Palacio (2001, p. 13), faz uma relação entre duas importantes encíclicas papais que
denotam o quanto a ICAR teve que mudar sua maneira de pensar no decorrer da história em
evolução nos tempos modernos. Se ela se fechou contra a modernidade, como está claro na
construção do Syllabus, no Enchiridion de Denzinger-Shönmetzer, e acabou sendo sucumbida
em tempos atuais. Em 1950 Pio XII lançou a Humani generis, como resposta desfavorável à
“crise modernista”. Foi, como escreve Palacio (2001), “uma reação defensiva diante da
cultura e da razão modernas cujas exigências não cabiam nas categorias do pensamento
cristão tradicional”. A ICAR não quis arriscar abrir-se ao mundo moderna que se despontava,
e como tinha sua hegemonia, usou de sua força para segurar dentro do casulo seus fies.
Passados 48 anos, em 1998, o Papa João Paulo II escreve a Fides et ratio. Abriu-se então,
numa reflexão em que a cultura dos tempos atuais precisava se atualizar. Conclui que não
existe um modo “oficial de pensar” da ICAR, paralelo ao mundo em evolução e que a fé
precisa ser pensada. A fé cristã e o mundo moderno devem se ajustar, ou melhor a fé cristã
deve se ajustar ao mundo moderno. Ainda continua Palacio (2001, p. 14), as duas encíclicas
estão ainda bem distante da Aeterni Patris de Leão XIII do ano de 1879, apresentando uma
“doutrina oficial” da ICAR.
Conforme Palacio (2001, p. 16), a encíclica de Leão XIII afetou três fortes elementos:
a) – aspecto do sistema: com base em uma filosofia tomista, criou-se a base estrutural da
doutrina. Com um sistema estrutura, o tomismo estava dotado de uma profunda coerência
interna e possuía uma poderosa força de atração. Não foi outra razão pela qual Leão XIII
julgou encontrar nesse pensamento estruturado uma fortaleza inabalável contra os embates do
mundo moderno. Criou-se a teologia das conclusões, correndo o risco de um saber teórico
com um risco de uma adesão também teórica dos fiéis; b) – o empobrecimento da tradição: a
tradição era confundida com um depósito de verdades fora do tempo, transmitido de forma
invariável. Pio XII não hesitou em afirmar que o magistério é a norma próxima e universal da
fé. O magistério acabou sendo para muitos a própria escritura, c) – a relação com o mundo: o
fantasma do modernismo perturbou em muito o inconsciente eclesial. Criou-se um crítica
ferrenha contra a modernidade. Tudo que se dizia moderno era sinal de intranquilidade para a
fé tradicional.
Conforme Gibellini (2012, p. 123), “a palavra secularização pode ter dois significados,
jurídico e cultural”. O jurídico expressa o ato de um indivíduo religioso de um determinado
instituto voltar ao estado laico. No sentido cultural, esse conceito aparece no século XIX para
indicar um processo de “emancipação da vida cultural (política, ciência, economia, literatura,
filosofia, arte e costumes) da tutela eclesiástica, segundo Gibellini (2012). Mas existe um
ambiguidade entre “descontinuidade” e “continuidade” entre cristianismo e mundo moderno,
como já havia percebido Troeltsch. Não teria como desvincular o cristianismo desse processo
histórico. Para Gibellini (2012, p. 124), Bonhoeffer, com base em Dilthey para analisar a
formação do mundo moderno, utiliza a categoria “mundo adulto” (mündige welt). Conforme
Gibellini (2012), a melhor referência a ser considerada em estudos sobre secularização é
Friedrich Gogarten (1887-1967)
132. Gogarten entendia que a religião havia se perdido na
cultura e que por isso ela era a crise de toda a cultura. Seu trabalho de relevo sobre a
secularização foi amparado pelo estudo de 1952, O homem entre Deus e o mundo
(antropologia teológica) e seguido em 1966 por Jesus Cristo, virada do mundo (cristologia).
Entre essas duas obras está localizado o trabalho A secularização como tema da teologia.
De acordo com Gibellini (2012, p. 129), existe uma pergunta que motivou as respostas
de Gogarten: “a secularização é algo alheio à fé cristã e contraposto a ela, que lhe é imposto à
força e que a destrói a partir do exterior, ou se, ao contrário, é um evento decorrente da
essência da fé cristã e totalmente consequente com ela”. Gogarten propõe três soluções
possíveis:
a) - ou se recusa a secularização, na medida em que constituiria a decomposição e, finalmente, a destruição da fé cristã; é a posição que Gogarten vê representada pela crítica de Kierkegaard ao mundo moderno; b) – ou se renega definitivamente o cristianismo, por considerá-lo incapaz de suportar o peso da autonomia do homem, que agora se torna o senhor autônomo do mundo e de si mesmo: é a posição que Gogarten vê representada pela crítica de Nietzsche ao cristianismo; c) – ou então – e é o caminho seguido por Gogarten – procura-se interpretar de maneira diferenciada o nexo entre fé cristã e secularização (GIBELLINI – 2012, p. 130).
132Outros autores se despontam sobre o tema da secularização no campo da teologia. Segundo Gibellini (2012, p. 135ss), temos o Romano Guardini (1885-1986) que fez uma série de preleções em Tübingen e Müncen, depois publicadas com o título O fim da época moderna (1950). Um outro autor, o filósofo alemão Hans Blumenberg (1920-1996), escreve A legitimidade da época moderna (1966). Segue-se ainda John A. T. Robinson (1919-1983) anglicano biblista; depois o teólogo episcopaliano Paul van Buren (1924-1998), que escreveu O significado secular do Evangelho. O tema secularização volta a ser centro ente os teólogos em um debate com o livro do teólogo americano Harvey Cox (1929), A cidade secular (1965). Não podemos ainda deixar de citar teólogos católicos como Karl Rahner (1904-1984), sobre O significado teológico da posição do cristão no mundo moderno (1959). O francês Jean Daniélou (1905-1974), escreve A oração, problema político, publicado no fim do Concílio Vaticano II. Segundo Segundo Gibellini (2012), pode-se falar ainda de Johann Baptist Metz (1928), que fala de mundanização do mundo, diferente de Gogarten que fala de secularização.
Gogarten faz ainda uma diferenciação entre secularização e secularismo.
“Secularização (Säkularisierung), como legítima consequência da fé cristã, e o secularismo
(Säkularismus), como degeneração da secularização”. Depois de Gogarten não se criou nada
de novo sobre a temática secularização. A secularização tem tudo a ver com o processo de
emancipação do homem moderno. Como já visto, o homem fica adulto e não mais precisa de
alguém que lhe segure as mãos. Essa independência pode fazer bem e outras vezes pode
também maltratar. É como o adolescente. Ao mesmo tempo que quer se auto afirmar, não
consegue se distanciar dos pais.
“A adultícia funcional se escora em critérios diferentes e relaciona-se com os papéis responsáveis que a pessoa assume. Essa definição funcional, mais tácita e implícita, existe, não obstante, em termos de assunção, ou de delegação e assunção, de responsabilidade (CALVIN F. SETTLAGE et al. – 1968, p. 33).