• Nenhum resultado encontrado

O JARDIM DE INFÂNCIA COMO LUGAR DE ENCONTRO

Capítulo 6 O jardim de infância como lugar de encontro

6.1 Modelo de organização do espaço-sala

6.1.1 O jardim de infância como estereótipo

"O estereotipo tal como a ideologia, é um esforço de contenção da fluidez, da indeterminação, da incerteza da linguagem e do social: "o estereotipo é a palavra repetida, fora de toda a magia, de todo o entusiasmo... e (...) a forma canónica, coercitiva do significado" (Barthes: 1977 a, in Silva 2000, p. 51).

De um certo ponto de vista o jardim de infância, ou melhor, as suas salas podem ser consideradas como uma forma de representação estereotipada. Enquanto estereótipo, o jardim de infância é representado numa forma especial de condensação para a qual concorrem processos de "simplificação", de "generalização" e de "homogeneização". É assim que o espaço-sala do jardim de infância é apresentado e representado pelas educadoras. As salas obedecem a uma matriz organizacional que as torna fisicamente semelhantes. Estão organizadas em cantos: sendo os principais; canto da casinha das bonecas, da garagem, das construções, da biblioteca, dos jogos e das expressões. Esta organização, aproxima-se do modelo criado a partir da teoria de Piaget, que foi apresentado em 1971 por Weikart e outros e reestruturado mais tarde por Hoffmann, Banet e Weikart (1995). Estes autores desenvolveram um modelo curricular de organização e distribuição espacial para a educação pré-escolar, obedecendo às seguintes

áreas: área da casa, área de blocos, área da expressão plástica, área de actividades repousantes, área central - embora outras áreas possam ser incluídas e situadas no exterior, tais como: área da música, área da construção, área da areia, etc. Cada uma das áreas tem um inventário imenso de materiais e instrumentos que facilitam, proporcionam, provocam actividades que respondem às necessidades dominantes das crianças: imitação, construção, exploração, fantasia, aventura, comunicação, socialização, agressividade.(Zabalza, 1987, p. 148-158).

Apesar da aproximação a este modelo, que no seu desenho tem como pano de fundo a teoria de Piaget, constata-se em primeiro lugar a "generalização" do modelo de organização em cantos, comum às salas dos jardins de infância que fazem parte da nossa amostra; e em segundo lugar a simultânea "homogeneização" e "simplificação" dos mesmos cantos, isto é, em todos os casos existem os principais "cantos" já referenciados. Raramente surgem ao longo do ano novos cantos e, se surgem, estes não são tão bem apetrechados quanto a necessidade e o desejo.

Ao debruçarmo-nos um pouco na análise de alguns modelos de organização de espaço-sala - tais como o modelo de Fabboni (1984), que defende uma organização em oito centros de interesse; o modelo das autoras Alliprandi (1984), operacionalizado através de nove ângulos necessários ao desenho curricular do espaço do jardim de infância; e finalmente o modelo de Weikart e outros (1985) (in Zabalza, 1987, p. 135- 155), com o qual mais identificamos a organização das salas em observação - fica-nos a impressão de que os processos de "simplificação", "generalização" e "homogeneização" têm contribuído para o empobrecimento da" riqueza" preconizada no arranjo do nicho pedagógico, ao mesmo tempo que este se torna cada vez mais artificial e cada vez mais centralizado no espaço-sala. Por alguma razão Agostinho Ribeiro (1994) chama a atenção de educadores e professores para a necessidade de "pôr o funil ao contrário" (in Jornadas Pedagógicas S.P.N.). Esta expressão significa alargar o leque de capacidades/competências a desenvolver nas

crianças - o que implica alargar o leque de oportunidades e experiências que podem acontecer para além das salas noutros espaços também eles potenciais lugares educativos. O que inclui, à partida, grande variedade de materiais retirado do quotidiano; caixas, Caixotes, tubos, latas, cordas...todo um conjunto de materiais recicláveis que vão caindo em desuso à medida que vai aumentando o "mercado didáctico" que se desenvolve em torno do sistema educativo.

Seja qual for o léxico usado na descrição da organização espacial - centros de interesse, ângulos, áreas, cantos...esta terá sempre um carácter mais ou menos artificial, no entendimento do "artificial" como "coisa feita pelo ser humano (...) coisas falsas, falsificadas" (Silva, 2000, p. 29), algo que "encanta, fascina e agrada" (ibidem:80). Algo que será o pano de fundo de um conjunto de actividades e experiências a realizar no âmbito da educação pré-escolar. A este pano de fundo, ainda que a grosso modo, conferimo-lhes a categoria de currículo formal na nossa análise de conteúdo. A nossa intencionalidade é a de sublinharmos que é "ali" que fica "refigurado" grande parte do projecto educativo que as educadoras desenvolverão juntamente com todos os intervenientes do processo educativo. É "ali" que se responde, em primeira mão, às necessidades das crianças.

A concepção de um espaço dentro de um determinado modelo não raras vezes baliza todo um trabalho a desenvolver, ao mesmo tempo que potencializa um currículo real e um currículo oculto muitas vezes inconsciente. É na mestiçagem destes três currículos que a vida do jardim de infância acontece. É também nesta complexidade que aquela se torna mais subjectiva, menos estandardizada, na medida em que cada sala apresenta a sua identidade, o seu ritmo, que no conjunto lhe conferem um estilo próprio.

Recorrendo a Bruce, (1991, p. 8-28), pode afirmar-se que no desenho curricular da educação pré-escolar é necessário ter em conta a presença de três dimensões imprescindíveis, que aquela autora designa como os três Cs do currículo da educação de infância: a Criança, o Contexto e o Conteúdo.

"Ferramentas analíticas usualmente utilizadas para nos ajudar a encontrar um currículo holístico" (ibidem, p. 9), fundamentado em princípios que enfatizam a importância de se considerar a criança no seu todo: saúde física e mental, bem como sentimentos e pensamentos e ainda os aspectos espirituais (ibidem, p. 7). É nesta visão holística do currículo que fazem sentido as afirmações das nossas entrevistadas em torno da necessidade de saber o mais possível acerca da criança: como vivem, como aprendem e como se desenvolvem. É com esta finalidade, dizem elas, que na "rotina" do acolhimento conversam com as crianças, tentando conhecê-las melhor. É também com a mesma preocupação que as observam nas suas brincadeiras. É aqui que "as crianças nos dão sinais fortes e mensagens sobre aquilo que eles necessitam agora e necessitam a seguir", afirma Bruce, (ibidem, p. 11). É no saber desocultar, compreender e pegar nestes sinais e mensagens que se joga a trajectória do projecto traçado no jardim de infância: os avanços, os recuos, a mudança de rota (o deixar e o retomar). Toda uma dinâmica gerada no contexto do cenário educativo que, como dissemos, inclui pessoas e culturas diferentes, ambiente físico e material, cenários fora e dentro da sala, lugares e acontecimentos. Tudo isto é crucial para facilitar ou constranger o desenvolvimento e a aprendizagem, ou seja a educação.