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PROPOSTA DE TRABALHO E SUAS "LINGUAGENS"

Capítulo 3 Proposta de Trabalho e suas "Linguagens"

3.2 Como fizemos

Esta interrogação encontra resposta nas metodologias qualitativas que serviram de base a este trabalho, sobretudo do ponto de vista epistemológico. Se classificamos esta investigação de interpretativa ou

qualitativa, isso deve-se mais à "sua orientação fundamental, do que aos procedimentos que ela utiliza. Uma técnica de pesquisa não pode constituir um método de investigação" (Erickson 1986, in Hébert e all 1990, p. 33).

Desde o início percebemos que um trabalho baseado nas práticas das educadoras só poderia ser realizado a partir do contexto real: falando com elas, observando as suas práticas, vivendo e convivendo com elas, num encontro entre subjectividades, num processo de intercâmbio de saberes, de fazeres, de emoções e de pensamentos emergentes desse encontro. Tratava-se pois de um objecto de análise formulado em termos de "acção". Nesta acção produz-se uma variabilidade das relações entre as atitudes tomadas e os significados que lhe são atribuídos através das interacções sociais estabelecidas e os fins a que servem. Segundo Erickson (1986), a acção engloba "o comportamento físico e ainda os significados que lhe atribuem o actor e aqueles que interagem com ele" (in ibidem, p.39). Neste sentido o nosso trabalho centrou-se nesta variabilidade das relações atitude/significado, que do ponto de vista teórico visa a descoberta e a compreensão de sistemas de significado; os "efeitos de ocultação e de desqualificação" (Correia, 1998, p. 175), que as educadoras criam para originar aprendizagens. A nossa investigação incidiu, então, sobre os sistemas de significação (muitas vezes implícitos e inconscientes); o modo como se revelam e se mantêm esses sistemas de significado, e qual a sua importância na aprendizagem do "ofício de aluno". Este centro de interesse em torno da "criação de significado" é característico das problemáticas interpretativas, na medida em que remete para uma dimensão social que leva, na investigação interpretativa, a ter em conta a "relação entre as perspectivas dos actores e as condições ecológicas da acção na qual se encontram implicados" (Erickson, 1986, in Hébert, 1990, p. 41). Assim os significados produzidos pelas educadoras que connosco colaboraram, foram colocados em relação a dois níveis do contexto social. Segundo Erickson, no estudo de Hébert (1990), estes dois níveis são: "imediato" e "afastado". No plano imediato os significados estão ligados a uma microcultura que lhes

confere variantes em função do grupo específico, que nas suas interacções partilha determinadas tradições, determinados saberes fazer que entretanto se vão renovando ao longo do tempo. No plano afastado, tivemos em conta que os significados possuem uma história que os liga a uma cultura mais. alargada, mas que também correm o risco da influência do contexto social que se manifesta pela percepção de vantagens e de obstáculos. Estes dois níveis tiveram especial interesse para o nosso trabalho na medida em que tivemos necessidade de contar, não só com o invisível do quotidiano do jardim de infância especifico das acções que aí têm lugar e a familiaridade com que se nos apresenta, mas também enquanto um lugar emergente das necessidades societais e das expectativas geradas à sua volta, no pressuposto de que a sociedade "não é um organismo natural mas sim um artefacto humano" (Hébert, 1990, p. 48).

Transformar o familiar em estranho, compreender a educação de infância enquanto construto social, só foi possível pela investigação interpretativa, pois esta permitiu um distanciamento necessário "ao tornar estranho aquilo que é familiar e ao explicitar o que está implícito" (Hébert, 1990, p.43). Neste sentido, tivemos necessidade de problematizar os laços comuns emergentes da retórica das educadoras que connosco colaboraram, de compreender situações particulares de acordo com processos estruturais e processuais e de considerar o significado que determinadas situações têm para as educadoras, vendo para além dele.

Pensamos estarem finalmente retratadas as grandes linhas que justificam a inscrição deste trabalho no paradigma interpretativo. Deste modo, e de acordo com os pressupostos, o método de recolha de dados, consistiu numa triangulação metodológica que engloba a observação participante, a entrevista e a respectiva análise de conteúdo, e ainda a análise documental. A observação participante era, inicialmente, a técnica por nós escolhida mas, por incompatibilidade de tempo, não foi possível usá- la de modo sistemático. Pela falta de sistematização, esta aparece apenas

como um instrumento auxiliar à pesquisa realizada principalmente pelo outro instrumento usado, a entrevista.

3.2.1 As educadoras

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A escolha das educadoras que connosco colaboraram, teve como primeira preocupação a sua disponibilidade, não só de nos facultarem uma entrevista, mas também de permitirem o nossa permanência no jardim de infância, partilhando do seu quotidiano sempre que nos fosse possível. Deste modo, natural, fez-se uma selecção pautada pela disponibilidade, que uma ou outra não revelou. Mesmo assim procurámos reunir um grupo de educadoras heterogéneo, quer pela sua efectividade profissional que pelo próprio tipo de instalações onde aquelas exerciam as suas funções

A educadora A (ed. A) trabalha como educadora de infância há vinte anos. Os últimos oito anos têm sido passados ao serviço da rede pública da educação de infância. O jardim de infância no qual exerce pertence ao distrito de Aveiro e fica situado num meio rural. É uma construção de raiz, constituído por uma sala de actividades, um pequeno hall, uma salinha de atendimento a pais, casas de banho (com água quente) copa e um recreio ao ar livre com alguns aparelhos lúdicos conseguidos pelo empenho da educadora posto no recurso a vários organismos . Tem capacidade para vinte e cinco crianças. No momento da nosso trabalho o grupo estava completo e constituía-se por crianças de três, quatro e cinco anos. Para além da educadora, havia uma auxiliar da acção educativa, ambas efectivas no jardim de infância.

A educadora B (ed. B) está vinculada num jardim em Vila Nova de Gaia. Trabalha na rede pública há quatro anos embora tenha doze anos de serviço. O jardim de infância onde exerce as sua funções de educadora é uma construção de raiz de modelo camarário. Tem duas salas de actividade, uma sala de plástica que divide as respectivas salas, uma cozinha, um refeitório, despensa, casas de banho (sem água quente) e um recreio ao ar

livre sem qualquer tipo de aparelho lúdico. O jardim comporta cinquenta crianças, com idades compreendidas entre o três e os. cinco anos, e conta, para além das duas educadoras, com uma auxiliar da acção educativa e uma cozinheira que está a cargo de uma empresa.

A educadora C (ed. C) está efectiva num jardim de infância em Gaia, tem vinte e três anos de serviço e trabalha na rede pública há mais de quinze anos. O jardim de infância onde exerce a sua função situa-se numa zona semi- urbana e é um pequeno edifício adaptado, que se reduz a duas salas, um corredor pequeno e estreito no qual se encontra uma reduzida casa banho. A saída (e único acesso ao jardim) para o recreio, igualmente desprovido de aparelhos lúdicos, faz-se por umas escadas íngremes e estreitas. Este espaço comporta cinquenta crianças, na maioria de quatro e cinco anos por falta de vaga para os mais novos. Para além de duas educadoras tem a colaboração de uma auxiliar da acção educativa

A educadora D (ed. D) efectiva num jardim de infância de Gaia, tem vinte e seis anos de serviço e trabalha há sete na rede pública de jardins de infância Trabalha num jardim integrado numa escola do 1o ciclo do ensino

básico, constituído por duas salas destinadas à educação de infância, e respectivas casas de banho (sem água quente). Este espaço comporta cinquenta crianças de cinco anos por não haver vaga para os mais novos. Este jardim situa-se no centro de Gaia, partilha o espaço exterior com as crianças da escola, bem como o refeitório e seus serviços. Do seu quadro de pessoal fazem parte duas educadoras e uma auxiliar da acção educativa.

A educadora E (ed. E), tem quatro anos de serviço e exerce as suas funções numa instituição particular de solidariedade social (IPSS), sita na parte central de Gaia. Esta instituição constitui-se por três valências :creche, jardim de infância e ATL. O jardim é constituído por quatro salas e tem ao todo uma média de noventa crianças. Cada sala tem uma educadora uma auxiliar da acção educativa havendo uma auxiliar de limpeza para as quatro salas e respectivas casa de banho (com água quente). Fazem parte das instalações um polivalente com capacidade para quatrocentas pessoas. Tem

um recreio ao ar livre com aparelhos lúdicos e um outro espaço acimentado à volta de um lago muito bonito. As crianças estão divididas em grupos segundo a idade. A educadora E trabalha com as crianças de três anos.