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O JARDIM DE INFÂNCIA "UM PARADIGMA PERDIDO"

Capítulo 4 O jardim de infância "Um paradigma perdido"

4.6 Educação da infância versus educação pré-escolar

A diversidade de conceitos que referimos anteriormente refere-se a contextos que estão ao serviço da educação de infância, ou da educação pré-escolar, como hoje é mais conhecida. Daqueles contextos desde sempre ficaram excluídas as crianças dos zero aos três anos. Pela mesma lógica se excluiu esta faixa etária da educação pré-escolar e da educação da infância, embora em sua análise as mesmas expressões, na sua abrangência, incluam crianças dos zero aos seis anos. Uma análise atenta permite-nos acrescentar que "educação de infância" é entre as duas expressões aquela que contém em seus contornos uma maior abrangência. Do ponto de vista da psicologia genética este termo pode bem prolongar-se no tempo e abranger as crianças até aos doze anos, idade a partir da qual terá início a adolescência caracterizada pela capacidade de reflexão. Na expressão "educação pré-escolar" está implícita toda a educação realizada antes da entrada para a escola. Por seu turno o conceito de educação, comum às duas expressões, começa com o indivíduo. "A educação do homem começa ao nascer. Antes de fallar e ouvir, já se instrue" (Rousseau, in Freitas, 1882, p. 6). Justifica-se que de uma "forma didáctica precisamos de saber que a

criança quando chega à educação pré-escolar tem três anos de história pessoal" (Fonseca, 2000, p. 28), e que "todo o trabalho educativo deve referir-se às disposições primitivas" (Rousseau, in Freitas, 1882, p. 6). Na opinião dos grandes pedagogos, comum ao discurso das nossas entrevistadas, e todos eles "filhos de Rousseau", o grande ponto de partida para o desenvolvimento do potencial de aprendizagem das crianças dos três aos seis anos é a sua história pessoal: o que ela é, o que sabe, o que lhe interessa, o que precisa .... Tomar como ponto de partida a história evolutiva, que no fundo já teve na sua vida intra-uterina um desenvolvimento extremamente importante. Podemos pois considerar a educação de infância/educação pré-escolar como todo o ' desenvolvimento conseguido desde os nove meses de vida intra-uterina até à sua entrada para a escola. "A criança em termos históricos tem de aprender primeiro reflexos na "barriga da mãe" (ventre biológico), posturas, praxias e emoções na "barriga da família" (ventre psico-afectivp), e só depois aprende símbolos na "barriga da sociedade" (ventre socio-cultural), porque a pré-estrutura de seu cérebro assim o determina" (Fonseca, 2000, p. 28). Aos "oito ou nove anos, quando a criança já tem uma maturação neurológica menos flexível e uma estrutura mais complexa de resistências emocionais" (ibidem, p.22), esta verdade faz da educação da infância um campo cuja transversalidade ultrapassa a idade de entrada para a escola. Já a expressão de "educação pré-escolar", não. Esta fica à porta da escola,

Mas o projecto da infância não tem que ficar à porta da escola; "dos reflexos à reflexão é uma década de intervenção intencional dos adultos sobre a criança" (ibidem). Nesta linha de pensamento, é importante dar de novo a vez à voz de Agostinho Ribeiro para dizer que "o educador de infância não tem que olhar para a porta de entrada da escola do 1o ciclo; o

professor do 1o ciclo é que tem que olhar a porta de saída do jardim de

infância" (1996). A ideia da transversalidade e da abrangência da expressão "educação de infância" permite-nos dizer, ainda que hipoteticamente, ter sido esse o motivo pelo qual essa expressão foi retirada do léxico educativo da

maioria dos discursos, particularmente dos oficiais. Em seu lugar surgiram outras expressões, que só na aparência têm o mesmo significado. Numa base de suspeição somos levados a dizer que estas expressões, ao serem usadas, não o são de uma forma inocente e desprovidas de intencionalidade político-educativa; ou então, de um ponto de vista mais generoso, são apenas o reflexo de uma sociedade escolarizada que, "como afirmou Perrenoud (1984), são incapazes de pensar a educação de outra maneira que não seja a partir do paradigma escolar" (in Canário, 1999, p. 97).

Estas contradições levam-nos a pensar que a intenção é apenas a de reduzir a educação de infância à educação "que não conta ou que conta menos" (Lima, 1996, p. 55), ao mesmo tempo que se faz uso dela como primeira etapa da "educação contábil"31 (ibidem). Todavia à educação da

infância não se pode e/ou não se deve pedir "objectivos precisos" que a possam tornar "contável" "através da acção de instâncias de contadoria e dos respectivos agentes e processos contadores" (ibidem) respeitando a sua especificidade centrada em processos diversificados com "resultados mais difíceis de contabilizar" (ibidem).

Como educação que "conta pouco", só se lhe tem dado atenção quando não há mais nada de importante para fazer, quando a isso se tem sido obrigado por pressões quer nacionais quer internacionais, ou por necessidade de a usar como uma "bandeira" nas campanhas políticas.

Como educação que "conta pouco", continua a estar à mercê das representações que, "engendradas pelas relações e pelo modo de produção" "(Léfèbvre,1980 in Penteado, 1998, p. 135) e postas ao serviço de ambos, se elaboram em ideologia cega à sua especificidade. Esta especificidade, também representação, vinda de longe, de anteriores sociedades, com o passar do tempo foi sendo modificada, desprendendo-se do seu arquétipo, adquirindo novas definições e finalidades passando a "servir para dissimular,

O paradigma da educação contábil é um trabalho apresentado por Lima, L. (1996) no âmbito das Políticas educativas e perspectivas gerencialistas no ensino superior em Portugal. Por nós utilizado e recontextualizado no âmbito da educação de infância.

simulando outra coisa" (ibidem). É portanto no seio das representações que se vão mantendo as tendências que vão deslocando a educação da infância de um para outro paradigma, mantendo a tensão paradigmática que a tem acompanhado ao longo da sua história de forma mais ou menos sentida.

Presentemente, uma vez integrada na "educação contábil", como 1a

etapa da educação básica, a educação de infância está mais do que exposta ao "vírus da escolarização", transformando-se num palco potencializador do binómio escolarização/alunização.

Foi esta preocupação que nos levou a fazer este trabalho de investigação através do qual seja possível compreender quais os resultados desta tensão paradigmática ancestral, que parece ter ganho novo fôlego no actual enquadramento politico-educativo, nas práticas do quotidiano do jardim de infância, e de que modo a acção educativa aí levada a cabo é

potencializadora da emergência do "ofício de aluno" (Perrenoud, 1995 ). Isto é, como , quando e se acontece a metamorfose do "oficio da criança" em "ofício de aluno". Será o jardim de infância o vestiário onde as crianças trocam a sua bata da diversidade pelo fato uniforme do "ofício de aluno"?

Estes dois "ofícios" apresentam uma fragilidade nas fronteiras que os separam, dado às semelhanças que apresentam. Estas encontram-se na maneira de conseguir os meios de subsistência através da "adequação às expectativas dos adultos" retirando daí os frutos para o seu reconhecimento e valorização constituintes da sua identidade pessoal, e nas suas características sui génères: "- É menos livremente escolhido (...)"; depende fatalmente de terceiros (...)"; exerce-se sob o olhar e o controlo de terceiros (...)" e está constantemente sujeito ao princípio da avaliação (Perrenoud, 1995, p. 16), Encontra-se contudo uma barreira emergente do trabalho escolar que confere a idiossincrasia ao "ofício de aluno" particularmente, ao pôr em causa o sentido desse trabalho. Para ser possível espreitar a emergência desse "ofício" terão de se usar portas de entrada como: "as relações entre a família e a escola, as novas pedagogias, a natureza das

actividades na sala de aula, o currículo real, escondido ou implícito (...) "(ibidem, p. 20).

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