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Importante ressaltar que serão analisados os fundamentos de criação dos Parques – e não de outras áreas especialmente protegidas – pois se apresentam como a mais antiga e popular categoria de unidade de conservação (MILARÉ, 2007, p. 706).

Nesse sentido, as ideias românticas do século XIX, de uma natureza selvagem como lugar de descoberta e descanso para a alma humana, do imaginário de paraíso perdido, da inocência infantil, refúgio e beleza sublimes, tiveram grande influência na criação de áreas naturais, consideradas como ilhas de grande beleza e valor estético, que conduziriam o ser humano à meditação das maravilhas da natureza, à reconciliação (DIEGUES, 2001, p. 26).

No início da revolução industrial, a vida nas cidades era sinônimo de civilidade, em oposição à rusticidade do campo (DIEGUES, 2001, p. 25). Na medida em que o ambiente fabril tornava o ar irrespirável, a vida urbana passou a ser criticada, e houve uma inversão de concepções, tendo em vista que a vida no campo passou a ser idealizada pelas classes não envolvidas na produção agrícola (DIEGUES, 2001, p. 25-26).

Nessa ordem de ideias, os Parques eram considerados a única forma de salvar frações da natureza que possuíam grande beleza dos efeitos do nocivos do desenvolvimento (DIEGUES, 2001, p. 39). Qualquer interferência humana na natureza era considerada intrinsicamente negativa, desconsiderando inúmeras formas de vida, nas quais determinados povos viveram por anos em harmonia com ela (DIEGUES, 2001, p. 39). Os Parques seriam, então, áreas naturais onde a mente humana poderia se proteger dessa devastação causada pela sociedade urbano-industrial, onde a existência passava fora do tempo e da história e o homem era feliz e livre (DIEGUES, 2001, p. 62).

Verifica-se, portanto, que a concepção de Parques nacionais oriunda dos EUA – e recepcionada no Brasil, pela Lei do SNUC – supõe que toda sociedade é urbano-industrial e desconsidera a complexidade e particularidades de outras sociedades (DIEGUES, 2001, p. 81). Quanto à questão norteadora desta pesquisa, é em face desse argumento que se pretende

apresentar uma alternativa, comprovando que há sociedades que apresentam formas de vida e relações com a natureza diversas da desenvolvida pela sociedade urbano-industrial, ou seja, pela sociedade hegemônica.

A finalidade dos Parques, como já visto, é de proteger a vida selvagem de ameaças causadas pela civilização urbano-industrial, destruidora da natureza. A ideia é que mesmo que houvesse transformações no mundo natural, consequência do progresso, algumas amostras da natureza deveriam ser preservadas em seu estado primitivo, para contemplação e proveito do próprio homem urbano-industrial (DIEGUES, 2001, p. 17).

Na medida em que se constatam resultados de desaparecimento de espécies e ecossistemas, a partir da década de 1960, inclui-se como objetivo dos Parques o de conservar a biodiversidade (DIEGUES, 2001, p. 151). O propósito, no entanto, não é o de conservar a diversidade biológica como um valor em si mesma, mas sim de assegurar a manutenção da diversidade genética, para garantir o fornecimento de alimentos e drogas futuras, em nome do progresso científico e industrial (DIEGUES, 2001, p. 151).

Esse conjunto de ideias apresentadas evidencia o caráter antropocêntrico que permeia a criação dos Parques, que possuía como objetivos beneficiar as populações urbanas e valorizar as questões estética, cultural e religiosa dos seres humanos, não considerando a natureza um valor em si, digno de ser protegido e as diversas populações com relações e modos de vidas diversificados (DIEGUES, 2001, p. 37).

Interessante ressaltar que, desde o século XIX, havia a possibilidade de se criarem espaços destinados à proteção de povos indígenas e da natureza, áreas em que animais e homens em toda sua rusticidade e beleza natural seriam conservados, contudo, levando-se em conta a concepção preservacionista, essa ideia de proteger populações e espaços naturais não logrou êxito (DIEGUES, 2001, p. 28).

Antônio Carlos Diegues (2001, p. 21) faz uma crítica ao modelo de conservação global, salientando que a ideia de Parques parece importar apenas para os países em desenvolvimento e não para os países industrializados, tendo em vista que nos EUA e na Europa, por exemplo, menos de 2% e 7%, respectivamente, dos territórios nacionais é conservado por meio de unidades de conservação (DIEGUES, 2001, p. 21), ao passo que no Brasil, como já visto no capítulo anterior, 18% da área continental e 26% da área marinha do território nacional estão protegidas pelas unidades de conservação (CNUC, 2019).

Os custos ambientais e sociais da expansão dos Parques e áreas protegidas nos países em desenvolvimento não são avaliados com seriedade pelos governos (DIEGUES, 2001, p. 21). A criação de áreas protegidas é vista, pelas comunidades removidas, como usurpação dos

direitos sagrados à terra onde viveram os antepassados e do espaço coletivo, onde realizam seus modos de vida, distintos do urbano-industrial (DIEGUES, 2001, p. 113). Encaram a criação dos espaços para conservação em seus territórios como um roubo, não só de seu território, mas também de sua identidade (DIEGUES, 2001, p. 67).

Do mesmo modo que a sociedade hegemônica possui representações dos espaços naturais – o que será desenvolvido na próxima seção – os povos e comunidades tradicionais também apresentam suas próprias representações simbólicas destas áreas, que lhes fornece meios de subsistência e meios de trabalho, meios de existência e relações sociais, que são desconsideradas quando as unidades de conservação são criadas e efetivadas (DIEGUES, 2001, p. 67).

Nesse sentido, a expulsão de suas terras significa impossibilidade de continuar existindo como grupo portador de determinada identidade cultural, com relações específicas com o meio natural domesticado (DIEGUES, 2001, p. 67). Mesmo após a criação dos Parques e de outras áreas protegias, não é raro que as comunidades ainda considerem como seus aqueles territórios, o que acarreta em uma sobre-exploração ilegal dos recursos naturais, de que antes tinham domínio (DIEGUES, 2001, p. 67).

Apesar das críticas expostas, Antônio Carlos Diegues (2001, p. 23) ressalta que também há pontos positivos na criação dos Parques, que funcionam como freios na especulação imobiliária, que desaloja as populações tradicionais.