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COMO LUGAR DE OPORTUNIDADES

Capítulo 7 O Jardim de infância como lugar de oportunidades

7.1.1 Libertação/prisão

Como sugerimos, muitas das acções levadas a cabo no jardim de

"O acto de circular enquanto se conversa" tem a sua origem no verbo 'peripateo' palavra grega donde igualmente deriva o peripatetismo, "tremo porque se designa a filosofia de Aristóteles, (...),ficou ligado ao facto de o filósofo Ter por hábito explanar as suas lições passeando com os discípulos no perípato, passeio coberto que existia na casa onde fundou o 'liceu'. (Matos, 1999, p. 104-105) Num movimento peripatético que contém a ideia de andar à volta.

infância, resultam no seu contrário tendo em conta o objectivo a atingir. Centrando-nos no jardim de infância como um lugar de libertação da criança no qual esta tem garantida a sua liberdade de acção e de escolha segundo as suas necessidades e interesses, verificamos que não raras vezes aquele se transforma, em nome da ordem, da autonomia e do bem estar das crianças, num lugar que, pelo seu sistemático arranjo, se transformou numa prisão de regras explícitas às quais as crianças devem obedecer na consecução de um padrão de comportamento infantil (Chamboredon e Prévôt, 1982, p.57), bem como de espaços com fronteiras explícitas, demarcadas, inibindo o movimento das crianças nas diferentes situações: "os meninos da casinha, brincam na casinha, não têm nada que sair de lá e invadir outro espaço, (...) e não misturar os materiais" (ed. C). Esta é uma prática muito comum, visível no comportamento das crianças que estão sujeitas a regras espaciais. Caso contrário também não fariam sentido as regras limitadoras do número de crianças para os referidos espaços. Este tipo de regras mais próprias de pedagogias visíveis que das invisíveis, "cria espaços e relações entre eles, os quais contêm um conjunto específico de mensagens simbólicas, ilustrando todas elas o principio de que 'é preciso manter as coisas separadas'" (Domingos, e ali, 1975, p. 198) e bem "arrumadas cada uma no seu lugar" (ed. A/B/C/D/E) apelando à ordem e à arrumação, numa visão adultocêntrica. É necessário pois não perder de vista que, para as pedagogias invisíveis, "o espaço tem uma significação simbólica diferente: 'é preciso juntar as coisas'" (ibidem). Isto traduz-se na fragilidade da classificação dos espaços, abertos, e do controlo do número de crianças bem como dos objectos. Este paradoxo - libertação/prisão - é claramente ilustrado pela educadora B, enquanto figuras constitutivas de uma preocupação sentida por ela, através do comportamento de um grupo de crianças que vinha observando já há um tempo e para o qual não encontrava resposta: "( ) há um grupo de crianças (5 anos) que não querem estará trabalharem nenhum canto elaborado da sala (...) juntam-se ali onde faço o acolhimento (....), não há lá nada e ali estão uns com os outros. Às

vezes vão buscar umas coisitas aos outros cantos (...) e, se lhes pergunto o que estão a fazer, dizem que estão na "brin-ca-dei-ra". É ali naquele espaço, livre de regras, que podem ser inventadas e reinventadas no transcurso da brincadeira que as crianças exercem o seu "ofício de criança" renunciando ao "ofício de aluno". .Este é o espaço no qual os materiais se transformam, acompanhando o seu imaginário, chafurdando em ideias e material, e fugindo ao controlo social do espaço e da acção não raras vezes a exigir um produto final, visto que, ao optar por um dos outros cantos, fica obrigado ao cumprimento de um "fazer" limitado por regras e pelo uso "correcto" dos materiais que aí se encontram. Estes materiais devem, segundo o processo de socialização pela ordem, ser bem arrumados. É ali naquele espaço que as crianças revelam a sua oposição à norma, não estando dispostos a "«jogar o jogo», a exercer um ofício de aluno revelador de conformismo" (Sirota, 1993, p. 89). É um lugar que as crianças construíram para poderem organizar brincadeiras turbulentas e desordenadas, que segundo estudos orientados por Jones, Smith e Connolly, são um jogo que surgem à medida que as crianças se vão tornando cada mais hábeis no movimento e na comunicação, e que "tem mais probabilidade de ocorrer ao ar livre e surge com maior espontaneidade depois de as crianças terem acabado de sair de uma aula ou terem terminado tarefas impostas" (Garvey, 1992, p. 60)

Esta pequena peripécia deste grupo de crianças põe em causa um processo pelo qual o espaço educativo enfatizador da relacionalidade - "um espaço 'natural', auto-organizado e multifuncional que recria de certo modo o espaço doméstico onde coabitam várias pessoas com tarefas diferentes e simultâneas" (Barroso, 1995, p. 72), se oblitera dando lugar a um espaço escolar enfatizador da funcionalidade que acaba por conferir aos espaços o aspecto de um "caos organizado", "hetero-organizado", (ibidem), potencializador de uma "socialização pela ordem" (ibidem, p. 84) e no qual não é permitido ou muito bem aceite "andarem para aí, nem sabem o que estão a fazer sem fazer nada" (ed. B), ou simplesmente "andar à toa" no sentir da educadora A.

Retomando o arranjo sistemático do contexto na base do paradoxo anunciado, vérifica-se que, quando observamos as salas dos jardins de infância, os materiais ai existentes, na mesma lógica de "arranjo", se vão tornando cada vez mais artificiais, ao mesmo tempo que se retiram outros de origem natural, como a água, a areia, a terra, e até mesmo o barro para não falar dos animais e plantas, em vias de extinção da vida do quotidiano da educação de infância, e que tanto são do agrado das crianças. Na base desta esterilização do "nicho" estão preocupações ligadas ao receio que as crianças não se sujem, não se molhem, não se magoem. Em suma, tudo é feito em nome do bem das crianças, atendendo às recomendações familiares, que já agora vão pedindo "para que não corram muito porque se transpirarem constipam-se" (ed. D).