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Com isso fica uma incógnita sobre esse ser que é, “imagem e semelhança do Criador”, mas que é um ser limitado

No documento apostaram em mim; a todos os leitores que (páginas 183-187)

Assim sendo, o homem vê-se limitado e essa limitação coloca em choque sua própria

existência. Em busca de si mesmo projeta sua impotência “num outro”, no divino. Nasce daí o

culto, a religião como expressão do culto. Muitas vezes o homem parece ter mais facilidade

de definir o divino do que definir a si mesmo. Pode-se dizer que a definição do divino retrata

suas limitações. Coloca no divino suas carências. Falando do “Sagrado”, Rudolf Otto diz da

necessidade, até mesmo como algo “essencial”, que se defina a

“Divindade com clareza, caracterizando-o com atributos como espírito, razão, vontade, intenção, boa vontade, onipotência, unidade da essência, consciência e similares, e que ela portanto seja pensada como correspondendo aos aspecto pessoal-racional, como o ser humano o percebe em si próprio de forma limitada e inibida (OTTO – 2014, p. 33).

Como definir a divindade quando não temos ainda capacidade de nos auto definirmos.

Qualquer tentativa de uma definição do “sagrado” acabará sendo limitada, pois estará limitada

à nossa experiência que por sua vez também é limitada. Segundo Krauss e Heinrich (2007,

p.42), “diz-se que Deus o quis “à nossa imagem, com nossa semelhança”. Essa é a

pressuposição para o fato de o ser humano ser capaz de intimidade com Deus”. Está presente

o “Imago Dei”, ou “retrato”: o termo ainda denota que o homem traz em si algo de divino”. O

humano une-se ao divino. Ou diria ainda, o humano tem desejo de um divino. São Paulo

Apóstolo dizia no Aerópago: “Fez que buscassem a Deus e o encontrassem, ainda que às

apalpadelas. Pois não está longe de nenhum de nós, já que nele vivemos, nos movemos e

existimos, como disse um de vossos poetas: Pois somos de sua raça”. Essa é a pretensão

humana. Nos conforta saber que pertencemos à divindade. Para Krauss e Küchler (2007, p.

42), “frequentemente, encontra-se até mesmo a concepção de que a figura humana teria sido

formada de acordo com a dos deuses “.

Para Schleiermacher, interpretado por Otto (2014, p. 41), a partir de uma análise de

uma fala de Abraão, pode--se pensar ainda o quanto o homem tem um “sentimento confesso

de dependência de Deus”: Tomei a liberdade de falar contigo, eu que sou poeira e cinza (Cf.

Gn 18,27). Em outras palavras significa dizer que vai ser “o sentimento do humano (criatura),

um reflexo da numinosa sensação de ser objeto na autopersepção”. Um texto bíblico que

expressa bem essa realidade ainda está em Gênesis 33, 18-23. Esse trecho pode ser

identificado como “A glória do Senhor”. Um belíssimo diálogo de Moisés com Deus.

Então ele pediu: -Mostra-me teu glória. Ele respondeu: -Eu farei passar diante de ti toda a minha riqueza e pronunciarei diante de ti o nome do “Senhor”, porque me compadeço de quem eu quero e favoreço a quem eu quero; mas não podes ver o meu rosto, porque ninguém pode vê-lo e continuar vivendo. E acrescentou: - Aí, junto à rocha, tens um lugar onde ficar; quando minha glória passar, eu te colocarei numa fenda da rocha e te cobrirei com a palma da mão, até que tenha passado, e quando retirar a mão poderás ver minhas costas, mas não verás o meu rosto (Cf. Gn 33, 18-23).

Nesse diálogo está claro o quanto Deus é “luz inacessível”, como pode ser visto em I

Timóteo 6,16. Algo que o humano não pode possuir e mesmo ainda, não pode definir. Diria

ainda M. Merleau-Ponty (2005, p. 48), “a consciência moral (isto é o ser humano) morre em

contato com o Absoluto”. O homem não suportaria estar em contato com uma perfeição já

realizada. Uma vez contemplado sua face aqui nesse mundo, não conseguiria mais viver. O

conhecimento que o humano tem do divino, por mais que seja uma experiência profunda

como o foi a de Moisés, mesmo assim ainda será limitado. Assim Otto (2014, p. 44) o defini

de “Mysterium Tremendum”. Em outras palavras, o divino é “arrepiante” e “avassalador”.

Segundo Crisóstomo apud Otto (2014, p. 44), “enquanto totalmente outro, o mirum, aquilo

que foge ao nosso entendimento na medida em que transcende [nossas] categorias”. Ele é o

“incompreensível e inconcebível, o akatalepton”. Assim sendo, o “numinoso”.

Diante desse Mysterium Tremendum o homem vai por muitas vezes encantar-se e

desencarta-se. Em PUCRS (1980, p. 15), temos uma frase de Max Scheler que diz: “há uma

lei essencial: todo o espírito finito crê ou em Deus ou em um ídolo”. Essa definição é feita a

partir de um conceito cristão, pois em outra visão religiosa esse “Deus” também pode ser

visto como um ídolo. Essa mesma ideia ainda pode ser reforçada em Dostoiwski apud

PUCRS (1980, p. 15), quando afirma que “o homem se inclina sempre: se não ante Deus, ante

um dos ídolos que se criaram no Ocidente, que deixou de ser cristão: ante a força, ante o

Estado, ante a raça, ante o capital. E quão mortais são estes deuses”.

O fato de que os povos, por diferentes que sejam suas condições de existência e apesar de todos os entrechoques com o entumecimento eclesiástico da religião, não a tenham abandonado, mas que tenham surgido novas religiões em lugar das velhas, ou religiões renovadas junto às envelhecidas; o fato que, depois de épocas de dissolução do livre pensamento, indiferença amarradora, ou desfiguração supersticiosa, cada vez as autenticas forças religiosas se tenham despertado com mais viva energia e tenham fascinado os homens, este fato da experiência da história dos povos torna evidente que as forças elementares da natureza humana, aqui ativas, são indestrutíveis (HELLPACH apud PUCRS - 1980, pp. 15-16).

Nas palavras de Willy Hellpach (1877-1955), psicólogo da religião, pode-se assim

dizer que o que se muda é o objeto do encantamento. Ou seja, está na alma do humano a

necessidade de um contato com algo superior como forma de reconhecimento da criatura.

Diante do Mysterium o humano tem a necessidade de fazer seu louvor. O fenômeno dos

novos movimentos é expressão de um reencantamento. No fundo foi uma desilusão, mas o

sentido nunca foi perdido.

O salmista faz uma pergunta: “- que é o homem, que dele te lembres e o filho do

homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e

de honra o coroaste” (Cf. Sl 85-6). Essa é a pergunta que ainda carece de resposta para o

século XXI. Diante disso poderíamos nos perguntar como ficam o homem e a mulher diante

da criação, sendo eles imagem e semelhança do Criador? Quais as consequências disso?

Conforme Adolphe Gesché (2005, p. 45), “o ser humano está em busca de sua identidade:

quem sou eu? Não lhe basta existir, ele quer saber quem é, senão não se compreende e não

encontra o sentido de sua existência”. O homem em construção precisa definir sua identidade.

E por isso também busca definir a identidade de Deus. Existe um texto bíblico em que relata o

encontro de Moisés com a divindade diante da “Sarça Ardente”. Acontece a teofania no seu

verdadeiro sentido, mas mesmo assim Moisés não ficou satisfeito enquanto essa divindade

não lhe revelou sua identidade. Moisés, para seguir sua missão de libertar o Povo de Israel da

escravidão do Egito precisou ter certeza de quem o estava enviando. “Se os filhos de Israel me

perguntarem qual é (teu) nome, que lhes responderei?” (Cf. Ex 3,13). Moisés quer saber o

nome da divindade. Busca por uma identidade. Ainda segundo Gesché (2005, p. 49),

“ninguém se constrói nem se compreende só diante de si próprio, na solidão. Precisamos ser

arrancados, chamados, interpelados. Não somente para saber quem somos (existência), mas o

que somos (identidade) e isso gera autonomia e diálogo”. “E vós, quem dizeis que eu sou?”

(Cf. Mt 16,15).

Conforme os autores Francisco Catão e Magno Vilela (1994, p. 20), desde as origens,

o ser humano sempre se colocou a questão do sentido da vida, em todas as épocas, sociedades,

economias e culturas. Em outras palavras, o ser humano se distingue progressivamente dos

grupos de animais e primatas na medida em que associa a questão do sentido ao ato de viver e

sobreviver. Tanto a “sociedade” como o “sentido” são igualmente primordiais para o homem

de hoje. O homem encontra sua razão de ser no convívio com o outro e na busca de sua

identidade.

Jung tem um conceito bastante importante chamado de processo de “individuação”.

Segundo Agostinho apud Antonio M. Gomes e Carlos A. C. Barbosa (2012, p. 126), “não foi

criado por Jung”, mas ele o levou muito em consideração. Esse termo vem da filosofia

misturado à alquimia. Tem o significado de “um processo de construção e particularização do

ser individual que se distingue do grupo, do conjunto e da psicologia coletiva. É um processo

de diferenciação que tem como escopo o desenvolvimento superior da pessoa”. É um

processo que exige coragem e ao mesmo tempo provoca dor. Um processo doloroso e ao

mesmo tempo solitário. Segundo Santo Agostinho apud Gomes e Barbosa (2012, p. 129),

“solitário porque, com a individuação, a pessoa vai se tornar o que ela é de fato e não o que os

outros pensam”. Passando por esse processo o indivíduo necessariamente entre em um

processo de consciência de si e da realidade que o cerca.

Quem compreende o valor supremo da consciência, compreende o mito junguiano.

Para que aja uma consciência religiosa faz-se necessário uma verdadeira consciência

individual. Caso contrário o indivíduo pode correr sérios riscos numa experiência religiosa

alienada. A busca pelo Sagrado pode ficar truncada e não se chegar a uma verdadeira

experiência religiosa. Pode-se ainda seguir um grupo por seguir e a experiência do sagrado ser

uma mera imitação. Por isso nos serve pensar quantos indivíduos fazem uma experiência da

religião com bases no outro. Buscando o sentido da existência e o sentido do religioso, pode

ajudar a compreensão do processo de individuação, bem especificado em Lawrence W. Jaffe:

1) - Individuação é o processo permanente e contínuo de tornar-se indivíduo consciente. O objetivo da vida humana, segundo Jung, é servir a Deus através do desenvolvimento da consciência. 2) – Cada indivíduo precisa descobrir o lugar que, por bem ou por mal, está destinado a ocupar neste mundo, segundo sua natureza. É um processo doloroso de tentativas e erros. 3) – Individuação é a encarnação contínua de Deus para o propósito da transformação divina (JAFFE – 2002, p. 27).

Assim sendo, o processo de individuação é a capacidade do homem de pôr-se em

movimento e crescimento espiritual. Consciência é o conhecimento do que se passa em nós e

conforme Jaffe (2002, p. 29), “o mito junguiano afirma que a consciência que alcançamos em

nossas vidas é redentora”. Ainda, “Deus só pode existir se o homem tiver consciência

suficiente para percebê-lo”. A religião não pode ser vista como algo que aliena o indivíduo e

manos ainda como uma mera prática de rituais sem sentido. Por isso ainda escreve Jaffe

(2002, p. 52), “à medida que desfazemos os véus da ilusão, os complexos, começamos a

compreender os aspectos de Deus”.

Não é nosso interesse aqui fazer uma dissertação na tentativa de definir o que seja

religião, mas olhar o sentido da religião para o homem. Diante das questões aqui observadas,

a RCC em tempos de pós modernidade, pode ser classificada como uma expressão religiosa

que denota um reencantamento para o homem do século XXI. São novas formas de viver o

sentido religioso. Prova-se que a busca pelo sagrado é sempre atual. Só mudam os métodos.

Conforme diz Berger (2011, p. 15), a religião ocupa um lugar de destaque na sociedade

humana na tentativa de construção do mundo, servindo de instrumento de legitimação que

mantem a realidade desse mundo socialmente construído. Um estudo do sentido da religião,

olhando por essa lógica de Berger, não seria possível sem passar pelo contexto social, pois

existir num determinado mundo religioso significa existir no contexto social particular.

Para Jean-Paul

Willaime (2012, p. 9), toda religião existente é “um universo complexo” com sua

maneira específica de se manifestar “no tempo e no espaço”. Sendo assim, “qualquer análise

do campo religioso” tem que ser “plural: história, sociologia, etnologia, filosofia, ciências

políticas, etc., onde cada um possa fazer um olhar específico”.

São várias as maneiras de se ver a religião. No Manual de Cultura religiosa, Religião e

Cristianismo (PUCRS, 1980), um material produzido pelo Instituto de Teologia e Ciências

religiosas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p. 20ss., temos: a) –

Redução evolucionista; com base das teorias darwinistas de Charles Darwin, século XIX,

No documento apostaram em mim; a todos os leitores que (páginas 183-187)