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Da descrição à interpretação: A análise de conteúdo

PROPOSTA DE TRABALHO E SUAS "LINGUAGENS"

Capítulo 3 Proposta de Trabalho e suas "Linguagens"

3.4 Da descrição à interpretação: A análise de conteúdo

A descrição e a interpretação são fronteiras entre as quais se percorre um longo caminho que não é de forma alguma sequencial. A análise de conteúdo "não é outra coisa que uma técnica para 1er e interpretar o conteúdo de toda a classe de documentos e mais concretamente (...) dos documentos escritos" (Olabuenaga e Ispuzua 1989, p. 182); "como qualquer outra análise qualitativa procede de forma cíclica e circular, e não de forma sequencial ou linear" (ibidem, p. 191) Isto pressupõe a possibilidade e conveniência em se manter uma dinâmica de vaivém entre as diferentes fases e a teoria que informa a tomada de decisões que vão aclarando e simplificando os resultados do processo. Conhecimento que para nós trouxe alguma tranquilidade visto que não o conseguimos fazer sequencialmente nem independente de teorias de referência e muito menos de uma só vez.

Quando falamos em simplificação, referimo-nos à construção de categorias que, uma vez acabada, dará lugar a que de novo a informação se amplie pela tradução, através de uma linguagem mestiça que dará corpo à redacção. A apresentação a posteriori dos passos levados a cabo na análise de conteúdo que realizamos é um indicador do caminho de um trabalho já conseguido e daquele imenso trabalho, simultaneamente angustiante e prazeroso, que está por realizar e que se concretiza na tradução da realidade em que foram produzidos os factos para o campo teórico que suportou o nosso trabalho, diluindo-se nele.

Apesar da aparente flexibilidade, a instrumentalização da análise de conteúdo obriga a um acordo com normas metodológicas explícitas - como, a formulação a priori de hipóteses, constituição de um corpus, categorização, definição de unidades de análise e interpretação - que lhe

conferem "um 'rigor metodológico' que se confunde com uma 'rigidez técnica' que tem uma eficácia explicativa extremamente reduzida"17.

Por sua vez a categorização, segundo Bardin (1977, p. 120), suporta critérios de exclusão mútua; homogeneidade: pertinência, objectividade e fidelidade, produtividade, aos quais Carmo e Ferreira (1998, p. 255) acrescentam a exaustão. No seu conjunto estas normas metodológicas que assistem à análise de conteúdo norteiam todo o percurso ao longo de cada uma das etapas. Esta metodologia, se por um lado assegura uma grande reprodutividadé da técnica e também os resultados brutos fiáveis, por outro lado reduz a sua eficácia explicativa18. Esta questão da "rigidez técnica"

acabou por nos tocar à porta aquando da nossa análise de conteúdo na fase de categorização, tendo em conta a sujeição desta aos critérios já anunciados, nomeadamente à exclusividade, de que adiante trataremos.

Todavia este rigor tem um papel securizante para o analista que, como nós, se encontra na proximidade dos entrevistados, a qual é necessário manter sob vigilância, evitando intuições espontâneas. A segurança é então restabelecida pela necessidade de respeitar e cumprir as etapas formalizadas e a especificidade de cada uma delas que os critérios lhe conferem.

3.4.1 Procedimento da análise

Após a leitura flutuante feita às entrevista transcritas, muitas outras leituras se seguiram, umas após outras, intercaladas por pausas. Para proceder à redução dos dados, a técnica utilizada foi ler, voltar a ler, reflectir, tirar algumas notas, deixar ficar, afastarmo-nos mas sempre remoendo aquelas notas até se conseguir encontrar o caminho. Deste processo, que incidiu sobre o corpus constituído por cinco entrevistas que pensamos preencher os requisitos subjacentes às regras, e que Bardin (1977, p. 96)

Correia , comunicação oral, no seminário sobre "Metodologias de Investigação", FPCEUP Ibidem

define como o "conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos aos processos analíticos" e cuja selecção obedece a regras de exaustividade; representatividade; homogeneidade e de pertinência, foram emergindo os temas chave e ideias. Foi um processo lento e difícil, para o qual foi necessário muitas vezes dormir com o assunto. Este dizer não é de forma nenhuma metafórico mas sim a realidade de quem está envolvido neste processo. Entre o dormir com o assunto e o relativo distanciamento dele, fica o lugar da criatividade e do nascimento dos temas e ideias. Foi nesse lugar que capturámos ideias que no transcurso da análise se conservaram e deram origem à maioria dos nossos títulos e subtítulos, como por exemplo "O jardim de infância como lugar de encontro", e "O jardim de infância como lugar de oportunidade" Estes dois temas escondiam-se em frases que as educadoras nas suas entrevistas iam repetindo, embrulhados na enxurrada de opiniões, de convicções de percepções, de exemplificações que compunham a comunicação:

"(...) bom aqui as crianças sempre têm oportunidade de fazer experiências (...)" ou (...) é no jardim eles encontram crianças como eles para brincar... e até para bater, vá lá digamos medir forças, um espaço (...) feito para eles".

A dificuldade da tarefa reside na busca do equilíbrio entre o afastamento e o envolvimento e o saber cuidar19, no sentido de preocupar-

se, para que emergissem não só as temáticas mas algumas categorias que foram induzidas deste fazer que se situa entre um trabalho árduo e o prazer encontrado na criatividade e na curiosidade que também é preciso ter. Do trabalho árduo fazem parte os problemas ligados com a articulação a um referencial teórico que numa busca constante se ampliava como consequência da dialéctica entre este e as categorias deduzidas e emergentes. Podemos dizer que o nosso trabalho foi acompanhado por um referencial teórico que evoluiu pela necessidade de interpretação e de

19

"No espanhol antigo, cuidar era preocupar-se, curare". O cuidado , acção de quem cuida, vem da raiz latina, cura, donde deriva curiosidade, curare palavra "(para a qual Heidegger chamou recentemente a atenção)" (Gasset, 1966, p. 95).

tradução. Assim este referencial foi construído, antes depois e durante o processo. Foi tão necessário à simplificação como à fase de ampliação e respectiva tradução, ou seja no transporte dos factos da realidade onde foram produzidos para o campo teórico.

3.4.2 Definição das unidades

Em nossa opinião esta etapa representa bem a circularidade inerente à análise de conteúdo, e que nesta fase se acentuou particularmente, ora antecedendo a categorização, ora sucedendo-lhe. Seja como for, torna-se necessário destacar as unidades de classificação e reintegrá-las na grelha elaborada segundo categorias definidas ou a definir. Como unidades de classificação utilizamos o "tema", por nos parecer mais adaptado ao nosso estudo. Segundo Bardin (1977, p. 106)" o tema é geralmente utilizado como uma unidade de registo para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores ,de crenças, de tendências, etc". Para d'Unrug (1974) o tema" é uma unidade de significação complexa, de comprimento variável (...) podem constituir um tema tanto uma afirmação como uma alusão ( enfim qualquer fragmento pode reenviar para diversos temas" (ibidem, p.55). Foi esta particularidade dos temas que nos levou a optar pela sua adopção. O discurso foi fragmentado, em função das categorias, em "núcleos de sentido" (ibidem p. 105) que integraram elementos enunciados afirmativos, constituindo "unidades temáticas intencionais"20. Este foi mais um motivo

que nos manteve numa constante "serendipidade" teórica, necessária não só à produção da análise, mas também ao trabalho de produção a realizar.

3.4.3 Processo de categorização

A categorização é o ponto crucial da análise de conteúdo, ela "é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e seguidamente, por agrupamento segundo o género"

(Bardin,1977, p. 117), constituindo-se em categorias. Este é o grande momento de decisão, pois pode pôr em causa a validade do trabalho. Pela sua importância impõe-se às categorias a atribuição de características que à partida asseguram a validade e a fidelidade do trabalho realizado. De acordo com alguns autores as características são: a exclusão, pela qual o mesmo elemento deve pertencer a uma e não a várias categorias; a exaustão, que conduz à inclusão de todo o conteúdo classificável; a objectividade que obriga à explicitação sem ambiguidades, das diferentes partes do mesmo material em categorias claras passíveis da mesma classificação feita em várias análises; a pertinência, pela qual a categoria deve manter relação com os objectivos e com o conteúdo a classificar; a produtividade, quando fornece resultados férteis.

Pesa-nos, no entanto, o facto de as características terem posto em causa a exclusividade, uma vez que as unidades de significação estão incluídas em mais do que uma categoria. Ou pior ainda, duas subcategorias pertencem de igual modo a duas categorias diferentes. Esta idiossincrasia das categorias tem a ver com um duplo sentido que, delas se pode retirar, logo só na aparência é que se podem confundir. Elas são como que o reflexo do "espelho" uma vez que incluídas noutra categoria a sua análise é feita pelas lentes de um currículo oculto que lhes retira um sentido diferente. A não possibilidade de operacionalização deste lado oculto, empobrecendo a análise, naturalmente que punha em risco a produtividade dos resultados. Tivemos então de tomar uma decisão para continuar o nosso caminho. Decidimos pela tolerância relativamente à exclusividade depois de nos assegurarmos da existência do duplo sentido e percebermos a sua isenção face à eventual sinonímia.

As categorias construídas, que de seguida apresentaremos, são nove no seu iodo, sendo que a duas delas estão subjacentes subcategorias. Esta construção resultou de processos diferentes: a indução, processo pelo qual as categorias emergem do próprio texto; e a dedução, pela qual as

caracterizas pré- existem informadas por um referencial teórico, o que não é garantia da sua perenidade.