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Como a Alma e o Ente se ―dividem‖ nos indivíduos: a alegoria dos raios

4. A NATUREZA UNIMÚLTIPLA DA ALMA

4.5. Como a Alma e o Ente se ―dividem‖ nos indivíduos: a alegoria dos raios

158 οὐ γὰρ οἶόν τε ἐν τῶ μὴ ὄντι τὸ ὂν εἶναι, ἀλλ᾿ εἴπερ, τὸ μὴ ὂν ἐν τῶ ὄντι. ὅλῳ οὖν ἐντυγχάνει τῶ ὄντι· οὐ γὰρ ἦν ἀποσπ᾵σθαι αὐτὸ ἀφ᾿ ἑαυτοῦ, καὶ τὸ πανταχοῦ δὲ λέγεσθαι εἶναι αὐτὸ δῆλον, ὅτι ἐν τῶ ὄντι· ὥστε ἐν ἑαυτῶ. καὶ οὐδὲν θαυμαστόν, εἰ τὸ πανταχοῦ ἐν τῶ ὄντι καὶ ἐν ἑαυτῶ· ἤδη γὰρ γίνεται τὸ πανταχοῦ ἐν ἑνί. 159 ἔστι γὰρ ἐφ᾿ ἑαυτοῦ ἐκεῖνο, κἄν τι αὐτῶ ἐθέλῃ παρεῖναι. ὅπου δὴ συνίοι τὸ σ῵μα τοῦ παντός, εὑρίσκει τὸ π᾵ν, ὥστε μηδὲν ἔτι δεῖσθαι τοῦ πόρρω, ἀλλὰ στρέφεσθαι ἐν τῶ αὐτῶ, ὡς παντὸς ὄντος τούτου, οὖ κατὰ π᾵ν μέρος αὑτοῦ ἀπολαύει ὅλου ἐκείνου. εἰ μὲν γὰρ ἐν τόπῳ ἦν ἐκεῖνο αὐτό, προσχωρεῖν τε ἔδει ἐκεῖ καὶ εὐθυπορεῖν καὶ ἐν ἄλλῳ μέρει αὐτοῦ ἄλλῳ μέρει ἐφάρτεσθαι ἐκείνου καὶ εἶναι τὸ πόρρω καὶ ἐγγύθεν· εἰ δέ μήτε τὸ πόρρο μήτε τὸ ἐγγύθεν, ἀνάγκη ὅλον παρεῖναι, εἴπερ πάρεστι. καὶ ὅλως ἐστὶν ἐκείνων ἑκάστῳ, οἶς μήτε πόρρωθέν ἐστι μήτε ἐγγύθεν, δυνατοῖς δὲ δέξασθαί ἐστιν.

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Mas, afinal, como se dá essa presença? Se o Ente ou a Alma está presente inteiro

em todas as partes do sensível, como se ―divide‖ nos seres particulares? Isto é, como

existem indivíduos e entes particulares? É o próprio Ente que está presente ou

permanecendo o Ente em si mesmo, suas potências se fazem presentes a todas as

coisas? Em outras palavras: como o Ente uno ou a Alma universal se ―particularizam‖ e

se ―dividem‖ nos indivíduos e em todas as coisas? (cf. VI 4 [22], 3, 1-4). Plotino responde inicialmente, no tratado VI 4 [23] por meio de uma alegoria, a alegoria dos

raios luminosos: ―porque assim é como se disse que as almas são ao modo de raios

luminosos, de sorte que o Ente mesmo permaneça assentado em si mesmo, mas que as

almas emitidas por ele se encarnem em viventes sucessivos‖ (VI 4 [23] 3, 4-7)160

.

O que a imagem sugere é que o Ente, ou a Alma universal, tal como o Sol que

permanece em si mesmo, emite os entes e as almas particulares de modo semelhante aos

raios luminosos que iluminam a Terra, como potências de si mesmo. Só aparentemente

os raios se dividem: eles não têm apenas uma origem em comum, mas uma mesma

natureza, na medida em que são a mesma luz do Sol e, no limite, são o próprio Sol.

Contudo, cada raio possui apenas uma faceta do Sol total, assim como cada ente

particular possui apenas uma potência ou uma faceta do Ente ou da Alma universal, ou

seja, o que cada um é capaz de reter e receber (cf. VI 4 [23] 3, 6-8). Ainda assim, a

Alma não deixa de estar completamente presente, uma vez que o Todo não está

desconectado dessa potência que comunicou a um ser particular; afinal, cada raio é

expressão da mesma luz. Assim, está presente e separado ao mesmo tempo, pois mesmo

para um ser em quem estivessem presentes todas as potências, o Ente estaria presente

sem deixar de estar separado: ―porque se se convertesse em forma de um ser particular,

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οὕτω γὰρ τὰς ψυχὰς οἶον βολὰς εἶναι λέγουσιν, ὥστε αὐτὸ μὲν ἱδρῦσθαι ἐν αὑτῶ, τὰς δ᾿ ἐκπεμφθείσας κατ᾿ ἄλλο καὶ κατ᾿ ἄλο ζῶον γίγνεσθαι.

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deixaria de ser um todo e de estar em si mesmo em todas as partes; seria de outro

acidentalmente‖ (cf. VI 4 [23] 3, 8-15)161

. O mesmo podemos pensar com relação ao

Sol: os raios são o Sol, na medida em que são expressões dele; mas o Sol não se limita

apenas aos seus raios. Caso contrário, os próprios raios não existiriam sem a fonte que

os emite, uma vez que não há separação. Cada raio está diretamente ligado ao Todo, e

em cada um o Todo está presente, ainda que cada raio possua apenas uma faceta dele.

Desse modo, o Todo não pertence a nada nem a ninguém que pertença a ele. E, por isso,

não é estranho que esteja em todos, ―... porque tampouco está em nenhum deles de tal maneira que lhes pertença‖ (cf. VI 4 [23] 3, 15-19)162

.

Pela mesma razão, diz Plotino, não é absurdo dizer que a alma se coestende com

o corpo, desde que se entenda que a alma mesma se mantém em si mesma, sem se

deixar apropriar pelo corpo. Ainda que o corpo inteiro, em cada parte de si, apareça

iluminado pela alma (cf. VI 4 [23] 3, 20-23). É que não estando localizada, a Alma está

presente para tudo o que está localizado. Segundo Plotino, o absurdo seria o contrário:

se a Alma ou o Ente ocupasse algum lugar e estivesse presente inteiro para todos. ―Mas de fato a razão diz que não ocupando lugar algum, necessariamente está presente a

quem está presente, todo inteiro, e que estando presente a todos como a cada um, lhes

está presente todo inteiro‖ (cf. VI 4 [23] 3, 23-29)163. E nesse sentido, não há divisão. Não há como nem o que dividir. O que seria dividido? Sua vida, seu ser, sua

inteligência? Mas nesse caso, se o todo era vida, a parte não será vida. O mesmo se dá

161 γενόμενον μὲν γὰρ τοῦδε εῖδος ἀπέστη ἂν τοῦ τε π᾵ν εἶναι τοῦ τε εἶναι ᾿ν αὑτῶ πανταχοῦ, κατὰ συμβεβηκὸς δὲ καὶ ἄλλου. 162 θαυμαστὸν οὖν οὐδὲν οὕτως ἐν π᾵σιν εἶναι, ὅτι αὖ ἐν οὐδενί ἐστιν αὐτ῵ν οὕτως ὡς ἐκείνων εἶναι. 163 νῦν δέ φησιν ὁ λόγος, ὡς ἀνάγκη αὐτῶ τόπον οὐκ εἰληχότι ᾦ πάρεστι τούτῳ ὅλον παρεῖναι, παντὶ δὲ παρὸν ὡς καὶ ἑκάστῳ ὅλον παρεῖναι.

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com o ser e a inteligência: se o todo era ser e inteligência, dividido, nenhuma das partes

será realmente ser e inteligência (cf. VI 4 [23] 3, 32-36).

Nesse sentido, a palavra <divisão>, assim como a palavra <parte>, não são

termos completamente apropriados para expressar a unimultiplicidade da Alma. Na

realidade, segundo Plotino, cada alma particular é o Todo, é a Alma universal; assim

como cada raio do Sol é o próprio Sol, ainda que cada alma particular e cada raio de Sol

seja apenas uma faceta e uma potência do Todo. Da mesma maneira, cada teorema é

apenas uma faceta da Ciência inteira e, no entanto, traz em potência toda a Ciência.

Segundo Plotino, assim como o Ente, que é múltiplo apenas por alteridade e não

localmente (cf. VI 4 [23] 4, 23-25), a alma está toda junta sem divisão. Mesmo a alma

que é <divisível nos corpos> é, na realidade, indivisível por natureza. São os corpos que

possuem magnitude, e como os corpos estão na alma (e não a alma nos corpos), ―... ao

refletir-se aquela natureza em cada uma das partes nas quais os corpos estão divididos

se pensou que alma era divisível nos corpos nesse sentido‖ (cf. VI 4 [23] 4, 28-32)164

. A

evidência da unidade e indivisibilidade da alma está no fato de que a alma não está

condividida com as partes do corpo, mas está toda em todas as partes. Em cada parte do

corpo está presente não uma parte da alma apenas, mas a alma inteira (cf. VI 4 [23] 4,

32-34), por meio, como vimos acima, da potência que se reflete em cada parte do corpo.

Desse modo, a unidade da Alma não elimina sua multiplicidade, nem sua multiplicidade

elimina sua unidade.

Contudo, Plotino esclarece que sua multiplicidade não é resultado da magnitude

do corpo, ―... mas que, anteriormente aos corpos, a alma é múltipla e una. Porque no

164

ὅσον ἐστὶ μεμερισμένα, κατὰ π᾵ν μέρος ἐκείνης ἐμφανταζομένης τῆς φύσεως, περὶ τὰ σώματα οὑτως ἐνομίσθη εἶναι μεριστή.

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todo estão já as muitas almas, não em potência, mas cada uma em ato‖ (cf. VI 4 [23] 4, 34-40)165. É que a Alma una e inteira não impede que as muitas estejam nela, nem as muitas impedem que a Alma seja uma só. Sua natureza incorpórea, sem quantidade, sem

localização e sem magnitude, não impede as almas particulares de se dissociarem sem

estarem dissociadas, tampouco de estarem presentes umas as outras sem serem alheias

umas as outras (cf. VI 4 [23] 4, 40-44). ―É que não estão demarcadas com limites, como

tampouco estão as ciências em uma só alma, e a alma una é tal que contém a todas em si

mesma. Assim é infinita semelhante natureza‖ (VI 4 [23] 4, 44-47)166

.