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invisível”, diferentemente da ciência que vai atrás das realidades “universais, deducionais e repetíveis”

No documento apostaram em mim; a todos os leitores que (páginas 193-197)

Palacio (2001, p. 13), faz uma relação entre duas importantes encíclicas papais que

denotam o quanto a ICAR teve que mudar sua maneira de pensar no decorrer da história em

evolução nos tempos modernos. Se ela se fechou contra a modernidade, como está claro na

construção do Syllabus, no Enchiridion de Denzinger-Shönmetzer, e acabou sendo sucumbida

em tempos atuais. Em 1950 Pio XII lançou a Humani generis, como resposta desfavorável à

“crise modernista”. Foi, como escreve Palacio (2001), “uma reação defensiva diante da

cultura e da razão modernas cujas exigências não cabiam nas categorias do pensamento

cristão tradicional”. A ICAR não quis arriscar abrir-se ao mundo moderna que se despontava,

e como tinha sua hegemonia, usou de sua força para segurar dentro do casulo seus fies.

Passados 48 anos, em 1998, o Papa João Paulo II escreve a Fides et ratio. Abriu-se então,

numa reflexão em que a cultura dos tempos atuais precisava se atualizar. Conclui que não

existe um modo “oficial de pensar” da ICAR, paralelo ao mundo em evolução e que a fé

precisa ser pensada. A fé cristã e o mundo moderno devem se ajustar, ou melhor a fé cristã

deve se ajustar ao mundo moderno. Ainda continua Palacio (2001, p. 14), as duas encíclicas

estão ainda bem distante da Aeterni Patris de Leão XIII do ano de 1879, apresentando uma

“doutrina oficial” da ICAR.

Conforme Palacio (2001, p. 16), a encíclica de Leão XIII afetou três fortes elementos:

a) – aspecto do sistema: com base em uma filosofia tomista, criou-se a base estrutural da

doutrina. Com um sistema estrutura, o tomismo estava dotado de uma profunda coerência

interna e possuía uma poderosa força de atração. Não foi outra razão pela qual Leão XIII

julgou encontrar nesse pensamento estruturado uma fortaleza inabalável contra os embates do

mundo moderno. Criou-se a teologia das conclusões, correndo o risco de um saber teórico

com um risco de uma adesão também teórica dos fiéis; b) – o empobrecimento da tradição: a

tradição era confundida com um depósito de verdades fora do tempo, transmitido de forma

invariável. Pio XII não hesitou em afirmar que o magistério é a norma próxima e universal da

fé. O magistério acabou sendo para muitos a própria escritura, c) – a relação com o mundo: o

fantasma do modernismo perturbou em muito o inconsciente eclesial. Criou-se um crítica

ferrenha contra a modernidade. Tudo que se dizia moderno era sinal de intranquilidade para a

fé tradicional.

Conforme Gibellini (2012, p. 123), “a palavra secularização pode ter dois significados,

jurídico e cultural”. O jurídico expressa o ato de um indivíduo religioso de um determinado

instituto voltar ao estado laico. No sentido cultural, esse conceito aparece no século XIX para

indicar um processo de “emancipação da vida cultural (política, ciência, economia, literatura,

filosofia, arte e costumes) da tutela eclesiástica, segundo Gibellini (2012). Mas existe um

ambiguidade entre “descontinuidade” e “continuidade” entre cristianismo e mundo moderno,

como já havia percebido Troeltsch. Não teria como desvincular o cristianismo desse processo

histórico. Para Gibellini (2012, p. 124), Bonhoeffer, com base em Dilthey para analisar a

formação do mundo moderno, utiliza a categoria “mundo adulto” (mündige welt). Conforme

Gibellini (2012), a melhor referência a ser considerada em estudos sobre secularização é

Friedrich Gogarten (1887-1967)

132

. Gogarten entendia que a religião havia se perdido na

cultura e que por isso ela era a crise de toda a cultura. Seu trabalho de relevo sobre a

secularização foi amparado pelo estudo de 1952, O homem entre Deus e o mundo

(antropologia teológica) e seguido em 1966 por Jesus Cristo, virada do mundo (cristologia).

Entre essas duas obras está localizado o trabalho A secularização como tema da teologia.

De acordo com Gibellini (2012, p. 129), existe uma pergunta que motivou as respostas

de Gogarten: “a secularização é algo alheio à fé cristã e contraposto a ela, que lhe é imposto à

força e que a destrói a partir do exterior, ou se, ao contrário, é um evento decorrente da

essência da fé cristã e totalmente consequente com ela”. Gogarten propõe três soluções

possíveis:

a) - ou se recusa a secularização, na medida em que constituiria a decomposição e, finalmente, a destruição da fé cristã; é a posição que Gogarten vê representada pela crítica de Kierkegaard ao mundo moderno; b) – ou se renega definitivamente o cristianismo, por considerá-lo incapaz de suportar o peso da autonomia do homem, que agora se torna o senhor autônomo do mundo e de si mesmo: é a posição que Gogarten vê representada pela crítica de Nietzsche ao cristianismo; c) – ou então – e é o caminho seguido por Gogarten – procura-se interpretar de maneira diferenciada o nexo entre fé cristã e secularização (GIBELLINI – 2012, p. 130).

132Outros autores se despontam sobre o tema da secularização no campo da teologia. Segundo Gibellini (2012, p. 135ss), temos o Romano Guardini (1885-1986) que fez uma série de preleções em Tübingen e Müncen, depois publicadas com o título O fim da época moderna (1950). Um outro autor, o filósofo alemão Hans Blumenberg (1920-1996), escreve A legitimidade da época moderna (1966). Segue-se ainda John A. T. Robinson (1919-1983) anglicano biblista; depois o teólogo episcopaliano Paul van Buren (1924-1998), que escreveu O significado secular do Evangelho. O tema secularização volta a ser centro ente os teólogos em um debate com o livro do teólogo americano Harvey Cox (1929), A cidade secular (1965). Não podemos ainda deixar de citar teólogos católicos como Karl Rahner (1904-1984), sobre O significado teológico da posição do cristão no mundo moderno (1959). O francês Jean Daniélou (1905-1974), escreve A oração, problema político, publicado no fim do Concílio Vaticano II. Segundo Segundo Gibellini (2012), pode-se falar ainda de Johann Baptist Metz (1928), que fala de mundanização do mundo, diferente de Gogarten que fala de secularização.

Gogarten faz ainda uma diferenciação entre secularização e secularismo.

“Secularização (Säkularisierung), como legítima consequência da fé cristã, e o secularismo

(Säkularismus), como degeneração da secularização”. Depois de Gogarten não se criou nada

de novo sobre a temática secularização. A secularização tem tudo a ver com o processo de

emancipação do homem moderno. Como já visto, o homem fica adulto e não mais precisa de

alguém que lhe segure as mãos. Essa independência pode fazer bem e outras vezes pode

também maltratar. É como o adolescente. Ao mesmo tempo que quer se auto afirmar, não

consegue se distanciar dos pais.

“A adultícia funcional se escora em critérios diferentes e relaciona-se com os papéis responsáveis que a pessoa assume. Essa definição funcional, mais tácita e implícita, existe, não obstante, em termos de assunção, ou de delegação e assunção, de responsabilidade (CALVIN F. SETTLAGE et al. – 1968, p. 33).

Sendo assim, traz suas consequências. Ganhos e perdas estão envolvidos no processo

de maturação, seja ela qual for. A secularização é o processo laico do Estado, ou como vão

dizer Olivier Bobineau e Sébastien Tank-Storper (2011, p. 11), “portadora de duma fé na

onipotência, as luzes do século XVIII abrem a possibilidade de uma história humana

emancipada da tutela divina”. Ainda para Guy Haarscher (2011, p. 51), o tempo de

secularização é a total laicidade do Estado que “não privilegia nenhum confissão, [...] ao

mesmo tempo em que garante livre expressão de cada uma delas, dentro de certos limites”.

Sem sombra de dúvidas, o tema secularização faz parte fundamental das pesquisas que

relacionam religião e modernidade. Fala-se até de “paradigma da secularização”, como um

conjunto de ideias que servem de apoio para pensar o problema da religião em tempos atuais.

De acordo com Bobineau e Tank-Storper (2011, p. 69), Max Weber vai ser o primeiro teórico

a usar o termo secularização na sociologia, depois seguido de “Talcott Parsons, Thomas

Lukmann, Peter Berger, Bryan Wilson, David Martin, Robert Bellah, Richard Fenn e Karel

Dobbelaere”.

Conforme Willaime (2011, p. 68), temos quatro referências sobre o patrimônio comum

da laicidade: “1) – a neutralidade confessional do Estado e do poder pública; 2) – o

reconhecimento da liberdade religiosa e da liberdade de não religião; 3) – a liberdade de

consciência em relação a todos os poderes filosóficos e religiosos; 4) – a reflexibilidade

crítica e o debate contraditório aplicados aos domínios religioso e político”.

Um Estado laico dá abertura para a liberdade religiosa. Nasce em nossos tempos a

pluralização da oferta religiosa. Hoje temos um amplo mercado religioso em que as diversas

religiões competem no sistema de oferta e procura. Um outro fator emerge dentre desse

espaço religioso que é a “privatização da religião” e o indivíduo pode escolher. Tema que

analisaremos no próximo item desse trabalho, como secularização e a questão do pluralismo

religioso.

De acordo com Eliade (2013, p. 165), é possível que sempre possa haver tanto o

homem religioso como também sempre haverá o “homem a-religioso”. Sempre vai haver “o

homo religiosus que acredita que sempre existe uma realidade absoluta, o sagrado, que

transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real”. Os mitos

corroboram com a ideia de que o homem, como um ser religioso sempre buscou “ritualizar a

história sagrada, imitando o comportamento divino”. Por outro lado existe o homem

a-religioso que tentou negar ou que ainda nega a existência de um ser transcendente. Mesmo

como diz Eliade (2013, p. 165), só vamos encontrar registro desses a-religiosos mais

desenvolvidos nas sociedades europeias modernas. Esse homem a-religioso não aceita outro

“modelo de humanidade fora da condição humana”. Esse homem a-religioso “se dessacraliza

e dessacraliza o mundo”.

Para Jean-Louis Schelegel (2009, p.45), não se deve entender a secularização só como

base de uma “opção antirreligiosa, sem Deus ou a fortiori, contra Deus”. Sendo mais explícito

Schelegel (2009), afirma que o “indivíduo pode continuar a ser crente, aderir a comunidade,

realizar suas assembleias e celebrar sua fé, mas os lugares em que vive ou trabalha, funcionam

sem Deus, sem sinais visíveis de sua presença e sem recurso a seu nome”.

Do homo religiosus nasceu o homo politicus e desse veio o homo oeconomicus nos

anos 1870 a 1900, segundo Hugo Assmann e Jung Mo Sung (2010, pp. 21-30). Do homo

oeconomicus vai nascer o homo neoliberal a partir dos anos 1900. As características desse

tipo de homem neoliberal, produto do homem econômico, vai ser de “anti-humano e

antissocial”. Cria-se a “lógica da exclusão” gerando seres sem esperança de revalorização”.

Mas o homem não fica estagnado nessas fases e evolui para outros modos de sobrevivência

existencial. Constrói, segundo Assmann e Sung (2010, pp. 31), entre os anos 1900 até dias

atuais o homo aestheticus, celebrando a beleza, o homo Art Deco, com a estética de mercado,

o homo symbioticus, com implantes técnicos no corpo, próteses cognitivas no cérebro e

outros, o homo consumens com grandes shoppin centers e verdadeiros paraísos de consumo, o

homo sensibilis, com sua sensibilidade social, o homo complexus, onde passa a ser o centro da

No documento apostaram em mim; a todos os leitores que (páginas 193-197)