieusiana se manifesta no cotidiano, seja nos campos educacional, familiar, político, seja nas relações sociais dando mais clareza ao universo social e como o mesmo se constrói e se reinventa rotineiramente.

O tema educação e espaço escolar se tornaram alvo de intensas pesquisas para Bourdieu e abriu um leque de percep- ções e análises sociológicas que originaram a produção de suas principais obras como: Os Herdeiros (1964), A Reprodução (1970) em parceria com Jean-Claude Passeron e Homo Academicus (1984), servindo como investida e referência obrigatória no suporte teórico e metodológico para pesquisas posteriores sobre a temática.

A crise que acompanha a instituição escolar é um problema estrutural,

vista cada vez mais como um engodo e fonte de uma imensa decepção coletiva: uma espécie de terra prome- tida, sempre igual no horizonte, que recua à medida que nos aproximamos dela (BOURDIEU, 2003, p. 483). Com isso, Bourdieu mostra que, o fator econômico não é o determinante na trajetória de sucesso ou fracasso escolar, mas que existem estratégias de reprodução tradicionais e conservadoras que funcionam de maneira independente ou em conjunto, quando analisadas diante de uma determinada configuração social.

A Sociologia da Educação de Bourdieu, ao contestar o sistema educacional, através da explicação do perpetuamento da reprodução das desigualdades sociais, mesmo sendo o

modelo francês analisado pelo autor, leva o pesquisador e/ou leitor a refletir sobre o modelo educacional vigente a qual está inserido a educação brasileira, e se as propostas de políticas educacionais atuais e em execução estão acompanhando as interações entre os agentes no cenário escolar. A riqueza teórica do pensamento sociológico de Pierre Bourdieu vem a cooperar não somente para a análise das políticas e métodos educacio- nais, mas fornece uma nova percepção para a construção de novos mecanismos que suavizem as contradições expostas pelo autor e acreditar que assim, a educação desempenhe seu papel transformador na sociedade.

Contudo, o fazer sociologia pela ótica da literatura bour- dieusiana é ter o olhar para se realizar uma sociologia crítica, uma sociologia incômoda, uma sociologia que contribui para o conhecimento do mundo social e, ao mesmo tempo, para sua transformação (LOYOLA, 2002, p. 85).

REFERÊNCIAS

ABRANTES, Pedro. Revisitando a teoria da reprodução: debate teórico e aplicações ao caso português. Análise Social, Lisboa, v. XLVI, n. 199, p. 261-281, 2011.

BALAZS, Gabrielle; SAYAD, Abdelmalek. Com um diretor de colégio de uma ZEP. In: BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 571-586.

BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo

científico. São Paulo: Ed. da UNESP, 2004 ______. O capital social – notas provisórias. In: CATANI, A.; NOGUEIRA, M. A. (Org.) Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007.

______. A Miséria do Mundo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

______. Razões Práticas: sobre a teoria da

ação. 9. ed. Campinas: Papirus, 2008.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude.

A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de

ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão.

FERREIRA, Walace. Bourdieu e educação: concepção crítica para pensar as desigualdades socioeducacionais no brasil. e-Mosaicos, v. 2, n. 3, p. 46-59, 2013.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência

nas prisões. Editora Vozes: Petrópolis, 1983.

_______. Microfísica do poder. 23 ed. São Paulo: Graal, 2004.

GUIMARÃES, Áurea Maria. Escola: espaço de violência e indisciplina. Revista Eletrônica do Lite. Campinas, v. 1, p. 1-9, 2006.

LOYOLA, Maria Andréa. Bourdieu e a Sociologia. In: BOURDIEU, Pierre. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002.

PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Sociologia da educação:

Do positivismo aos estudos culturais. São Paulo: Ática, 2010. SCARTEZINI, Natalia. Introdução ao método

de Pierre Bourdieu. Cadernos de Campo:

Revista de Ciências Sociais, v. 14, 2011.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, n. 20, maio/ago. 2002.

ZALUAR, Alba. O contexto social e institucional da violência. Núcleo de Pesquisa das Violências – NUPEVI

SOCIOLOGIA