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Nos séculos XVII e XVIII começa a ganhar forma um movimento de mudança de perspectiva em relação aos seres. Keith Thomas (1988, p. 183) denomina esse período como o “início da compaixão”, no qual há uma piedade religiosa e mais sensibilidade da burguesia, há novas e efetivas campanhas contra as diversões tradicionais com animais e contra os maus- tratos (THOMAS, 1988, p. 189). O entendimento que passa a dominar na Europa, no século XVII, é de que a natureza é para a glória divina. Deus se preocupava com o bem-estar das plantas e animais tanto quanto com o dos seres humanos (THOMAS, 1988, p. 198). Assim, as crueldades desnecessárias deveriam ser banidas e o homem deveria cuidar da criação divina (THOMAS, 1988, p. 215).

Esse movimento foi reforçado pela dissolução da velha tese de que o mundo existiria exclusivamente para a humanidade (THOMAS, 1988, p. 215). Com os avanços da astronomia, da descoberta de infinitas galáxias, planetas e sóis, ficava cada vez mais difícil defender que toda a criação deveria existir apenas para o uso exclusivo do homem (THOMAS, 1988, p. 199).

A ilusão antropocêntrica começa, então, a ser destruída com astrônomos, pois havia uma infinidade de planetas, com possibilidade de formas de vida não conhecidas; botânicos, e as descobertas de múltiplas espécies e plantas que se desenvolveram por milhões de anos sem a ajuda dos seres humanos e sem qualquer utilidade para esses últimos; zoólogos, dado que, com os avanços do microscópio, detectou-se que havia incontáveis animais, entre os quais se destacam as bactérias e protozoários que evoluíram e exerciam suas funções na natureza independentemente dos seres humanos; geólogos e suas constatações de que a Terra possuía milhões de anos e foi significativo o lapso temporal para que a humanidade aparecesse desde as primeiras formações rochosas (THOMAS, 1988, p. 200). Além do mais, muitas espécies extinguiam sem ser úteis ao homem, enfraquecendo a presunção de que esse seria um ser muito elevado, ao redor do qual todos os demais seres orbitavam (THOMAS, 1988, p. 200). O homem era uma parte pequena da natureza (THOMAS, 1988, p. 201).

Nesse contexto, a perspectiva antropocêntrica foi tomando outra forma. No século XVII, o domínio do ser humano já não mais era mais devido à divindade ou à excepcionalidade em relação aos outros seres, antes era devido aos interesses da própria espécie (THOMAS, 1988, p. 202). A humanidade não era mais objeto exclusivo da criação, os animais passam a ser semelhantes, irmãos, companheiros e amigos, mesmo os seres repugnantes, como ratos e répteis

possuíam valor nessa nova perspectiva (THOMAS, 1988, p. 205-206). No final do século XVII, segundo a doutrina cristã, todos os membros da criação divina deveriam ser usados com respeito. Percebe-se, assim, que a preocupação moral foi ampliada. No século XVIII as sensibilidades são ainda mais difundidas e amparadas pelos ensinamentos religioso e filosófico da época (THOMAS, 1988, p. 209).

Essa nova perspectiva antropocêntrica consolidou-se na ênfase da sensação e do sentimento, sendo que as criaturas que mais ganhavam a simpatia e benevolência dos humanos eram aquelas que comunicavam seu sofrimento em um senso de dor perceptível (THOMAS, 1988, p. 211-215).

Interessante realçar que essa possibilidade intelectual sempre esteve presente nos debates, porém só se consumou no início do século XIX (THOMAS, 1988, p. 216). Para Keith Thomas (1988, p. 216), isso se deu porque os animais se tornaram marginalizados no processo de produção. Com o desenvolvimento das cidades e com a ordem industrial, outras formas de energia passaram a ser usadas, tais como o vapor e a hidráulica (THOMAS, 1988, p. 217). Esse novo entendimento, no entanto, atingiu apenas as classes de cidadãos mais abastados, que possuíam animais de estimação e não os usavam para criação ou trabalho, como nos processos agrícolas e dos açougues (THOMAS, 1988, p. 217).

Verifica-se, portanto, que o amor aos animais é condicionado pelos interesses humanos, da mesma forma que o amor e a admiração às árvores e flores – passatempo para os mais ricos (THOMAS, 1988, p. 225-229).

Havia, também, uma divisão para os animais e as plantas. Ambos eram separados em selvagens, que deveriam ser amansados ou eliminados; domésticos, que deveriam ser explorados para fins úteis; e os de estimação, aos quais eram destinados carinho e satisfação emocional (THOMAS, 1988, p. 229).

Do mesmo modo que a floresta era selvagem e hostil, também era quem a habitava, e, para que a civilidade fosse alcançada, era necessária a destruição das florestas e consequente domesticação de quem a habitava. Assim, no século XVIII, em nome do progresso, os bosques e as florestas se transformam em áreas agricultáveis, de pastagens ou apenas clarões, para que a civilização chegasse a esses locais (THOMAS, 1988, p. 231-233).

No século XVIII, inicia-se uma mudança de perspectiva em relação à natureza (THOMAS, 1988, p. 307-309). Com a diminuição das áreas de matas, as florestas deixam de atemorizar e se tornam valiosas, transformando-se em fontes de deleite e inspiração para as pessoas (THOMAS, 1988, p. 253). As árvores passam a ser amadas pela sua utilidade – pois geram lucro – e beleza, além de significarem um vínculo com a eternidade e com o divino

(algumas remontavam ao dilúvio bíblico), a associação das árvores com o passado torna-se valiosa (THOMAS, 1988, p. 259-266).

As montanhas que antes eram consideradas bestiais e feias, começam a ser admiradas, sob o argumento de utilidade e agradável diversidade. A natureza passa, então, a ser considerada bela e benéfica, pois que possuía uma espécie de poder espiritual sobre as pessoas, além de ser um lugar de privacidade, motivo pelo qual deveria ser resguardada (THOMAS, 1988, p. 309). A natureza melhorada significava, nesta nova perspectiva, uma natureza destruída. Emergia-se, assim, a necessidade dos urbanos de voltarem às terras selvagens, para se reconciliarem e se regenerarem espiritualmente, antes que todas as áreas selvagens fossem destruídas pelo progresso (THOMAS, 1988, p. 315-318). É nesse cenário que o Direito precisa intervir, regulamentando o que sobrou do mundo natural.