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PROPOSTA DE TRABALHO E SUAS "LINGUAGENS"

Capítulo 3 Proposta de Trabalho e suas "Linguagens"

3.3 Instrumentos de Pesquisa

3.3.1 Observação participante

Como referimos, uma das técnicas por nós utilizadas foi a observação participante, utilizada não como técnica principal mas como instrumento auxiliar.

O facto de podermos partilhar os contextos em que as nossas entrevistadas trabalhavam permitiu-nos mergulhar em áreas propostas pelo modelo conhecido por Janela de Johari16: modelo que "representa o grau de

lucidez nas relações interpessoais" (Carmo e Ferreira, 1998, p.110) e que segundo estes autores é passível de ser adaptado à interacção entre um individuo e um grupo. O nosso mergulho incidiu nomeadamente na "área secreta" que consiste em elementos que o ego conhece sem os partilhar com o outro, e na "área livre" que diz respeito aos elementos que integram a informação conhecida quer por um quer por outro.

Esta técnica permitiu-nos recolher algumas notas de campo que se tornaram pertinentes como muleta de interpretação de algumas situações, contribuindo para a validação na tradução da realidade em que foram produzidas para o campo teórico que suportou o nosso trabalho.

À tradução está implícito "um tradutor que seja capaz de, ao assimilar elementos estranhos, desenvolver o seu próprio sistema linguístico" (ibidem). Para que isto seja possível é necessário estabelecer-se um diálogo

16 Modelo proposto por Luft e Hingham (1955), e que classifica os elementos que influem nas

relações interpessoais em quatro áreas: "área livre, área cega, área secreta, área inconsciente" (in Carmo e Ferreira, 1998)

assente na intersubjectividade que envolve não "apenas conversação do intérprete (...) (com o objecto interpretado), mas também do intérprete consigo próprio e com a sua interpretação" (ibidem).

3.3.2 Análise documental

A análise documental que sentimos necessidade de fazer para a construção do nosso pretexto tinha como objectivo recolher informação sobre um passado histórico da educação de infância, para melhor compreendermos a situação actual.

Recorremos a bibliografia e a alguns documentos oficiais que satisfizessem a curiosidade e nos preparassem para uma melhor compreensão da emergência dos jardins de infância e da causa que servem.

Esta pesquisa suportou-se na "indexação, que permite, por classificação em palavras-chave, (...), classificar os elementos de informação dos documentos (de análise), de maneira muito restrita" (Bardin, 1977, p. 46) A indexação foi regulada segundo a escolha feita de expressões e ideias adaptadas ao sistema e ao objectivo da documentação em causa.

As expressões são o conjunto de designações dada aos jardins de infância e à educação de infância, ao longo do tempo de acordo com o momento sócio-histórico, sócio-político e sócio-cultural. Do mesmo modo se procedeu relativamente às ideias em torno das finalidades da educação de infância.

3.3.3 Entrevista

A entrevista foi sem dúvida a nossa principal técnica de recolha de dados. Tendo em conta os nosso pressupostos, a entrevista que usámos não poderia ser algo estruturado com um guião pré-definido, mas sim uma entrevista semi- estruturada concordante com a tentativa de conhecer as intenções, as percepções e as interpretações que as educadoras fazem das

suas rotinas - sobretudo o sentido que dão às suas práticas - e descobrir os efeitos das mesmas para a aprendizagem do "ofício de aluno" Naturalmente que possuíamos um referencial de perguntas a ser usado no desenrolar da conversa, à medida da oportunidade, permitindo a fluidez do discurso da entrevistada, logo sem qualquer tipo de ordem.

Assim usámos a entrevista em profundidade que, segundo Olabuenaga (1989, p. 123), "implica sempre um processo de comunicação no transcurso do qual ambos os actores, entrevistador e entrevistado, podem influir-se mutuamente, tanto consciente como inconscientemente". Nesta entrevista, acrescenta o mesmo autor que "o investigador procura encontrar o que é importante e significativo na mente dos informantes; seus significados, perspectivas e interpretações, modo como eles vêem, classificam e experimentam seu próprio mundo" (ibidem). Foi esta busca que tentámos fazer partindo de uma pergunta aberta, ampla e explícita.

Imagina que necessitas de transmitir a um pai ansioso como se passa um dia no jardim de infância, o que dirias? Esta pergunta e outras que tínhamos de memória foram fruto de uma sólida reflexão prévia que tinha como pano de fundo um referencial teórico e a nossa experiência enquanto educadora. Estas dimensões foram um contributo constante em toda a reflexão necessária à tradução deste trabalho, que tem de ser feita numa linguagem que não é só nossa ,"mas que realize também um entendimento entre linguagens diferentes" (Correia, 1998, p. 187).

A partir da pergunta inicial, o discurso fluiu e nós íamos repescando naturalmente a descrição feita em torno das situações, num interesse cada vez maior por significados, interpretações, sentimentos, de forma a que o diálogo travado deixasse tomar "o entrevistado como um sujeito apaixonado, partidista e comprometido, incapaz de manter a objectividade e a neutralidade descritiva" (Olabuenaga, 1989, p. 129), o que levou tantas vezes as entrevistadas a recorrer a exemplos: - "olha ainda hoje (...)", "por exemplo (...)" -. Deste ponto de vista a entrevista de profundidade é uma

técnica de descobrimento à posteriori em substituição da observação directa que convive simultaneamente com o fenómeno que estuda" (ibidem).

Segundo Vermersch (1989, p. 126), este tipo de informação dada pelos sujeitos que falam a propósito do que fizeram ou vão fazer em vez de o descreverem, obtém-se pela "'entrevista de explicitação' que visa verbalizar a acção", não procurando a imediatez da inteligibilidade usando as questões começadas por "porquê" mas "canalizando a verbalização para a acção vivida" (ibidem, p. 71). Isto faz-se através de uma tomada de consciência provocada por elementos que o próprio sujeito não conhece ou pensa não conhecer, pois "somos naturalmente não conscientes de muitas coisas que fazemos de modo adaptado" (ibidem). Ao tentarmos que as educadoras explicitassem as práticas, partindo de questões em torno do "como fazem o que dizem" e "com que finalidade o fazem" ,a intenção era a de devolver à consciência algo que por falta de reflexão se pensa não saber ou não conhecer. Em momentos como estes era normal acontecerem longos suspiros, acompanhados de um arregalar de olhos e um meio sorriso para de imediato dizerem:

"Nunca pensei nisso"; "Não sei que te dizer a esse respeito (...) Talvez porque sempre vi fazer assim"; "nunca me questionei sobre isso".

Todavia acabavam por dar uma resposta na qual encontravam um novo sentido:

"Realmente pensando bem (...)"; " De facto eu já devia (...) mas tenho andado a adiar (...) ".

Segundo Vermersch (1996), em todas as acções há uma parte do conhecimento, do pensamento privado, que não é formalizado. É nestes saberes práticos que se vão situar as fontes dos erros repetidos ou a causa de uma menor performance por parte tanto dos alunos como dos profissionais" (ibidem, p. 75) Foi a estes saberes práticos que recorremos

para desocultar esses "erros" ou a "causa de menor performance" que são as pedras basilares para a construção do nosso objecto de estudo.