A RCC no Brasil, pelo menos inicialmente, como escreve Sousa (2005, p. 61), segue
as tendências americanas. Principalmente no que tange à literatura, pois os escritos católicos
sobre tais experiências no Espírito eram escassas. A necessidade fez com que se buscasse na
literatura americana fundamentos pra a RCC. Em parte essa literatura pode ser encontrada
ainda entre os pentecostais. Em 1975, a Comissão de Nacional de Serviço da RCC promove
um encontro ecumênico com várias denominações evangélicas. Em 1979 chegou mesmo até a
acontecer grupos de oração ecumênicos. Na concepção de Sousa (2005, 61), esse material
sobre trabalhos ecumênicos da RCC só é possível ser visto nos boletins mais antigos do
movimento. O autor cita ainda um fala do pastor Clifford Biel
84, testemunhando o lado
positivo desses encontros ecumênicos: “Agora que vi o movimento carismático como
experiência de comunidade (...) tenho coragem para promover um lugar em nossa Igreja
Luterana para o movimento”. Tentou-se a todo custo, dentro dessa experiência, manter um
certo diálogo ecumênico, segundo os autores consultados.
84Clifford Biel (1936-2015), foi um dos pastores americanos que serviram a IECLB na Missão Americana, que foi responsável a partir da década de 1960 pela criação de diversas comunidades no interior paulista e no norte paranaense, entre elas Loanda, Maringá, Cianorte, Marília, Presidente Prudente, Londrina e diversas outras. No final dos anos 1970, ele atuava em Maringá/PR, onde foi pastor por 12 anos. Antes disso, atuou por quatro anos
em Loanda, um pequeno município do norte paranaense. Disponível in:
http://www.jornalocaminho.com.br/noticia.php?edicaoId=145&cadernoId=9¬iciaId=6701. Acesso em 11/5/2017.
Vê-se então que o perfil pentecostal da RCC é herdado dos Estados Unidos. Para Dom
Eduardo Koaik
85apud Sousa (2005, p. 64), “a Renovação do Brasil inspirou-se na americana
e lá a coisa nasceu mais na mão dos pentecostais”. Conforme Valle (2004, p. 99), na época da
implantação da RCC no Brasil, já existia uma tendência nacional brasileira de deixar-se
envolver com tudo que fosse americano.Essa era ainda uma crítica da TL em seus tempos de
militância. Para Valle “o way of life dos americanos tinha já atingido praticamente todos os
aspectos e estilos de nosso modo de viver, comer, trabalhar e usar o tempo livre”. Com isso
não tardou para que também o “cristianismo se tornasse uma cópia do que estava acontecendo
no norte do continente”. Valle (2004, p. 99), é categórico em afirmar que a “RCC é um
lídimo produto norte-americano”.
Nem tudo foi sempre tranquilo para a RCC dentro da ICAR. Se por um lado era vista
com bons olhos por alguns, por outro lado, era vista com desconfiança por outros. O primeiro
diálogo da RCC com a estrutura hierárquica da ICAR se deu especificamente no ano 1973,
quando Pe. Eduardo e Pe. Antônio Abreu puderam expor à presidência da CNBB o que
significava o movimento e em 1974 a mesma CNBB iniciou uma pesquisa sociológica a
respeito da RCC, segundo Carranza (2000, p. 130). No ano de 1975 a Sagrada Congregação
Para a Doutrina da Fé pediu à CNBB informações sobre a RCC no Brasil e o relatório
apresentado pela CNBB “consistiu numa enumeração dos estudos realizados sobre o
pentecostalismo católico”, ou seja, sobre tudo que a RCC tinha produzido até então. Aos
poucos a RCC foi tomando campo na ICAR e passou a ser significativa. No ano de 1977,
Dom Aloísio Lorscheider, presidente da CNBB, pede à CRB que faça sua XI Assembleia com
o tema: Renovação Carismática. A CRB deu resposta negativa ao pedido, mas
comprometeu-se a solicitar um estudo à sua equipe teológica. Ainda em 1982 os bispos manifestaram uma
preocupação sobre alguns aspectos da RCC, a saber, segundo Carranza:
A confusão com o pentecostalismo, o exagero no uso do dom de línguas e curas, a interpretação livre da Bíblia, a penetração nas dioceses sem licença, a fraca formação doutrinária, a tendência a privatizar a atuação do Espírito Santo, a presença de padres estrangeiros pregando pelo país... Nessa mesma reunião os bispos mostraram seu desejo de normatizar e impor um maior controle ao movimento, acordando-se que era necessário um maior estudo sobre a RCC. NO ano de 1984 foi negado ao Pe. Eduardo o aval de aprovação para solicitar recursos no exterior e poder assim expandir sua incipiente Associação do Senhor Jesus (CARRANZA – 2000, p. 131).
Carranza (2000, p. 133), entende que “as relações entre Igreja Católica e a RCC foram
sempre marcadas por tensões”, por mais que pareça que não. Não eram poucas as
desconfianças, os questionamentos e rejeições. Ainda em 1993 tiveram os impasses em com
RCC e autoridades eclesiásticas em algumas dioceses como: “a falta de respeito de algumas
lideranças desequilibradas (leigas, padres ou religiosos), que não observavam os limites das
igrejas locais”. Um fator ainda que causava “temor” nos líderes hierárquicos era fato da falta
de “controle por parte dos padres e bispos”.
Em setembro de 1987 – Colômbia – os bispos compuseram o Documento La Ceja
(Documento del Encuentro Episcopal Latinoamericano efectuado en La Ceja)
86. Esse
documento, como escreve Sousa (2005, p. 71), não teve a força de um Medellín ou de um
Puebla, mas colocava suas preocupações a respeito da RCC. O texto chamava a atenção para
certos “exageros e desvios”. Segundo Sousa (20050, foi o documento do “mas”, pois alterna
elogios e exortações. A RCC tinha diretrizes próprias (nacionais e internacionais). Esse fato
lhe proporcionava autonomia
87, e essa “autonomia leiga” assustava, ou assusta.
É certo que a RCC teve que se institucionalizar, e para Sofiati (2011, p. 128), “a RCC
sucumbiu inexoravelmente à organização do próprio carisma; portanto, não escapou ao
dilema do carisma institucionalizado, pois junto a sua proposta de renovação espiritual
manifestou-se sua tendência à estruturação”. É o que Carranza (2000, p. 135), vai chamar do
“paradoxo da RCC”, onde a mesma tem uma força interna que consegue mobilizar massas
independente da instituição hierárquica e por outro lado está “sempre adaptando e
submetendo-se à instituição (ICAR). Isso se dá talvez, como diz Rahm e Lamego (1972, p.
38), porque “o pentecostalismo não é uma seita, uma ramificação, uma agremiação dentro da
Igreja. Os seus adeptos são bons católicos, que se puseram sob a orientação especial do
Divino Espírito Santo”.
As origens do movimento católico diferem em aspectos significativos das origens do movimento nas igrejas protestantes. Os primeiros líderes carismáticos eram quase todos jovens universitários que não adotavam
86Disponível in: https://pt.scribd.com/document/150490679/Documento-sobre-la-R-C-C-de-La-Ceja-Colombia. Acesso em: 28/03/2017.
87 Para Carranza (2000, p. 134), o fato da autonomia leiga fez com que, em Campinas, 120 pessoas, todas da RCC, fundassem a Igreja Verbo Vivo, depois de passarem por um processo de enfrentamento com a hierarquia local. Segundo Carranza (2000, p. 135), “os membros da RCC têm uma estrutura leiga, na qual qualquer pessoa pode ter autoridade, a partir do momento que recebe o Espírito Santo (...) os carismáticos guiam-se como o nome o diz pelo carisma e não pela hierarquia, (embora) existam pessoas que acreditam que os carismáticos são dóceis e obedecem cegamente à hierarquia da Igreja, podem estar enganados” (O Estado de São Paulo, 20/7/1997, A-26).
nenhum postura anti-intelectual, como às vezes ocorria nos círculos pentecostais carismáticos. Eram jovens profundamente comprometidos com a fé católica e já embalados pelo espírito do Concílio do Vaticano II para a renovação da Igreja Católica Romana. Por essa razão, eles compreenderam imediatamente que a experiência carismática seria benéfica para toda a igreja e enxergaram no novo movimento uma resposta à oração do papa João XXIII por um novo Pentecostes (HOCKEN – 2009, p. 291-292).